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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, abril 05, 2015

Quando o trabalhador vale menos que um Big Mac



Esqueça as propagandas com funcionários sorridentes, cantarolando alegres o jingle da mais famosa rede de fast food do mundo. No apagar das luzes, o cenário é bem menos glamoroso: jornadas excessivas, queimaduras frequentes, insalubridade, acúmulo de função e direitos básicos negados; entenda o que há por trás do McLanche Feliz
Por Maíra Streit
Esqueça as propagandas com funcionários sorridentes, cantarolando alegres o jingle da mais famosa rede de fast food do mundo. No apagar das luzes, o cenário é bem menos glamoroso. O dia a dia dos 1,7 milhão de trabalhadores do McDonald’s está atualmente em debate em vários países, com duras críticas à empresa.
Entre as principais queixas, está a ausência de equipamentos e procedimentos para evitar acidentes de trabalho – em especial, as frequentes queimaduras na pele –, além da falta de pagamento adicional por acúmulo de função e insalubridade. A não concessão de pausas na jornada ou folgas e a proibição de se comer alimentos fabricados fora da rede também já foram motivos de processos na Justiça.
É comum que essas pessoas sejam pressionadas a trabalhar muito rápido em ambientes perigosos, perto de chapas e óleo quentes. Elas são submetidas a calor excessivo na cozinha e baixas temperaturas na câmara fria, e ainda lidam com produtos químicos, lixo e dejetos humanos nas atividades de limpeza. Muitas vezes, faltam kits básicos de primeiros socorros e os atendentes são obrigados a cumprirem suas funções, mesmo machucados.
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Protestos contra a empresa acontecem em várias partes do mundo (Foto: Reprodução/Facebook)
Pensando em garantir condições melhores a esses trabalhadores, uma mobilização global foi marcada para o dia 15 de abril em 35 dos 119 países onde a companhia atua. Ao todo, cerca de 200 cidades irão participar. No Brasil, já foram confirmadas manifestações em locais como São Paulo, Brasília, Goiânia e Salvador.
Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh), Moacyr Roberto Tesch Auersvald, é preciso intensificar a pressão para que o McDonald’s passe a respeitar as regras trabalhistas brasileiras. “É um dos maiores empregadores do Brasil, mas resolve atropelar as nossas leis. Queremos que, enquanto não cumpram nossa legislação, eles fiquem suspensos de abrir novas lojas. É um trabalho indecente, semi-escravo”, enfatiza.
Auersvald alerta que o pagamento dos empregados também é polêmico. “Eles dão uma manipulada no holerite dos funcionários. Jogam valores para cima, fazem descontos e, na forma como colocam, o próprio juiz exige que sejam mais claros. É impraticável entender a matemática que eles fazem”, denuncia.
As centrais sindicais classificam a atitude da rede como dumping social, quando o desrespeito às leis causa prejuízo direto aos trabalhadores e gera danos às demais empresas do setor, uma vez que a concorrência desleal dos preços viria de uma exploração social indevida. O não pagamento de encargos e obrigações trabalhistas seria o responsável por abrir uma vantagem competitiva, reduzir custos e, assim, prejudicar as empresas que seguem corretamente as leis.
O presidente da Contratuh lembra ainda que a preferência pela contratação de gente jovem, que muitas vezes tem ali o seu primeiro emprego, pode ser uma armadilha para submeter esses funcionários inexperientes a situações que outros não aceitariam. E, atraídos pela oportunidade de iniciar a vida profissional, acabam tendo seus direitos básicos negados. “Pegam menores aprendizes e colocam para trabalhar em condições insalubres. Não é atividade para menores”, destaca.
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Campanha tenta dar visibilidade à exploração de funcionários na maior rede de comida rápida do mundo (Foto: Reprodução)
No Brasil, são aproximadamente 50 mil funcionários na Rede McDonald’s, segundo dados oficiais da empresa, que está presente no país desde 1979 e há oito anos é representada pela Arcos Dourados, máster franqueada em toda a América Latina. No entanto, o que eles não contam é que, somente em território brasileiro, de 2012 a 2014, foram quase 400 ações contra o McDonald’s ajuizadas na Justiça do Trabalho nas principais cidades, de Norte a Sul.
A página Sem Direitos Não é Legal foi criada justamente com o objetivo de dar visibilidade a esses casos. “Não cuidar de funcionários que se queimam: NÃO É LEGAL! Não pagar adicional de insalubridade: NÃO É LEGAL! Ser contratado para uma função e exercer outra: NÃO É LEGAL!”, afirma texto do Facebook da campanha, que incentiva a mobilização global que ocorrerá no próximo dia 15.
A iniciativa busca também dar voz a pessoas que já passaram por essas situações para que possam dar seus relatos, como é o caso da ex-funcionária Mônica Carolina. “Eu fazia jornadas excessivas de trabalho. Meu período era de seis e eu trabalhava dez horas seguidas não remuneradas. Entrava em áreas restritas para menores de idade, como as câmaras frias, e manuseava objetos de risco”, conta.
Condições parecidas vivia Caio Cesar, de 22 anos. “Caí com os dois braços em cima da chapa e tive queimaduras de 1º e 2º graus. O gerente chamou a minha mãe para ela me levar ao hospital. Não quis me acompanhar. Isso não é emprego. É escravidão”, afirmou.
Pelo jeito, melhor parar de acreditarmos no que vemos na TV.

*RevistaForum

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