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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, julho 13, 2011

MUITO BOM , MAS NOTEM QUE SOMOS "SUL" E NÃO "OCIDENTAIS".

OS EUA ESTÃO NO NORTE E SÃO CONSIDERADOS DO OCIDENTE E O BRASIL ESTÁ NO SUL E É CONSIDERADO DO SUL. POR QUÊ?  

ROBERTO ABDENUR
A persona internacional do Brasil




Somos `Sul' num mundo em que não cabe a ideia de embate com um `Norte' hostil; não devemos elidir nosso caráter ocidental




A forma como um país se insere no plano internacional é expressão de dois tipos de fatores -características inerentes a sua dimensão, economia, sociedade e o modo como se posiciona nas organizações que conformam a "ordem" internacional.
O que se pode chamar de persona de um país é o conjunto dessas características, que vai além do conceito de identidade nacional. Algo que pode (e deve) mudar a cada nova fase da evolução interna e segundo o contexto internacional.
O poderio de um país se deve a fatores estáticos (território e recursos naturais). Mas seu poder é consequência da maneira como evolui internamente e de sua capacidade de, no plano externo, adequar-se a novas circunstâncias, projetando com ímpeto sua influência sobre questões da agenda internacional.
Como aponta Celso Lafer, há um modo de ser brasileiro nas relações internacionais. Isso se expressa pela crença kantiana de que, se não é fácil contemplar uma paz perpétua em escala mundial, por certo está materializado esse desiderato numa América Latina livre de armas de destruição em massa, do risco de conflitos armados e distante dos eixos de confrontação e insegurança. Vivemos hoje, aos olhos da comunidade internacional, um momento feliz, com os avanços no sistema democrático, a crescente vibração da sociedade civil, a estabilidade e o renovado dinamismo da economia.
Viemos ganhando peso crescente na área internacional, com maior capacidade de afirmação. Mais do que emergente, o Brasil é hoje ator global. Tem posição central nas organizações regionais e ponderável peso na busca de soluções para os problemas das finanças (G20, FMI, Banco Mundial), do comércio (OMC, Rodada Doha), do ambiente e da mudança climática, da energia, da segurança, de desarmamento e não proliferação, da reforma da ONU.
Para que ganhe mais ímpeto, a projeção externa requer o reconhecimento por nós mesmos do acentuado pluralismo de nossa persona, tal como se vê no plano externo. Somos "Sul", mas num mundo em que já não cabe a ideia de continuado embate com um "Norte" hostil.
E sermos "Sul" não deve levar-nos a elidir nosso caráter inerentemente ocidental, que urge afirmar. Somos país de renda média mais do que nação "em desenvolvimento". "Emergentes", temos interesses diferenciados em relação às potências estabelecidas, mas nem por isso deixamos de nelas ter parceiros estratégicos. Somos Bric, mas temos interesses diferenciados também em relação a China, Rússia, Índia e África do Sul. Somos América do Sul e estamos no Atlântico, mas cabe enfatizar nossa condição de maiores parceiros da Ásia na região.
Somos G20 na área financeira e na OMC, mas o que nos move é a ideia de reforma das instituições multilaterais, não uma postura de feições anticapitalistas na luta contra um malévolo "neoliberalismo". Nossa política externa, em evolução na continuidade, requer um cada vez mais nítido delineamento de nossa persona no seio da comunidade internacional. Que sigamos avançando nesse processo, para que o presente feliz momento se transforme em duradoura nova etapa em nosso desenvolvimento e em nossa projeção externa.

ROBERTO ABDENUR foi embaixador do Brasil na China, na Alemanha e nos EUA e secretário-geral do Itamaraty. Ele passa a escrever quinzenalmente em Mundo, às quartas-feiras.

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