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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, julho 31, 2011

Enquanto Globo faz piada, aumentam os ataques a mulheres no metrô

 

Na quarta feira, 27 de julho, uma estudante Direito de 18 anos (identificada apenas pelas siglas L.S.), sofreu um ultrajante ataque sexual no interior de um vagão do metrô na estação Barra Funda, na região oeste de São Paulo. O ataque à jovem, que ocorreu às 8h, foi o 43° episódio de agressão sexual ocorrido no interior do sistema metropolitano apenas este ano.
Um número que, com certeza, está muito abaixo da realidade, como lembra Marisa dos Santos Mendes, da Secretaria de Assuntos da Mulher do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e militante do PSTU: "Na verdade, os casos de assédio dentro do transporte público e no metrô, em particular, são incontáveis, têm aumentado e se tornado mais audaciosos e violentos em função de dois problemas seríssimos: a impunidade que cerca os casos e, também, o constrangimento sofrido pelas mulheres ao denunciar esse tipo de agressão".
Exemplo disto é o fato de que, além do ataque do dia 27, outros três já haviam sido registrados entre os dias 19 e 21 de julho. E, como lembra Marisa, "se isto não bastasse, ainda temos que conviver com posturas inaceitáveis, como a da Rede Globo, que, como foi denunciado no site do PSTU, exibe, todos os sábados, um asqueroso quadro chamado Metrô Zorra Total, em que personagens tratam a violência sexual como piada, o que, evidentemente, só contribui para a banalização deste tipo de violência".
Sufoco e impunidade, as raízes da violência
Qualquer um que circula pelo metrô de São Paulo, que recentemente ganhou o prêmio de "o metrô mais lotado do mundo", sabe exatamente o que significa sufoco. Contudo, somente as mulheres podem dizer o quanto esta situação se torna ainda mais insuportável em função do machismo e da degeneração das relações humanas.
Um sufoco que, como também destacou a diretora do sindicato, está na raiz dos ataques em dois sentidos. "Primeiro, porque estamos pra lá do limite da capacidade do sistema, operando, principalmente nos horários de pico, quando ocorrem a maioria dos ataques, com uma superlotação absurda. Segundo, porque o mesmo sufoco é sentindo pelos funcionários, já que, por mais que os trabalhadores da segurança tentem garantir a integridade das usuárias, isto é muito difícil, pura e simplesmente porque não há trabalhadores suficientes".
Por isso mesmo, para além do desconforto e do empurra-empurra, mulheres, de todas idades, são obrigadas a conviver com homens se esfregando em seus corpos e as apalpando das formas mais nojentas, não sendo raro, inclusive, o relato de mulheres que saem dos vagões com esperma escorrendo em suas roupas.
Uma situação bastante próxima do que ocorreu com a estudante de Direito, que foi atacada no interior de um vagão lotado, às 7h45 da manhã: "Percebi que ele estava com a mão na minha virilha. Comecei a gritar (...) Foi horrível, vai ser difícil esquecer". A situação só não foi pior porque a jovem, demonstrando coragem invejável, partiu para cima do sujeito (um bancário de 23 anos), aos tapas e gritos, o que chamou a atenção dos seguranças.
Apesar disto, e fiel à lamentável regra que vigora nestas situações, o criminoso machista saiu praticamente impune da história. Detido pela Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom), ele foi autuado apenas por "importunação ofensiva ao pudor", que não configura crime.
Uma impunidade, como disse Marisa, que está na raiz da reincidência dos casos que, este ano, já atingiram a média de seis ataques por mês.
Cenas de terror
No dia anterior ao ataque à estudante de Direito, houve outra ocorrência exemplar da combinação entre sufoco, impunidade e ataques machistas: um analista de sistemas tentou forçar sua entrada num vagão com socos e cotoveladas desferidos contra duas passageiras que, ao reagirem, foram ameaçadas com um canivete.
Novamente, o agressor foi detido e liberado na sequência, indiciado por agressão, porte de arma branca e lesão corporal. O episódio ocorreu às 7h45 da manhã na estação Tatuapé, conhecida por sua hiperlotação.
Já o episódio anterior, em 19 de julho, evidencia o problema relacionado à falta de funcionários e segurança. Na terça, 19 de julho, às 9h20 da manhã, um homem agarrou a autônoma Ana Claúdia, de 34 anos, abaixou as calças e, ameaçando-a com uma faca, tentou estuprá-la numa escadaria localizada em um ponto ermo (sem câmeras ou seguranças) da estação Sacomã. Apesar de ferida, Ana conseguiu se livrar do agressor, que também fugiu local.
Dois dias depois, desta vez no final da tarde, na estação Anhangabaú, outro sujeito foi preso enquanto, "importunava de forma libidinosa" uma passageira.
Um dos casos mais graves dos que se tem notícia aconteceu em 19 de abril, quando uma vendedora foi violentada no interior de um vagão entre as estações Paraíso e Brigadeiro. Aproveitando-se da enorme quantidade de pessoas no trem, o estuprador aproximou um objeto cortante do rosto da mulher, e colocando a mão por baixo de sua saia, rasgou sua calcinha e a violentou.
Contudo, o número certamente é muitíssimo maior. Por exemplo, outros sete casos foram registrados como "ato obsceno". Além disso, também são vários os casos em que os estupradores se aproveitam do tumulto que predomina no interior e redondezas das estações para fazer vítimas. Nos últimos doze meses, pelo menos duas mulheres foram retiradas das estações (sob ameaça de armas) e conduzidas para locais próximos, onde foram violentadas. No último caso, no dia 5 de abril, o criminoso chegou a gravar seus atos.
Muita propaganda, pouca segurança
Enquanto isto, além das intragáveis piadas do Zorra Total, a Companhia Metropolitana e o governo do Estado de São Paulo também tratam o problema com uma escandalosa falta de seriedade.
Ao mesmo tempo em que gastam milhões para fazer propaganda sobre as supostas modernidade e eficiência do sistema, estes senhores têm dado declarações à imprensa que soam como verdadeiros insultos para as mulheres que têm passado por estas experiências traumatizantes.
No dia 20, depois do penúltimo ataque, o chefe do Departamento de Segurança do Metrô, Rubens Menezes, tentou minimizar, de forma vergonhosa, o ultraje ao qual as mulheres têm sido submetidas no interior das estações: "Transportamos mais de nove milhões de pessoas no primeiro semestre nas Estações Sacomã, Tamanduateí e Vila Prudente e tivemos um ato obsceno. (...) Em relação ao volume de passageiros transportados, o ato obsceno não é comum nas estações".
Diante de afirmação tão absurda, caberia lembrar ao representante do Metrô que nem mesmo um único caso poderia ser tolerado. Não há nada de normal ou aceitável nesta história. Algo devidamente lembrado, em entrevista ao G1, por Ana Claudia, que conseguiu escapar do ataque na estação Sacomã: "Eu não aceito esta situação de passar uma propaganda na televisão de que a estação Sacomã é uma das mais novas, mais modernas, totalmente segura, e acontecer um negócio desses".
Chega de sufoco, basta de violência!
Exemplo lamentável da violência machista que, neste país, faz com que uma mulher seja violentada a cada 12 segundos e uma assassinada a cada duas horas, o que está se passando no metrô (ou nos ônibus, trens e todo tipo de transporte público) é algo que tem de ser combatido veementemente.
Um combate que tem muitas frentes, como lembra a dirigente da Secretaria de Assuntos da Mulher do Sindicato dos Metroviários: "Diante desta situação, uma das principais reivindicações do sindicato é a contratação imediata de mais funcionários, o primeiro passo para deter as agressões. Além disso, estamos com o movimento feminista combatente, na luta pela punição imediata e exemplar de todo e qualquer agressor machista".
Além disso, continua Marisa, "diante dos obstáculos e dificuldades que todas nós, mulheres, conhecemos quando se trata da denúncia deste tipo de agressão, queremos promover uma campanha de conscientização das usuárias, para que elas não deixem estas lamentáveis histórias passar em branco, utilizando todos os canais possíveis, inclusive o Sindicato".
Medidas que, segundo ela, "são fundamentais, neste momento, mas sabemos que isso só vai parar quando mudarmos complemente a lógica deste sistema e tivermos um transporte público realmente a serviço dos trabalhadores, que garanta condições dignas e segurança para todos, particularmente às mulheres".
*comtextolivre

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