Por Nikelen Witter*, Biscate Convidada
*Nota Inicial: Neste texto não comentarei sobre o Femen. Existem vários textos excelentes (esse, por exemplo)
sobre a organização, portanto, não pretendo repetir aqui o que já foi
dito. Some o fato de que não sinto, como feminista, qualquer tipo de
empatia ou afinidade com o referido grupo. Feita a nota inicial, segue o
baile.
Desde que o Movimento Marcha das Vadias (leia sobre a Marcha aqui no nosso clube)
começou, tenho ouvido constantemente críticas às mulheres que mostram
SEUS seios (pronome possessivo destacado) nos protestos. Os comentários
vão desde o tradicional: “como querem respeito se não se dão ao
respeito?”; até os que são colhidos do próprio feminismo e que envolvem a
objetificação da mulher ou que acusam as manifestantes de mostrarem os
seios para terem a atenção da mídia. Eu poderia elencar a cansativa
lista de contra-argumentos sobre estes comentários. Cansativa porque já
foram repassados centenas de vezes, ao menos para quem costuma manter-se
informado. Também poderia dizer que mesmo que todas estas críticas
tivessem fundo de verdade, ainda não teriam razão de ser. Isso porque o
corpo exposto nos protestos não pertence aos tais críticos e, portanto,
eles nada tem a ver com a decisão das DONAS dos seios de mostra-los ou
não.
Por isso a minha opção foi ir à raiz de todos estes comentários e olhar
para eles com um olhar infantil, com uma pergunta de criança de 3 ou 4
anos: por quê? Por que não?
As mulheres não podem mostrar seus seios em público.
Por quê?
É feio para uma menina se “expor”.
Por quê?
É coisa de vadia.
Por quê?
É ruim.
Por quê?
Porque os homens ficarão pensando bobagens.
Por quê?
Porque homens são assim.
Por quê?
Ah, é assim!
Por quê?
Se você é inteligente, com certeza percebeu onde todos estes porquês
batem. Eles se chocam contra uma imensa parede cultural restritiva dos
direitos das mulheres. As desculpas que vão desde a moralidade – que é
histórica e temporal, portanto, de validade sempre limitada – até a
total e descabida desconstrução do masculino, transformado em “besta
selvagem e irracional”. No fim disso está: “mulheres mantenham-se
escondidas, fechadas, se guardem para os que podem protegê-las, pois
todos os homens não prestam”. O raciocínio todo é retrógrado e fere as
mulheres e aos homens. Limita ambos a papéis restritos, impõe formas de
comportamento, cerceia uma reivindicação que pertence à raiz da luta
contra o patriarcado: o corpo das mulheres pertence as mulheres.
Parece uma reivindicação tola? Óbvia? Um pouquinho de história e
antropologia resolve isso. A bíblia permite aos homens vender suas
filhas e também as esposas. Caso você não saiba os livros que compõe a
bíblia pertencem a épocas diferentes e foram escritos de acordo com o
que interessava a tal época, ou seja, não desceram do céu. Por conta
disso, em alguns trechos, as filhas e esposas poderiam ser repudiadas,
expulsas, prostituídas ou condenadas ao apedrejamento caso fossem
desobedientes. O mandamento que fala em não cobiçar a mulher do próximo
trata as mulheres como coisas. Aliás, o velho testamento é cheio disso.
Mas não pense que isso se restringe à mitologia judaico-cristã. Os
romanos proibiam os direitos às mulheres porque consideravam que se
tornariam perigosas caso tivessem direitos. Aí você pergunta: perigosas
por quê? Perigosas como? Os romanos também proibiram as mulheres de
falarem nas ruas, de dizerem o que pensavam. Por quê? (Leia Deusas e Adivinhas,
de Santiago Montero). Ao longo da História as mulheres foram tratadas
como o outro, o intruso, o macho defeituoso, a subespécie, a coisa
incompreensível, o incontrolável a ser controlado, o incapaz a ser
desacreditado (leia Inventando o Sexo, de Thomas Laqueur). Foram
vistas como pertence, como coisas, como parte daquilo que os homens
trocavam, se desfaziam, possuíam, punham sua marca. Por quê? O que
assusta tanto?
Não tome estas perguntas como ingênuas. Não são. Eu não as estou
formulando em tom de coitadinha, de mimimi (como gostam de usar na
internet). Estou formulando estas perguntas como bandeira, como lança,
como ataque! Por quê? Por quê? POR QUÊ?
Mais que tudo: por que você acredita que tem de se dobrar a isso? Seja
homem ou mulher, por que acha que esta é a forma correta de ser e se
comportar? Por que faz coisas e repete ações sem se perguntar por que
faz isso? Por que continua sendo a vaquinha do presépio balançando a
cabeça ao “sempre foi assim”?
Uma das coisas que a História me ensinou foi que nenhum comportamento,
nenhuma forma de ver o mundo, nenhum tipo de construção cultural é
eterno e impermeável à crítica e a mudança. Tudo muda e muda o tempo
todo. O passado nos serve para refletir e entender o presente, não para
engessá-lo, controlá-lo ou limitá-lo.
Os seios desnudos são uma reivindicação de posse. Qualquer seio é,
sendo exibido ou não. Os úteros também são reivindicações de posse, são
nossos, férteis ou não, são nossos! Ponto. Não há margem para discussão.
Assim como são nossas as pernas, os braços, os cabelos longos e soltos,
curtos e curtíssimos, raspados ou moicanos; são também nossas as
tatuagens e a ausência delas. É nosso o grito, a voz que fala, o texto
escrito, a palavra no microfone, o andar na rua, o estudar, o amar quem
quiser, o fazer esportes, o transar quando estiver a fim. Tudo isso, em
algum momento, já foi proibido, disciplinado, limitado, estigmatizado. A
tudo isso, em algum momento, foi nos foi dito “não, vocês não podem!”
Por quê? “Porque vocês são mulheres.” Isto é uma constatação e não uma
resposta. Quem diz que não podemos? Por que não podemos? Pense bem.
Encontre uma resposta que não seja vazia, tola, religiosa, eivada de
preconceito. Pense! Depois responda: por quê? Por que isso te incomoda
tanto? E quando você souber por que te incomoda, eu ainda estarei te
perguntando, como a mais insistente das crianças: por quê? Por quê? Por
quê?
*Nikelen Witter *Feminismo.org.br
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