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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Rita arrasou

O que os policiais militares sergipanos pretendiam, abrindo caminho a cotoveladas na platéia de um espetáculo musical lotado? Quem disse que prender maconheiros garante a segurança de qualquer coisa? Rita Lee pode, sim, chamar os cossacos de filhos da puta, sempre que agirem como filhos da puta. É a PM que deve temer os cidadãos, jamais o contrário.
Chega dessa estupidez de reverenciar homens fardados. Se a polícia quer tratamento de “autoridade”, que faça por merecer. Sabemos que é majoritariamente honesta, sofrida e trabalhadora, mas as pessoas que ela empurra e achaca também são. Repudiemos a truculência que as autoridades de segurança destinam ao público de grandes eventos (shows, partidas de futebol, manifestações), antes que eles sejam esvaziados por causa da incompetência de quem deveria protegê-los.
A coreografia de saudações nazistas que ondula na sociedade civil quando alguém ameaça confrontar Sua Majestade O Soldado explica muito sobre o atual clima de cerceamento de direitos e criminalização da divergência. Enquanto aceitamos arrotos moralistas como se fossem anedotas de botequim político, a sanha reacionária irrompe da esfera ideológica e se transforma em leis e políticas oficiais.
Tudo isso faz parte de uma tentativa articulada para refrear a inevitável descriminalização das drogas, particularmente da maconha, que já pode ser cultivada e consumida em quase todas as democracias estáveis do mundo. Apologia é defender uma legislação que viola direitos individuais e fomenta o crime organizado. O discurso da legalidade absoluta serve fácil para o baseado alheio; se ameaçam prender quem trafica músicas e seriados pela internet, viram todos revolucionários.
Que uma artista do porte de Rita Lee Jones seja ouvida e respeitada não apenas pelo que ela representa na história cultural do país, mas também pela coragem de afrontar o sono do bom-mocismo provinciano, da falsa rebeldia com arreios, das liberdades cerceadas por escudos e cassetetes.
No Guilherme Scalzilli
*comtextolivre

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