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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, setembro 23, 2010

Udenismo é tentação dos que perdem força no Congresso

Udenismo é tentação dos que perdem força no Congresso

Quadro partidário paga o preço do passado
de Maria Inês Nassif, no Valor Econômico
Não se constroem partidos do nada. Foi um excessivo otimismo imaginar que o Brasil iria sair de uma ditadura de 21 anos, 13 deles com partidos legais construídos à imagem e semelhança do regime ditatorial, e de imediato iriam surgir partidos orgânicos e prontos para a democracia que se conquistava. Mais que isso, era difícil imaginar que as definições partidárias ocorreriam sem que o país pagasse pelo arcaísmo político embalado não apenas pelo regime militar, mas também pelo período democrático de 1945-1964 e pelo varguismo. Antes do bipartidarismo, o crescimento do PTB acabou desequilibrando um poder político oligárquico, que se compunha conforme suas conveniências para conseguir chegar ao poder pelo voto, e uma oposição desenraizada das bases que namorou e acabou casando com o golpismo.
Não se apaga o passado político, muito menos por ato institucional. A ditadura, que se justificava como um “contra-golpe” à ação das esquerdas que se organizavam em lutas populares, acabou com os partidos políticos mas não com as oligarquias; matou na base um partido de massas, o PTB, que começava a se cristalizar; desorganizou os movimentos populares que poderiam dar massa orgânica aos partidos; reforçou nas elites a percepção de que o Brasil precisa sempre um poder “moderador”, seja um rei, as Forças Armadas ou uma elite com um enorme poder de pressão sobre a máquina de governo, o Congresso e os partidos tradicionais.
O envolvimento de elites que deram decisivo apoio, no momento seguinte, aos movimentos pela redemocratização, deu aos partidos que se definiam, nesse momento, à direita, à esquerda ou ao centro, a impressão de que levaram juntos consensos que seriam eternos. Os movimentos de massa pelas eleições diretas, depois pelas eleições de Tancredo Neves, foram raros momentos de unidade efetiva entre partidos e massas. Uma ilusão de consenso idílico.
No momento da normalização democrática, construir partidos com bases e dar composição orgânica a eles tornou o pós-ditadura menos idílico. Sem know-how de partidos de massas, o Brasil se viu novamente construindo acordos partidários com as velhas oligarquias e construindo novas – o antigo MDB foi uma fonte inestimável de formação de “oligarquias emergentes”. A origem do atual quadro partidário são três: a Arena, que trouxe junto a UDN e parte do PSD; o MDB, que captou os antigos trabalhistas, parte do PSD e outros partidos; e os movimentos de massa que construíram o sindicalismo dos anos 80 e as grandes mobilizações de rua pró-Diretas e pró-Tancredo.
De todo o quadro partidário pós-ditadura, o que deve sobrar no pós-Lula é o PT, que fugiu ao modelo dos demais partidos, o PSB, que fica no meio do caminho e os pequenos partidos ideológicos. Vinte e cinco anos depois da ditadura, o país amarga de novo um momento de enorme instabilidade partidária. Depois das eleições, com ou sem dificuldades legais para a formação de novos partidos ou para realinhamento partidário dos atores políticos, será inevitável que isso aconteça.
O problema é que deve acontecer uma reestruturação partidária à imagem e semelhança da ocorrida a partir de 1979, quando a formação de partidos seguiu mais a lógica de interesses regionais de grupos políticos, ou o interesse pessoal de lideranças, do que propriamente o alinhamento ideológico.
Ainda assim, como os partidos – à exceção do PT, o único que construiu e manteve uma estrutura partidária mais orgânica -, no modelo atual, não conseguem sobreviver muito tempo longe do poder, que alimenta os apoios a nível regional, o realinhamento deve ocorrer muito mais em torno do governo eleito do que propriamente uma rearticulação da oposição. A oposição, se não apresentar uma alternativa menos udenista para os políticos que estão se desinfileirando de propostas mais radicais, corre o risco de inchar o PMDB – um jeito de aderir ao governo recém-eleito e provavelmente com maioria parlamentar sem dizer que está aderindo.
O problema é que, o que sobrar de oposição, terá uma força mínima dentro do Congresso. A tentação do udenismo, nessa situação, aumenta muito. A instabilidade partidária, nesse caso, pode ser um fator de desestabilização da própria democracia.
*Viomundo

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