O temor da mídia
A leitura do artigo de Esquivel se encaixa perfeitamente à realidade brasileira, da América Latina e do mundo, onde a concentração da informação em pouquíssimas mãos distorceu completamente os conceitos de liberdade de expressão. A informação passou a ter donos que a manipulam ao seu bel prazer. Isso ficou evidente a nível global no endosso midiático às esfarrapadas justificativas para a guerra do Iraque, e sobressai na América Latina, particularmente durante os períodos eleitorais.
Com o avanço das forças populares na América Latina, este monopólio da informação passou a se sentir ameaçado. Depois de ditar as regras nos últimos 50 anos, elegendo e derrubando governos, conspirando e fomentando golpes de Estado, os meios de comunicação, impressos e eletrônicos, começaram a enfrentar a reação da sociedade e de seus governantes. Hugo Chávez, que chegou a ser retirado do Palácio de Miraflores por um golpe civil-midiático, retomou o poder pelo apoio popular, e, legitimado por ele, passou a enfrentar os meios de comunicação, o que antes seria inconcebível. Concessões públicas, como são emissoras de rádio e tevê, deixaram de ser renovadas automaticamente por sua atitude de oposição e conspiração frontal ao governo, sem o compromisso com a informação verdadeira.
Evo Morales também enfrenta os monopólios e fomenta o surgimento de novos veículos que diversifiquem a informação. E Lula levou adiante a 1ª Conferência Nacional de Comunicação, bombardeada pela mídia nativa, que deixou uma série de indicações a serem consideradas pelo Congresso e futuros governos. É o aprofundamento destas reformas que preocupa os monopólios. Sob o falso discurso de uma censura à imprensa, tentam impedir que a sociedade avance no debate do papel dos meios de comunicação, que sempre definiram de acordo com seus critérios.
No Brasil, a mídia é controlada por cinco famílias. Elas se consideram as legítimas representantes do direito à informação do povo brasileiro, como se estivessem desvinculadas dos seus interesses de classe. No processo eleitoral brasileiro desde o fim da ditadura militar, invariavelmente se posicionaram contra os interesses populares. Antes mesmo do fim da ditadura, boicotaram a campanha das "Diretas Já". Em 1982, antes ainda que os brasileiros pudessem escolher seu presidente, tentaram inviabilizar a eleição de Leonel Brizola no Rio de Janeiro. Em 1989, na primeira eleição direta para presidente, ocorreu a notória edição do debate entre Lula e Collor pela TV Globo. Em 1998, evitaram qualquer menção crítica à sobrevalorização cambial para reeleger Fernando Henrique Cardoso, que explodiria no ano seguinte levando o país mais uma vez ao FMI e ao aumento de seu endividamento externo.
A mídia adiou enquanto pode uma vitória de Lula. Para tanto, recorreu a dossiês, arapongagens e outros recursos espúrios, que se repetem agora na disputa entre Dilma e Serra. Na contramão do sentimento nacional, empresta seu apoio e solidariedade justamente ao que o povo não deseja. O candidato tucano vive hoje um isolamento até dentro de seu próprio partido. Mas tem a solidariedade incondicional da mídia, que promete se manifestar até o último momento na esperança de evitar uma derrota anunciada.
A preocupação da mídia se explica. A vitória de Dilma será mais uma vez a sua derrota. E a cada derrota ela se enfraquece, pois aumenta o espaço para o rompimento do monopólio e o surgimento de uma comunicação mais plural e democrática. Como observou Esquivel, "nenhum meio informativo é asséptico, mas deve basear-se na ética e em valores a serviço dos povos e não para se servir dos mesmos." Mair Pena Neto, Direto da Redação
O declínio do império e os novos tempos
Leio no ótimo blog do nosso amigo Cláudio Ribeiro – o Palavras Diversas - a notícia que, domingo passado, a Rede Globo teve de amargar, pela primeira vez em décadas, o segundo lugar em audiência no Rio de Janeiro, como você pode ver aí do lado, no gráfico do Ibope. Melhor ainda, houve equilíbrio entre as três maiores emissoras. E bem melhor ainda que os números revelam que já vão longe o tempo em que a televisão ficava ligada em quase 90% dos lares.
Era fatal, mesmo, que isso viesse a acontecer. O fim do império global é como, em geral, é o fim de todo império: lento, inexorável, fruto das mudanças sociais, econômicas e tecnológicas mas, também, da perda de sua capacidade de impor seus padrões de cultura sobre a sociedade.
Mas não é de televisão que quero falar, ao ler esta notícia. É de imprensa e de liberdade de imprensa.
O privilégio de impressão dado pela nobreza e pelo clero, há cinco séculos, depois de evoluir para uma certa democratização com a pequena imprensa, que se multiplicava em pequenos jornais, no século 19 e começo do século 20, regrediu para a condição monopolista, à medida em que começaram a se formar os conglomerados de comunicação, nos últimos 50 anos.
Tendo Assis Chateaubriand como pioneiro, o poder de imprensa tornou-se tão concentrado que seus veículos se confundiam com as famílias proprietárias: os jornais eram o “da Condessa (Pereira Carneiro)”, o JB, o de Roberto Marinho (Globo), o “dos Mesquita” (Estadão) e, mais recentemente, o “do seu Frias”.
Embora se fale muito em sinergia com a televisão, isso não foi uma regra para a evolução dos jornais. A aliança entre Marinho e a ditadura fez declinar o poder do grupo de Chateaubriand na TV, que começava a se afirmar, e fechou a porta para todos os outros grupos de mídia impressa que pretendiam nele se aventurar. Quem tentou, como o JB, pagou um preço altíssimo pela ousadia de pisar no terreno do “é meu” global, porque televisão envolve custos altíssimos e inviáveis para empresários que têm mais pompa que recursos.
O advento da internet pareceu ser a área onde isso ia se materializar. À exceção do JB, já combalido, eles e as empresas de telefonia ensaiaram um controle oligopolista do novo meio. Para existir na intenet, era preciso estar “pendurado” num dos grandes portais. Estes, por sua vez, terceirizavam o custo da produção de conteúdo. Blogueiros que viveram estes tempos podem contar muito melhor do que eu esta história.
Eu quero falar é justamente deles. Ontem à noite fiquei pensando: será que não vai aparecer, como aconteceu com o bloqueio dos grandes jornais a Getúlio Vargas, o Samuel Wainer da internet, alguém que abra um espaço de comunicação com uma ótica popular e progressista?
Quase de imediato, vi que não é isso, porque o caminho que as iniciativas vitoriosas tomaram não é o da criação de um grande empreendimento, mas o da afirmação da vontade e da capacidade (diria, até, da resistência física) que centenas, talvez milhares de pessoas em romper o monopólio e o dirigismo da informação.
Os blogs progressistas, ao contrário do que ocorreria com grupos de motivação meramente econômica, não competem por receita. Aliás, muitos de nós não as tem ou quase nada as tem, embora o sr. José Serra sustente que somos “sujos” por vivermos de publicidade (?) estatal (?!!). Vivemos uma experiência colaborativa,reproduzimos, uns nos outros, o que nos chama a atenção, não pensamos que o crescimento de nossos acessos se fará “roubando” leitores uns dos outros.
E a realidade mostra que é assim que dá certo. Quem se interessar em pesquisar a evolução do volume de acessos dos blogs de Paulo Henrique Amorim, do Azenha, do Nassif e, até, deste Tijolaço, verá que todos eles crescem de maneira quase harmônica e todos estamos cada vez mais bem situados nos ranqueamentos de sites brasileiros.
O mais legal, em tudo isso, é que acho que nenhum de nós tem a menor idéia de onde e em que isso vai parar. Numa cooperação editorial? Numa cooperação em matéria de estrutura – até porque vocês devem ver a gente saindo do ar volta e meia por problemas de suporte técnico ou, como diz uma amigo meu, “suporte o técnico”?
Querem uma resposta? Não tenho a menor idéia. Só me ocorrem os versos do Gonzaguinha: “Passado/ é um pé no chão e um sabiá/ Presente/ é a porta aberta/E futuro é o que virá…
*Tijolaço
O declínio do império – 2
Os dados que foram divulgados agora de manhã pelo IBGE só confirmam o que a gente disse mais cedo aqui. A internet está acabando com o monopólio da informação, não apenas entre a classe média, mas em relação a uma parcela muito mais ampla da população.
É só olhar o gráfico aí do lado, que fizemos sobre a publicação oficial e notar que o acesso à internet é o bem/serviço que apresenta maior crescimento entre todos os considerados para estabelecer uma avaliação de indicadores sociais.
Comparo, no gráfico, o crescimento da posse de computador e de acesso à internet com o de máquinas de lavar roupa que é, entre os eletrodomésticos, o maior ícone de elevação dos padrões de consumo popular. Não apenas a existência de acesso à web saltou de 12,2% para 27,4%, um crescimento de mais de 128% de 2004 a 2009, como este crescimento se deu no caminho de uma equalização de oportunidades.
A região Sudeste continua com a maior proporção de usuários na população total (48,1%, em 2009, contra 26,2% em 2005), seguida pela Centro-Oeste (47,2%, em 2009, e 23,4% em 2005). As regiões Norte (34,3%, em 2009, e 12,0% em 2005) e Nordeste (30,2%, em 2009, e 11,9% em 2005) apesar de ainda terem percentuais pequenos de acesso sobre o total da população são as que apresentaram maior aumento proporcional no contingente de usuários (respectivamente, 213,9% e 171,2%).
Se mantida a média anual de expansão do acesso à rede, nos últimos seis anos, que foi de 14,8% ao ano (a média, porque este índice vem crescendo de ano a ano), já se pode afirmar que quase um terço dos lares brasileiros (31,5%) já possui acesso à rede. Considerando o preço e a dificuldade de acesso nas áreas mais pobres, estamos diante de um fenômeno que vai, simplesmente, explodir com a chegada da banda larga pública.
Isso não é uma discussão diletante, um capricho de blogueiro que, por dever de ofício, apregoa o peso da internet na vida social contemporânea. É, ao contrário, a chave da compreensão dos caminhos da democratização da informação, da participação e do controle popular sobre as políticas públicas. E é, também, a chance de terminarem os oligopólios da comunicação de que se serve a elite brasileira para manter o povo na condição de dominado, não na que lhe é de direito, de força dominante de uma Nação.
*Tijolaço
A ética capenga da grande imprensa
O professor de ética e filosofia política da USP, Renato Janine Ribeiro, publicou um artigo hoje na Folha de S.Paulo, em que condena o comportamento da imprensa e da oposição no caso do acesso a dados fiscais da Receita. Ele lembra uma cena de Alice no País das Maravilhas, onde a rainha não cessa de gritar: cortem-lhe a cabeça, cortem-lhe a cabeça
Janine Ribeiro questiona por que, mesmo diante das evidências de falta de seriedade do personagem que retirou a declaração da filha de Serra, os jornalistas acreditam especificamente em uma afirmação dele: a de que o episódio visaria a prejudicar José Serra, quando se há alguém poderia ser prejudicado é Dilma Rousseff.
Para o professor de ética, a resposta estaria no fato de a imprensa não cobrir as eleições a sério. “A cobertura eleitoral é em função dos institutos de pesquisa, dos escândalos e, bem pouco, do trabalho dos repórteres. Isso augura mal para o futuro de uma profissão que um dia quis exercer”, afirma Janine Ribeiro, revelando sua frustração.
A meu ver, o professor vai no cerne da questão. A imprensa não faz o seu papel porque não está aí para reportar e sim para colaborar com um determinado candidato, apoiado pelos donos dos meios de comunicação. Colunistas e repórteres fomentam falsos debates, como este dos sigilos fiscais da Receita, distorcendo o que seria a cobertura jornalística desejável no momento de um decisão crucial para a nação.
Assim como critica a imprensa, Janine Ribeiro também repreende a oposição por se valer de um delito – cuja ligação com a campanha de Dilma não pode provar – para tentar anular na Justiça os votos dela.
“Se for jogo de cena para levar ao segundo turno, não é bonito, mas vá lá. Se for uma tentativa de anular 60% dos votos válidos e empossar um presidente votado por 25% dos eleitores, será um golpe fatal na nossa democracia”, adverte.
O professor afirma que a “oposição e a imprensa que a apóia” precisam aceitar que “nas eleições se perde e se ganha, que elas não são uma guerra em que se mata o inimigo, mas uma competição em que o povo escolhe o preferido para cada cargo.”
Até porque, observa ele, a tarefa de construir o país é de todos, e é melhor evitar atos que tornem difícil a colaboração “pelo menos entre quem gosta do Brasil”.
Mas tem gente que não gosta, professor. Não gosta do Brasil, se não tiver o poder, nem da vontade dos brasileiros, se esta não lhe for favorável.
*Tijolaço
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