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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, fevereiro 21, 2015

Avanço das esquerdas e lições da Europa

Por Igor Fuser, no jornal Brasil de Fato:




A instalação de um governo verdadeiramente de esquerda na Grécia, com a vitória eleitoral do Syriza, gerou uma onda de esperança em toda a Europa.

Em especial nos países mais devastados pelo desemprego e pelo corte de direitos sociais, como Espanha, Portugal e Irlanda, a luta por uma alternativa à austeridade neoliberal adquire agora uma inédita viabilidade nas urnas. Na Espanha, são grandes as chances de vitória do Podemos, o partido que nasceu dos protestos dos Indignados. Aqui, do outro lado do oceano, acompanhamos com o coração alegre esses avanços, procurando extrair lições da experiência europeia.

A primeira lição se refere à centralidade da luta pelo poder político. O Estado é o lugar da sociedade onde se condensa a correlação de forças, que se expressa em leis e em políticas públicas, adotadas a favor ou contra os interesses dos trabalhadores. É para o Estado que se voltam todas as expectativas da sociedade. Ignorar isso, na crença ingênua de que se pode “mudar o mundo sem tomar o poder”, significa entregar o terreno da política às classes dominantes.

Uma segunda lição se refere à necessidade de organizações políticas permanentes, com líderes visíveis e respeitados. O Syriza é uma coligação de pequenos partidos com raízes na longa tradição do marxismo na Grécia. Já o Podemos, com menos de um ano de existência, foi formado a partir da frustração com o declínio dos Indignados, iniciativa que se mostrou incapaz de traduzir as gigantescas manifestações de rua em força suficiente para alterar o rumo da política institucional.

Outro ensinamento dos companheiros gregos e espanhóis é a sabedoria em definir o inimigo principal e dirigir contra ele toda a energia da luta popular. Esse alvo é a política de “austeridade”, causadora do atual desastre social, e os políticos e burocratas que a executam. É claro que as medidas neoliberais nada mais são do que a expressão dos interesses da classe hegemônica no capitalismo global, a grande burguesia financeira. Mas é contra essas políticas, e não contra o capitalismo em geral, que se volta o descontentamento crescente das pessoas comuns, os famosos “99%”. Esse entendimento explica a clareza e a eficácia das lideranças políticas que impulsionam a atual guinada à esquerda na Europa.

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