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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, fevereiro 24, 2015

Exclusivo: Assange quer mudar a sede do Wikileaks para o Brasil



O inimigo número 1 dos EUA na Internet, Julian Assange, que está preso há quase cinco anos na Embaixada do Equador, em Londres, sem que pese contra ele nenhuma acusação, concedeu por e-mail à Revista Fórum essa entrevista exclusiva onde revela que gostaria que wikileaks pudesse mudar sua sede para o Brasil.
“Os ativistas brasileiros deveriam lutar para criar um ambiente que seja ‘habitável’ para o WikiLeaks e nosso estafe (que proteja a criptografia e o anonimato na rede e o Marco Civil da Internet é um passo importante neste sentido) para que possamos mudar nossa sede para o Brasil.”
Essa entrevista foi intermediada pela Editora Boitempo, por onde Assange vai lançar a versão em português do seu novo livro, “Quando o Google encontrou o Wikileaks”, registro de um conversa entre ele, Eric Schmidt, presidente do Google e outros integrantes da corporação, realizada em 2011. Em breve, o blogueiro fará uma resenha da obra por aqui. Por ahora, fiquemos com a entrevista que está bastante interessante. A tradução para o português das respostas de Assange é de Vinicius Gomes.

Julian, no seu novo livro você menciona que a principal censura sobre a história é o fator econômico, mas também se refere aos ataques jurídicos a jornalistas como uma ameaça. Como você entende que a mídia independente –particularmente aquela que está hospedada na internet – deveria confrontar essas ameaças à liberdade de imprensa e de expressão?

O WikiLeaks demonstrou que, ao reconhecer esses métodos de censura, a publicação pode estruturar suas operações logísticas e legais para resistir à censura, ou pelo menos torná-la muito cara. Outras publicações podem aprender com nossa experiência e reestruturar similarmente suas operações a fim de dificultar que sejam censurados. Os detalhes disso estão no livro, mas, resumindo, deve-se usar múltiplas jurisdições, a tecnologia e o poder da audiência, para que os ataques proibitivos à essas publicações sejam custosos política e economicamente. Meu conselho a estes é: onde existe vontade existe uma saída, mas antes de tudo tem que ter a vontade.

Na sua opinião, como será possível construir um sistema de livre informação que desafie o domínio das grandes corporações que cada vez mais se tornam aliadas do Departamento de Estado dos EUA?Ainda há chances para a Internet ou ela já foi apropriada pelo poder econômico?
Embora eu tenha falado bastante disso no livro e tenha tratado da natureza distópica da internet em diversos lugares, é também importante refletir a respeito dos seus benefícios. Esses benefícios são o extraordinário desenvolvimento da civilização humana; e, parte da tragédia, é que esses desenvolvimentos estão sendo erodidos pela cooptação da internet pelas grandes facções de poder no Ocidente. A internet é uma habilidade sem precedentes para o mundo se comunicar através das fronteiras e isso significa que precisamos nos educar sobre como realmente é a civilização humana e nosso lugar na Terra.
Essa transferência lateral de informação foi disponibilizada ao público, junto àquela transferência vertical de informação das velhas organizações opacas, por conta de organizações como Wikileaks e outras instituições ou fenômenos similares. Esse sistema maravilhoso e libertador tem sido, pelos últimos dez anos, alvo de predadores da pior espécie: a Agência de Segurança Nacional (NSA, sigla em inglês), o GCHQ (o similar britânico) e outras agências aliadas e organizações, sendo a mais importante o Google. A invasão dessas organizações ao espaço educacional da civilização humana é uma tragédia. É de alguma maneira como se a revolução tivesse sido traída. Ainda há chance para que o potencial emancipatório da internet tenha continuidade? Sim, eu acredito que existe essa chance, mas apenas se lutarmos por ela – e essa será um longa e amarga luta.

Na conversa com Eric Schmidt e os outros representantes do Google, você falou dos desafios de comunicação na revolução do Egito e sugeriu possíveis formas de contatos criptografados via celulares. Ainda acha que é possível escapar do controle com a quantidade de dados que o Google e o Facebook têm dos cidadãos no mundo todo? Não te parece que estamos vivendo num momento em que além de buscar a privacidade precisaremos inciar uma guerra cibernética de destruição de dados? Não são os dados e os tratamentos que essas grandes corporações podem fazer deles que nos tornam prisioneiros do vigilantismo?
A verdadeira questão é: qual é a escala natural das tecnologias que as pessoas necessitam para se comunicar pelo mundo? Qual é a escala natural dessas indústrias que produzem smartphones, redes sociais, mecanismos de busca, etc? Será que a escala natural dessas tecnologias permite apenas um Google no mundo? Ou uma superpotência? Ou pode existir uma em cada casa? Ou em cada cidade? Ou em cada nação, incluindo as nações menores? A resposta para isso ainda não está clara. Existem alguns fatores que sugerem que irá existir apenas um único mecanismo de busca gigante no planeta, o que levaria a civilização global a ser dominada por apenas uma cultura ou um Estado que está mais envolvido com aquele mecanismo de busca, um mecanismo de busca que integra tudo que pode ser procurado ao redor do mundo.
Pode haver uma tendência natural em direção a centralização global como um resultado dessa tecnologia. Como exemplo, o cérebro humano é todo centralizado em um só lugar. Nós não dividimos nosso cérebro com nossas pernas, nossas costelas, nossas pontas do dedo. Está tudo em um só lugar, então nosso pensamento pode ser rápido e nossos neurônios podem se comunicar rapidamente uns com os outros, a partir disso nós formamos o entendimento do nosso ambiente. Um mecanismo de busca precisa, de maneira similar, estar em um só lugar para reunir as informações do mundo e pesquisá-las. E uma vez que está um só lugar, as informações adicionais que são coletadas devem também estar no mesmo lugar, para que isso traga benefícios de economia de escala e proximidade. Sendo assim, isso irá criar um mundo centralizado, encorajando os grupos mais poderosos a ficarem ainda mais poderosos.
Mas a tecnologia da internet também pode ser mais parecida com um rifle, onde podem existir centenas ou milhares de fabricantes e cada rifle pode ser empunhado por um individuo para aumentar sua força física. Isso seria tecnologia democrática, não uma tecnologia centralizada. Ambas as coisas parecem ser a realidade. Com uma mão o smartphone é empunhado por um individuo, e eles são muito poderosos, na outra mão está o Google sugando praticamente toda informação e armazenando-as em um só lugar, ampliando tremendamente toda a capacidade de coleta de informações para a inteligência dos EUA.

No seu novo livro você também diz que a grande imprensa tem de ser eliminada e substituída por algo melhor. O que seria este algo melhor na sua opinião? Num dado momento você diz que a base do jornalismo deveria ser a da ciência, mas isso por si só não impediria uma série de interpretações diferentes acerca de um mesmo fato. E nem acabaria com a concentração midiática. Como enfrentar o pensamento único e a o a concentração de poder midiático de forma criativa no mundo atual?


A melhor coisa que a internet nos deu foi a de desconectar a distribuição da publicação e desconectar a publicação de direitos autorais. Isso permitiu uma explosão de vozes independentes e perspectivas que não foram vistas desde a invenção do rádio e da televisão. Com o passar do tempo, distribuidores estão se coligando com publicações para ampliar o controle do lucro na integração vertical. O Google, que é a maior publicação na internet, está agora construindo sua própria rede de distribuição e está se tornando um ISP (Internet Service Provider – uma organização que provê serviço, acesso e uso na Internet) em diversas cidades e tem planos extremamente ambiciosos para se tornar uma ISP em grande parte do mundo. Ao mesmo tempo, a Comcast, a Fox, a Viacom estão comprando redes de distribuição na internet. E o Facebook está entrando no negócio da distribuição, mas já está há muito tempo no negócio de capturar autoria e publicação, aplicando numerosos métodos de contenção de autoria – o que turva a noção se ele é um autor ou uma publicação.
Por outro lado, novas startups estão ignorando isso e criando novos métodos de comunicação que flutuam acima dessas redes de distribuição originalmente montadas pela AT&T, Cable and Wireless e outras gigantes das telecomunicações. Essa é a grande tensão. Será a internet uma continua revolução ou perderá o folego e será consumida pelos elementos do Estado e das corporações que controlam sua infraestrutura básica?

Qual a sua situação atual e como os ativistas brasileiros podem te ajudar a se livrar dessa estúpida sentença a que tem sido submetido?
Eu estou detido no Reino Unido por quatro anos e meio sem qualquer acusação. Nós estamos em um sério confronto legal e de informação contra os tradicionais centros de poder dos EUA, incluindo investigações públicas contra nós (Wikileaks) por diferentes agências norte-americanas, incluindo o Departamento de Justiça, o FBI, o Departamento de Estado, a CIA, o Pentágono e o DIA (Defense Inteligence Agency). Vencer tal conflito é um esforço que exige muito seriedade. Até agora, nós vencemos nas áreas mais importantes. O Pentágono e o Departamento de Estado exigiram que destruíssemos todas nossas publicações sobre o governo dos EUA. Nos recusamos e não destruimos um único documento. Eles exigiram publicamente para o mundo que destruíssemos todas nossas futuras publicações. Não destruímos um único documento. Eles levantaram um bloqueio financeiro contra nós, envolvendo a Visa, a Mastercad, o Paypal, etc. — muito similar ao bloqueio de Cuba. Nós vencemos tal bloqueio diversas vezes nas cortes européias. Eles insistiram que nós parássemos de lidar com “whistleblowers” (funcionários do governo que por se sentirem fazendo algo errado denunciam o governo) do governo norte-americano. Não fizemos isso. Nós nos adiantamos a todos e garantimos que Edward Snowden tivesse sucesso em sair de Hong Kong e conseguisse asilo na Rússia. Nosso sucesso nessas ações e nossas publicações prejudicaram o prestígio dessas agências, que, lembremos, existem por conta de sua habilidade em projetar uma aparência de poder e que agora buscam retomar essa aparência tornando as coisas difíceis para o WikiLeaks e para mim.
Não existe apenas uma guerra juridica e de informação contra nós, existe também uma guerra de propaganda. Essa guerra procura minar nossa reputação e nosso apoio. Então, o que as pessoas podem fazer é, primeiramente, se elas tiverem acesso a documentos secretos, enviarem para nós que nós os publicaremos. Em segundo lugar, se elas descobrirem informações sobre planos contra nós, devem nos avisar, para que possamos tomar uma decisão estratégica a respeito. Terceiro, podem nos ajudar a vencer a guerra de propaganda dizendo para as pessoas a verdade do que estamos fazendo.
Já os ativistas brasileiros, especificamente, deveriam lutar para criar um ambiente que seja ‘habitável’ para o WikiLeaks e nosso estafe (que proteja a criptografia e o anonimato na rede e o Marco Civil da Internet é um passo importante neste sentido) para que possamos mudar nossa sede para o Brasil.

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