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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, setembro 03, 2014

Na Amazônia, Sem Terra enfrentam o grupo de Daniel Dantas



Por Jimmy Chalk e Piero Locatelli*
Da Carta Capital 



Todo domingo, Conceição Carmo da Silva, de 60 anos, vende vegetais e temperos em um mercado em Marabá, no sudeste do Pará. Suas couves, alfaces, rúculas e temperos são todos plantados sem pesticidas. Os orgânicos plantados por ela são populares entre a clientela local, que a permite guardar tudo e ir para casa às onze da manhã. Ainda assim, Conceição nunca está certa de que terá trabalho no dia seguinte.

Com seu filho, ela vive entre trezentas outras famílias que são parte do MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra) no acampamento Helenira Rezenda. Eles dizem que tem o direito de viver e trabalhar naquelas terras férteis, há muito tempo sua fonte de comida e trabalho. Mas a terra pertence, ao menos oficialmente, à Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, companhia controlada por Daniel Dantas, o banqueiro baiano que se tornou famoso nacionalmente durante a privatização do setor de telecomunicações no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Agora, a companhia quer os agricultores fora dali, e está travando uma guerra legal. Os agricultores afirmam que perder essa luta teria consequências sobre a oferta de alimentos em todo o Brasil, resultando em menos alimentos produzidos e mais plantações cultivadas com pesticidas.

“Enquanto a gente tenta produzir um alimento saudável, a gente é reprimido. A gente é ignorado”, diz Doraci Alves de Melo, uma liderança do MST no Pará. “Se nós não produzirmos, quem vai comer comida saudável? Ninguém”.


Historicamente, agricultores camponeses foram cruciais para o fornecimento de alimentos no país. Dados do último censo agropecuário mostram que as pequenas fazendas produzem a maior parte da comida consumida no Brasil – por exemplo, 70% do feijão e 83% da mandioca, o principal ingrediente da culinária paraense.

O Pará, porém, está mudando. A terra do estado é usada cinco vezes mais para a produção de gado do que para a de comida de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Como resultado, a maioria da comida vendida e consumida no Pará vem de fora do estado.

Essa é uma tendência ao redor do país. Nos últimos anos, o Brasil começou a importar alimentosbásicos, como feijão e banana, respectivamente, da China e da Tailândia.

Em 2008, segundo o MST, mil trabalhadores ocuparam uma fazenda da Santa Bárbara, argumentado que o uso da terra não estava de acordo com critérios da Constituição Brasileira e da legislação.  Nos dois anos seguintes, o grupo ocupou duas outras fazendas da Santa Bárbara, a exemplo do que fazia ao redor do país.

Nos acampamentos e assentamentos, o movimento usa técnicas camponesas tradicionais, como o plantio sazonal de alimentos e a aplicação de fertilizantes naturais. No país que agora é o maior mercado de pesticidas do mundo, os camponeses argumentam que o produto afeta o meio ambiente, assim como aqueles que o comem e manuseiam.

José Batista Gonçalves, advogado do MST, diz que a Santa Bárbara não cumpre seus requisitos legais e tem um histórico de trabalhadores em condição análoga à escravidão. Ele também diz que a terra ocupada pelo MST é improdutiva, ou seja, não cumpre os padrões legais de produção.

De acordo com a Constituição, a terra improdutiva deve ser destinada à reforma agrária e a legislação prevê que, se improdutiva, a terra deve ser revertida ao estado e redistribuída.


“Hoje, o Estado poderia recuperar boa parte daquelas terras,” diz Batista. “Mas existe uma conivência entre esses grandes proprietários e o Estado do Pará, então a terra pública está sendo apropriada por grandes grupos econômicos”.

De acordo com um estudo da Comissão Pastoral da Terra de 2013, fazendas da Santa Bárbara ocupam terras ilegalmente. O estudo analisou quatro fazendas, entre as mais de cinquenta do grupo, e chegou à conclusão que setenta por cento da terra era do Estado do Pará.

A Santa Bárbara negou todas as acusações. O porta-voz Altair Albuquerque escreveu que a Santa Bárbara é a “legítima proprietária de todas as suas fazendas, adquiridas de forma transparente e a justo título, conforme demonstram as escrituras públicas.”

Ele disse que “a empresa é árdua defensora do fiel cumprimento de todos os direitos trabalhistas, investindo sempre nos seus recursos humanos” e promove um plano de carreira aos funcionários, com vários benefícios como transporte e escola para as crianças e adultos.

Albuquerque disse a Journalists for Transparency que a Santa Barbara “busca, como sempre fez, solução pacífica para a questão agrária, mantendo interlocução sistemática e permanente com as autoridades do governo responsáveis pela reforma agrária e pela qualidade de vida dostrabalhadores rurais sem-terra ocupantes de parte das fazendas.”

Isso é difícil para alguns brasileiros acreditarem, devido ao histórico de escândalos ligados à companhia. O Opportunity, fundo de investimentos fundado em 1996 nas Ilhas Cayman atrelado à Santa Bárbara, foi acusado pela Polícia Federal de fraude em larga escala durante a privatização do setor de telecomunicação na década de 1990. O grupo sempre negou as acusações e criticou a forma como as investigações foram feitas.

Daniel Dantas, dono mais conhecido do grupo, foi condenado a dez anos de prisão em 2008, após ser considerado culpado de tentar subornar um policial durante esta investigação. Dantas nega o crime e a sentença foi suspensa até as cortes superiores julgarem o caso.

Seguindo esses escândalos, o Opportunity mudou o foco de seus negócios, do império de comunicações para as grandes fazendas de gado no interior do país. O grupo fez 1,5 bilhão de reais em investimentos na Santa Bárbara entre 2005 e 2008 , de acordo com o livro de Rubens Valente, Operação Banqueiro.

Os militantes do MST dizem que a sua determinação de plantar no local também é uma resposta às suspeitas de corrupção em torno da Santa Bárbara, e que não devem desistir.

“Nós lutamos para mostrar à sociedade o quão doido é ver uma coisa que você sabe que é seu, mas os outros estão te tirando,” diz Doraci. “A gente só tem esse direito de comer porque a gente produz.”

Moradores dizem que as fazendas em que estão trabalhando são cercados de guardas fortemente armados, que ameaçam os membros do MST . O movimento disse à mídia local que, em 2012, um conflito entre os guardas e os ativistas sem-terra feriu pelo menos 12 pessoas, cujas identidades não foram divulgadas.


Os militantes também dizem que aviões a mando da Santa Bárbara jogaram pesticidas sobre as suas plantações. A reportagem tentou, por diversas vezes, contato com a sede da fazenda, mas não foi recebida pelos gerentes dela. Por e-mail, a companhia disse que as acusações são “infundadas.” “A AgroSB se surpreende com essa suposição e nunca utilizou desse tipo de prática para prejudicar quem quer que seja,” escreveu Albuquerque.

O advogado do MST, Batista Gonçalves, diz que a Santa Bárbara está operando com impunidade. Segundo ele, está é uma consequência da influência da empresa sobre o governo e o judiciário brasileiro.

“A gente sabe que há ilegalidades no processo de aquisição de propriedades pelo grupo aqui no estado do Pará. Então, o que o Estado deveria fazer? Investigar. O Estado investiga? Não, ele não investiga.”

* Esta reportagem foi traduzida e faz parte do projeto Journalists for Transparency, da International Anti-Corruption Conference. Acesse o site da iniciativa para saber mais.

*MST
*FláviaLeitão

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