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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, fevereiro 10, 2012

A verdade não prescreve

Via Conversa Afiada e pelo Blog do Miro, chego à espantosa reportagem de Marina Amaral, da agência Pública de jornalismo investigativo.
Ela ouve o delegado aposentado do antigo DOPS paulista falar, entre outras barbaridades, da intimidade com a repressão política  com que gozavam Roberto Marinho e Octavio Frias.
(José Paulo)Bonchristiano é um dos poucos delegados ainda vivos que participaram desse período, mas ele evita falar sobre os crimes. Prefere soltar o vozeirão para contar casos do tempo em que os generais e empresários o tratavam pelo nome. Roberto Marinho, da Globo, diz, “passava no DOPS para conversar com a gente quando estava em São Paulo”, e ele podia telefonar a Octávio Frias, da Folha de S. Paulo “para pedir o que o DOPS precisasse”. Quando participou da montagem da Polícia Federal em São Paulo, conta, o fundador do Bradesco mobiliou a sede, em Higienópolis: “Nós do DOPS falamos com o Amador Aguiar ele mandou por tudo dentro da rua Piauí, até máquina de escrever”.
Embora possa haver algum exagero na vaidade com que se gaba de ter pertencido àquela monstruosa organização- ele já andou se vangloriando da detenção dos estudantes no Congresso da UNE, em 1968) indica a promiscuidade com que ambos tiveram com os porões do regime.
Os yuppies que hoje dirigem a Folha e as empresas do grupo Globo, tão ciosos da “liberdade de imprensa” quando se trata de atacar qualquer tipo de regulamentação das concessões públicas de radiodifusão, que vociferam contra a “ditadura” de Cristina Kirchner não foram capazes de produzir sequer uma branda autocrítica do papel que suas empresas desempenharam ali.
O STF, contra todos os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, pode até considerar prescrita a punibilidade de quem matou e torturou, usando o poder de Estado.
Mas não pode considerar proscrita a verdade, que teima em surgir, sendo cúmplice de uma impunidade que faz oex-delegado dizer que não quer ver a jornalista “esticadinha no chã, se teimar em investigar onde estão os corpos dos desaparecidos.
A Comissão da Verdade tem o dever, e já, de expor estes fantasmas à luz, para que a luz os torne definitivamente figuras do passado e já não assombrem o presente ou o futuro.
Leia aqui a íntegra da reportagem.
*Tijolaço

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