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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, setembro 04, 2010

A revelação dos segredos das privatizações, que feriram a soberania do povo, é do interesse – e do direito – de todos os brasileiros.






Os segredos e os seus limites

Mauro Santayana


O caso da violação do sigilo fiscal da filha de José Serra é, por enquanto, mero caso de polícia. O responsável pelo requerimento tido como falso terá que ser ouvido, em inquérito, conforme os ritos da lei. Ali ele deverá explicar como se apossou da informação, se por iniciativa própria ou a serviço de terceiros, e por quê. Se outros estiverem envolvidos, que também respondam pelos seus atos, conforme determinam os códigos penal e civil, se assim entender a Justiça.
Esse é o aspecto legal do problema. Houve, ao que parece, crime de falsidade ideológica, gravíssimo: alguém imitou a assinatura de outra pessoa, providenciou o falso reconhecimento da firma, segundo se informa, em cartório no qual a vítima não tinha amostra de sua assinatura, dirigiu-se a uma repartição da Receita Federal e obteve os dados que desejava.
A violação em si é apenas um lado, que reputamos menor, da questão. É claro que a filha do candidato José Serra tem direito à sua privacidade, sobretudo pelas suas circunstâncias pessoais. Ela não ocupa cargo público, não é dirigente partidária, nem candidata nestas eleições. O outro problema é o do sigilo das declarações do Imposto de Renda.
Todos nós sabemos que os grandes fraudadores do Fisco conseguem fazer declarações exemplares, com a ajuda de hábeis contadores e tributaristas, de forma a ocultar rendas mal havidas e a sonegar impostos. Com toda a argúcia e honestidade dos fiscais da Receita, o poder público tem sido negligente na repressão aos sonegadores e lavadores de dinheiro em nosso país.
A lupa dos investigadores, nas operações de malha fina, é poderosa, mas não atinge os principais responsáveis pela reciclagem, mediante a lavagem de dinheiro, dos elevadíssimos rendimentos do crime organizado, entre eles os do peculato e do tráfico de drogas. Deveríamos ter, como em outros países, organizações policiais próprias e especializadas, e não contar somente com repartições da Polícia Federal e da Polícia Civil para estas operações. A própria Receita Federal poderia manter equipes especiais e permanentes de monitoramento da evolução patrimonial, a partir de certo volume de rendimentos.
E por que não podemos permitir que os nossos rendimentos sejam conhecidos? Quem fez seu patrimônio com lisura deve orgulhar-se disso. É comum, em muitos países, que as declarações anuais de impostos de personalidades conhecidas sejam de conhecimento público. Na Espanha é tradição que a primeira declaração ao Fisco, imediatamente tornada pública, seja a do rei, embora isso nada signifique em um regime monárquico.
Devemos evitar que a emoção venha a perturbar o processo eleitoral, nestas últimas semanas de campanha. A violação dos arquivos da Receita, no que se refere à senhora Verônica Serra, ocorreu há um ano. Ainda que os responsáveis pelo ato ilícito tenham tido o propósito de atingir o candidato José Serra, é exagero temerário nele envolver a candidata Dilma Rousseff, ou o governo como instituição. Mais importante para a nação é investigar e saber como, e por que, os ativos nacionais e os seus recursos naturais foram transferidos a mãos privadas, muitas delas estrangeiras, há 13 anos. O sigilo fiscal da senhora Verônica Serra é um assunto de seu interesse pessoal e do interesse político de seu pai, candidato à Presidência da República. A revelação dos segredos das privatizações, que feriram a soberania do povo, é do interesse – e do direito – de todos os brasileiros.

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