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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 07, 2015

“Só a legalização das drogas pode acabar com o tráfico”


Para o delegado Orlando Zaccone, o objetivo da diminuição da maioridade penal no Brasil é transformar o encarceramento em um grande negócio
BRASILDEFATO.COM.BR

Pablo Vergara
Para o delegado Orlando Zaccone, o objetivo da diminuição da maioridade penal no Brasil é transformar o encarceramento em um grande negócio
06/04/2015
Por André Vieira
do Rio de Janeiro (RJ)
Na última terça-feira (31), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. A CCJ avaliou somente os critérios de constitucionalidade, legalidade e técnica legislativa. Com isso, o próximo passo é a formação de uma comissão especial para analisar o mérito da proposta. O Brasil de Fato entrevistou o delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Orlando Zaccone para entender quais são os interesses por trás desse projeto. Além desse tema, os conflitos em favelas onde existem UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), a guerra às drogas e a presença das forças armadas na Favela da Maré fazem parte da conversa.
Brasil de Fato - Existe um projeto de lei que quer reduzir a maioridade penal. Qual o objetivo?
Um dos grandes negócios do mundo é o encarceramento. Nos Estados Unidos, que é o país que mais encarcera no mundo e que tem mais de dois milhões de pessoas presas, o aumento do encarceramento foi feito junto à privatização dos cárceres. Hoje pouco se fala que um menor que comete um crime com violência pode ser internado. A internação é uma privação de liberdade. O que está em jogo não é autorizar a prisão de adolescentes, mas sim aumentar o tempo de encarceramento, que não vai ser três anos conforme o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] limita. Com a entrada dos adolescentes no sistema penal, o Estado vai jogar para o ar e dizer que não tem condições de suportar o aumento do número de presos e vai viabilizar a entrada das empresas privadas.
Brasil de Fato - E as UPPs? Qual a sua avaliação?
A UPP é um olhar de vigilância dia e noite em relação às pessoas que moram na comunidade ocupada. Num primeiro momento o discurso da retomada de território em relação ao tráfico de drogas funcionou bem, mas com um tempo a população vai observando que isso não acontece, pois o tráfico permanece no local, até porque existe um mercado. Não é num passe de mágica que você pode acabar com o mercado das drogas. A legalização do comércio e consumo das drogas é a única maneira de acabar com o tráfico. A reação [da população] é justamente um grito que mostra o que realmente é a UPP: uma ocupação militar de um território pobre. A gente não consegue devolver nada para os moradores daquela região somente com armas, tanques e policiais.
Brasil de Fato - E na favela da Maré, onde são as forças armadas que estão ocupando?

É ainda mais grave. Em tese, você só poderia ter a participação das forças armadas na segurança pública em casos de grandes distúrbios. Quando as forças armadas fazem um papel de policiamento, nós estamos em um Estado de exceção [onde são suspensos os direitos e garantias constitucionais]. Estamos naturalizando esse tipo de Estado nas áreas pobres, como é o caso da Maré e aceitando que uma exceção vire regra. Numa situação em que não estamos em guerra, admitir uma ocupação das forças armadas de forma permanente em qualquer lugar realizando funções policiais é admitir o Estado de Exceção permanente na estrutura do Estado Democrático.
Brasil de Fato - A atual política de combate às drogas é eficaz?
Ela é horrível. Estamos na contramão do mundo. Os Estados Unidos, que foram os primeiros a propagar essa guerra no mundo, estão revendo essa política. Atualmente já tem meia dúzia de estados autorizando a produção, comércio e consumo da maconha, mesmo para fins recreativos. Para fins medicinais já existia uma dezena de estados. A guerra às drogas é insana porque não reduz o consumo. O que tem de mais cruel nessa guerra às drogas é porque quem paga o preço são as classes populares. Tanto do lado da favela quanto dos policiais, porque os policiais que morrem nessas guerras são soldados, cabos, oriundos das classes populares. Não é coronel, delegado que morre. Com ou sem farda, traficante ou não, quem está morrendo é o povo. A guerra às drogas ofende muito mais a saúde e a vida das pessoas do que as drogas. 
Brasildefato

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