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Concessões de TVs e os abusos
27 06 2010
A Constituição impede a monopolização do setor, mas as principais redes atuam como grandes monopólios privados
Mais de cem emissoras de rádio e TV precisam renovar seus processos de concessão para continuar em funcionamento. Algumas das principais redes de TV estão nessa situação, inclusive a Rede Globo, que é a mais poderosa emissora do País – pelo alcance de suas transmissões, o grande número de geradoras e retransmissoras e pelo papel que desempenha na defesa dos interesses políticos e econômicos das classes dominantes.
De acordo com a Constituição de 1988, as concessões públicas das emissoras de rádio valem por 10 anos e as de TV por 15 anos. A da Rede Globo entre elas. Para que aconteça a renovação da concessão, o Poder Executivo precisa encaminhar o pedido para o Senado Federal, que pode aprová-lo com o voto de 3/5 dos senadores. Caso o governo decida não renovar a concessão de uma emissora, o ato do Executivo será submetido ao Congresso Nacional, que poderá aprovar a não renovação com os votos de 2/5 dos parlamentares.
Os processos de concessão e de renovação têm conseguido, ao longo das últimas décadas, uma tramitação silenciosa e aparentemente tranqüila, com acertos apenas nos bastidores – especialmente porque boa parte dos deputados e senadores também são concessionários públicos da radiodifusão, sócios e afiliados das grandes redes e defendem o controle desse sistema de comunicação nas mãos de empresários conservadores e das oligarquias e caciques políticos regionais – os novos “coronéis” eletrônicos.
Não se tem notícia de que o Ministério das Comunicações, a Anatel, Congresso Nacional ou o Senado Federal tenham vetado a renovação de alguma concessão de rádio e TV para empresas comerciais, seja para um grande grupo ou para o mais inexpressivo político. Da mesma forma, não se tem notícia de que o Legislativo brasileiro tenha obedecido e cumprido a Constituição nesse caso específico das concessões da radiodifusão, como deveria fazer por se tratar de um serviço público.
Acho que enquanto o povo não começar a manifestar-se por uma tomada de posição mais firme, esse estado de coisas não se modificará.
A Constituição impede a monopolização do setor, mas as principais redes atuam como grandes monopólios privados, além disso exige que a comunicação social promova a produção da cultura nacional e regional e a divulgação da produção independente, mas as redes – como a TV Globo – impõem uma programação centralizada e geralmente importada da indústria cultural estrangeira.
Reiteramos mais uma vez que a nossa Constituição exige que a TV tenha finalidade educativa, artística, cultural e informativa, mas boa parte das emissoras produz e veicula programas que não atendem essas exigências constitucionais – pior ainda é que despejam em cima da população brasileira programas de baixaria e o lixo importado que nada tem a ver com a identidade, os valores e a cultura nacional.
Tanto os órgãos do Executivo quanto do Legislativo têm a obrigação – moral, política e legal – de fiscalizar o sistema de comunicação social; verificar se essa concessão de serviço público de radiodifusão está sendo fiel aos preceitos constitucionais e, mais do que isso, se esse serviço de comunicação atende as demandas da sociedade brasileira, se contribui para fortalecer a riqueza cultural do povo, se ajuda na elevação do nível de informação e de conhecimento da realidade e se contribui efetivamente para a formação da cidadania e a construção da democracia no Brasil.
Antes de propor a renovação automática dessas concessões, os órgãos de governo deveriam proceder a uma análise cuidadosa dos serviços prestados pelas emissoras de rádio e TV, com a devida divulgação para sociedade. Antes de votar novos períodos de concessão, o Senado Federal deveria, em primeiro lugar, estabelecer impedimento ético para os parlamentares envolvidos com a radiodifusão e, em segundo lugar, só aprovar a renovação para emissoras que estejam de acordo com a Constituição, a começar pelo fim dos oligopólios – já que o objetivo maior deve ser o da democratização da comunicação social. A sociedade e o Estado precisam urgentemente resgatar o serviço público de radiodifusão.
O que não podemos é continuar reféns de um serviço que deveria primordialmente atender aos interesses da sociedade brasileira e que no entanto tem se prestado a alienar grande parte do povo, oferecendo uma programação muitas vezes de caráter precário, entrando nos lares daqueles desavisados que ainda não se conscientizaram dos malefícios trazidos com a programação exibida, e pela ação de grupos economicos que visam simplesmente o lucro enquanto que o povo que se lixe.
Relembrei diversas vezes o que dita a nossa Constituição porque é a ela que temos que nos apegar da mesma forma em que os grandes grupos de comunicação devem submeter-se ao que ela estabelece. Que não venha alguem dizer que estamos tramando contra a liberdade de expressão. Queremos apenas um televisão mais direcionada à nossa realidade e não a mostrada nos lixos dos “Big Brothers” da vida.
do Simonleonidas´s
Dunga e a arrogância histórica da Globo
Reproduzo excelente artigo do professor Venício Lima, publicado no sítio Carta Maior:
Embora tenha apoiado o golpe de 64, o regime militar e se consolidado como a mais poderosa rede de televisão do país durante a ditadura, houve períodos em que a percepção de boa parte da elite fardada era de que a Rede Globo de Televisão representava uma ameaça real de controle da opinião pública brasileira e precisava ser enfrentada.
No governo do General Geisel (1974-1979), sendo ministro das Comunicações o Coronel Euclides Quandt de Oliveira, foi certamente quando surgiram as maiores contradições e divergências entre o regime autoritário e a Globo. Documentos da época e sua análise estão disponíveis, por exemplo, no livro “Dossiê Geisel”, organizado por Celso Castro e Maria Celina Araújo e publicado pela FGV em 2002.
Encontro na UnB
Faço esta rápida introdução para relatar um encontro emblemático acontecido há 35 anos, entre professores do então Departamento de Comunicação da Universidade de Brasília e altos dirigentes globais, entre eles, Walter Clark (diretor geral), Luiz Eduardo Borgerth (diretor), Otto Lara Resende (assessor da presidência), infelizmente, já falecidos.
O contexto do encontro trazia, no mínimo, preocupações para as Organizações Globo:
1- A Globo havia perdido a disputa por um canal de TV aberta em João Pessoa, PB, por interferência direta do ministro Quandt que considerava um risco “aumentar o monopólio da emissora”.
2- O ministro vinha fazendo uma série de críticas públicas à televisão brasileira, todas de grande repercussão. Uma delas, a aula inaugural no curso de comunicação do CEUB, Centro de Ensino Unificado de Brasília, sobre “A televisão no Brasil” (17/2/1975). Na sua fala ele destacava os “perigos do monopólio” tanto de canais, quanto de audiência, quanto na programação “alienígena”.
3- Estava em andamento a criação da Radiobras [Lei n. 6301 de 15/12/1975] que era vista com desconfiança pela Globo pelo temor de que se transformasse em destinação preferencial de verbas publicitárias do governo.
4- Estava em discussão, dentro do governo, um pré-projeto de regulação da radiodifusão que deveria substituir o superado Código Brasileiro de Telecomunicações [Lei 4. 117/1962].
5- O Departamento de Comunicação da UnB era uma unidade acadêmica que produzia pesquisa crítica sobre a radiodifusão brasileira e acabara de elaborar um pioneiro projeto de unificação das televisões públicas que recebeu o nome de SINTIS, Sistema Nacional de Televisão de Interesse Social. Além disso, circulava que alguns de seus professores tinham acesso ao ministro das Comunicações e o abasteciam com dados nos quais ele fundamentava sua posição, direta e/ou indiretamente, contrária à hegemonia da Globo.
O objetivo do encontro, realizado por iniciativa da Globo, na UnB, era “trocar idéias” sobre as comunicações no Brasil. O que acabou acontecendo, todavia, foi quase um bate-boca.
Apesar da conjuntura politicamente adversa - para a Globo - em que se realizava o encontro, a memória de professores presentes é unânime em afirmar a arrogância de seus dirigentes. Não houve diálogo possível e cada um saiu do encontro ainda mais convicto em relação às respectivas posições. Divergimos em relação à existência de um virtual monopólio na TV brasileira; às finalidades educativas da televisão (previstas em lei); à prioridade ao conteúdo nacional e à necessidade de criação de uma rede pública de radiodifusão.
No presente como no passado
Relembro este encontro e a memória que dele ficou para reforçar os inúmeros comentários já escritos e publicados nesta Carta Maior sobre o enfretamento que a Globo faz a Dunga, aparentemente, por ele não ser conivente com os privilégios da emissora em relação aos demais veículos de mídia que estão cobrindo a Copa do Mundo na África do Sul.
Ao longo de sua existência, uma característica da Rede Globo tem sido ignorar que a televisão é apenas a concessão de um serviço público que tem como soberano o cidadão e seu interesse. Ao contrário, a Globo tem historicamente se comportado como proprietária das concessões de radiodifusão.
A própria Seleção Brasileira de Futebol constitui um patrimônio cultural do país que não pode ser apropriado por interesses privados. No entanto, o futebol brasileiro - não só a Seleção - tem sido explorado comercialmente pela Globo como se sua propriedade fosse.
A Globo, por óbvio, não tem mais em 2010 o poder que teve na década de 70 do século passado, enfrentado, por razões próprias, pelo regime militar. Mas conserva a arrogância.
Por outro lado, uma diferença do passado para o presente é que o inconformismo em relação à Globo não está mais restrito a alguns professores isolados em departamentos universitários. Repetindo a resistência que se expressou em outras situações históricas no lema popular “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo”, a internet fornece hoje o suporte tecnológico necessário para que milhões de pessoas se mobilizem em torno de iniciativas como o “cala a boca Galvão” e o “cala a boca Tadeu”. Além disso, dezenas de blogs e sites alternativos tornaram pública a opinião daqueles que fazem contraponto à TV hegemônica.
Outro mundo possível
Resta manter a esperança de que - um dia - a transmissão de jogos dos campeonatos locais, regionais e nacional de futebol e a cobertura dos jogos da Seleção Brasileira, não serão exclusividade de concessionárias comerciais, mas estejam disponíveis nas redes públicas de televisão.
Em se tratando de um patrimônio cultural brasileiro, as redes comerciais privadas não deveriam remunerar as redes públicas para distribuir e comercializar este tipo de conteúdo?
O episódio Globo versus Dunga - que certamente ainda não terminou - deixa claro que já existe no país, não só uma ampla consciência da arrogância e dos privilégios históricos da Globo, como também novas e eficientes formas de expressar inconformismo diante dessa situação. E mais importante: novas e eficientes formas de apoiar aqueles que, como Dunga - correndo o risco de perder o emprego - não se curvam ao poder de concessionários de um serviço público que continuam a se comportar como se dele fossem proprietários.
do Altamiro Borges
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