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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, dezembro 06, 2012

Por que defender
a Ley de medios?

“O fomento da diversidade de vozes e o pluralismo como pressupostos básicos do exercício do direito à comunicação se converteram em um desafio central frente às lógicas de globalização, integração comercial e livre comércio”


Saiu na Carta Maior:

Por que defender a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual?


O dia 7 de dezembro já representa uma data histórica na luta pela democratização da comunicação na América Latina. E o centro dessa batalha está situado, neste dia, na Argentina, com a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. Elogiada pelo relator especial para a Liberdade de Expressão da ONU, pela relatoria especial para a Liberdade de Expressão da OEA e assumindo compromissos da Unesco, a lei enfrenta feroz oposição da mídia monopolista da Argentina e da América Latina. Saiba por que a defesa dessa lei é estratégica para o avanço da democracia no continente.

Por Damián Loreti (*), Diego de Charras (**) e Luis Lozano (***)

Buenos Aires – A sanção da lei 26.522 pôs em jogo a faculdade do Estado para regular a atividade dos meios de comunicação audiovisuais desde um paradigma de direitos humanos. Desde que começou a ser debatido o projeto até hoje, passaram mais de três anos e esta atribuição estatal ainda é questionada, tanto pelas empresas midiáticas com posições dominantes no mercado, como por parte de alguns referentes políticos.

A esse respeito, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana afirmaram em mais de uma oportunidade que a atividade dos meios de comunicação não só pode, mas que deve ser regulada pelo Estado através de políticas públicas respeitosas dos padrões internacionais (http://bit.ly/RL0nrK). As medidas estatais devem ter como finalidade o fomento do pluralismo e a diversidade de vozes e devem tender a garantir condições de igualdade no acesso ao debate público.

Nesta linha, os Estados não só estão obrigados a abster-se de limitar o exercício do direito à comunicação por qualquer meio, mas também devem implementar políticas públicas destinadas a reverter as assimetrias existentes no acesso ao debate público. A intervenção dos Estados se torna, portanto, imprescindível para garantir uma distribuição equitativa dos meios e reconhecer a diversidade das manifestações culturais.

Neste sentido, a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (LSCA) promove a participação de diferentes atores na prestação de serviços de comunicação e garante que o setor comercial continue sendo economicamente viável. Entretanto, uma arquitetura legal construída ao longo de mais de três décadas na medida de quem deviam ser regulados e controlados pelo Estado, indica que democratização não era uma variável a ter em conta na hora de pensar os meios e seu vínculo com o acesso ao debate público. Neste cenário, a mudança de paradigma que implicou a sanção da LSCA requer um diálogo permanente entre o Estado e a sociedade civil para gerar políticas públicas que impulsionem o processo democratizador.

Concentração, pluralismo e diversidade

O fomento da diversidade de vozes e o pluralismo como pressupostos básicos do exercício do direito à comunicação se converteram em um desafio central frente às lógicas de globalização, integração comercial e livre comércio. Em seus Indicadores de Desenvolvimento Midiático aprovados em 2008, a UNESCO sustenta que, para incrementar o pluralismo e a diversidade em um sistema de meios, “as autoridades responsáveis de executar as leis antimonopólios contam com as atribuições suficientes, por exemplo, para negar as solicitações de licenças e para exigir o desinvestimento nas operações midiáticas atuais quando a pluralidade esteja comprometida ou se alcancem níveis inaceitáveis na concentração da propriedade” (http://bit.ly/Qwzv09). Qualquer semelhança com a realidade argentina é pura coincidência.

A concentração da propriedade de meios de comunicação provoca homogeneização de conteúdos, marginalização de vozes dissidentes a partir de alianças comerciais e/ou políticas, subsídios cruzados que canibalizam mercados, competição desleal e incremento das barreiras de entrada para novos atores. Algo que na Argentina já vivemos.

Entretanto, os cultores da autorregulamentação encontram apenas deficiências conjunturais do mercado, cuja solução se localiza na própria matriz mercadocêntrica e, na maioria das vezes, aparece associada a uma ampliação das possibilidades tecnológicas. A experiência das últimas décadas, tanto em nosso país, como no resto do mundo tem demonstrado a escassa validade destas posturas: em nenhum caso o avanço tecnológico implicou, por sua mera aparição, em uma democratização das comunicações.

O papel dos meios e os processos de concentração da propriedade, assim como a análise das alianças políticas e econômicas e seu impacto sobre os conteúdos definem um cenário no qual, uma vez mais, a intervenção do Estado se torna imprescindível para garantir o exercício do direito à comunicação, entendido como um direito humano fundamental.

Uma visão desde o paradigma dos direitos humanos

A LSCA pôs de manifesto a necessidade de construir um consenso social amplo que garanta o reconhecimento da comunicação e da cultura como elementos centrais no marco de um Estado de direito, que de nenhuma maneira podem ficar condicionados às lógicas da exploração comercial em prejuízo do bem-estar comum. Assim o entenderam os principais atores dos sistemas regionais e internacionais de direitos humanos, que opinaram sobre a lei desde uma perspectiva de defesa da liberdade de expressão. A esse respeito aparecem duas referências chave.

Para o Relator Especial para a Liberdade de Expressão das Nações Unidas, Frank La Rue, “a Argentina está assentando um precedente muito importante. Não só no conteúdo da lei, porque o projeto original que vi é o mais avançado que existe no mundo em lei de telecomunicações, mas também no procedimento que se seguiu, o processo de consulta popular. Parece-me que esta é uma lei realmente consultada com seu povo”.

Quanto ao texto da lei, La Rue reconheceu que “garante o pluralismo, que todas as vozes tenham acesso. Reconhece que tem que haver três tipos de meios: comerciais, comunitários e públicos. E os converte em lei. Ante uma progressiva concentração monopólica e oligopólica de meios, não só na América Latina, acho que esta lei é um grande avanço” (http://bit.ly/Xytv9V).

Por sua parte, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA, em seu relatório do ano 2009 sustentou que “esta reforma legislativa representa um importante avanço com respeito à situação preexistente na Argentina. Em efeito, sob o marco normativo prévio, a autoridade de aplicação era completamente dependente do Poder Executivo, não se estabeleciam regras claras, transparentes e equitativas para a outorga das frequências, nem se geravam condições suficientes para a existência de uma radiodifusão verdadeiramente livre de pressões políticas” (http://bit.ly/h3IEah).

Em que pese os insistentes argumentos a respeito do suposto controle que a lei imporia sobre os conteúdos dos meios audiovisuais, diferente de outras legislações ou projetos da região, não aparece em toda a norma nenhum artigo que possa resultar incompatível com as disposições do Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre este ponto. Tampouco contempla, dentro dos diferentes tipos de serviços de comunicação, restrições quanto à potência, cobertura territorial ou acesso a fontes de financiamento nem estabelece um prazo de tempo de duração das permissões excessivamente breve que impeça a realização dos projetos comunicacionais apresentados no momento de concursar a licença ou que dificulte, no caso dos meios comerciais, o desenvolvimento de um negócio rentável. Ou seja, que em sintonia com os padrões internacionais em matéria de liberdade de expressão, a lei assegura previsibilidade e certeza jurídica para quem possui ou adquire uma licença.

Os direitos e obrigações estabelecidos na norma são claros e precisos; são contemplados procedimentos transparentes e respeitosos do devido processo — que permitem, entre outras coisas, revisar judicialmente qualquer decisão adotada no âmbito administrativo — e garante que enquanto for usada a frequência não serão exigidos mais requerimentos que os estabelecidos na lei.

A LSCA incorpora um enfático reconhecimento acerca da importância do pluralismo e da diversidade. Além dos compromissos resgatados pela ratificação da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO (http://bit.ly/S8hlDl), a lei recolhe o dito pelos Relatores de Liberdade de Expressão da ONU, OEA, Europa e África que, no ano de 2001, em sua Declaração Conjunta (http://bit.ly/T34ui2) recomendaram: “A promoção da diversidade deve ser o objetivo primordial da regulamentação da radiodifusão; a diversidade implica igualdade de gênero na radiodifusão e igualdade de oportunidades para o acesso de todos os segmentos da sociedade às ondas de radiodifusão”.

Em relação à universalidade do acesso aos meios de comunicação como um suporte fundamental para o exercício do direito humano à liberdade de expressão, que a lei estabelece nos artículos 2, 3, 72 e 153, afirma a Corte Interamericana de Direitos Humanos em sua Opinião Consultiva 5/85: “São os meios de comunicação social os que servem para materializar o exercício da liberdade de expressão, de tal modo que suas condições de funcionamento devem se adequar aos requerimentos dessa liberdade.

Para isso é indispensável a pluralidade de meios e a proibição de todo monopólio com respeito a eles, qualquer que fosse a forma que pretenda adotar” (http://bit.ly/hvuZ5w).

A Corte Suprema de Justiça da Nação, no dia 22 de maio passado, ao resolver o repercutido expediente pela vigência da medida cautelar pelo artigo 161 para o Grupo Clarín, entendeu que “não existem argumentos que relacionem diretamente a norma de desinvestimento com a liberdade de expressão. Isso resulta necessário porque em todo o direito comparado existem normas de organização do mercado no campo dos meios de comunicação, sem que sua constitucionalidade tenha sido questionada de modo genérico. Deve existir uma afetação concreta da liberdade de expressão para invalidar uma norma de regulação da competência, o que no caso não ficou demonstrado” (http://bit.ly/KJRX4y).

O espaço público construído pelos meios de comunicação assume hoje uma centralidade primordial para conformar nossa percepção da realidade social e política, para determinar a agenda pública de necessidades a serem atendidas e desde onde a cidadania obtém boa parte das ferramentas que a ajudam a apreender o universo da cotidianidade. Esse deve ser o lugar da democracia, o pluralismo e a diversidade. Os negócios são outra coisa.

(*) Docente de Ciências da Comunicação (UBA), Secretário da Comissão Diretiva do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS).

(**) Docente de Ciências da Comunicação (UBA-UNLP), Diretor da área de Comunicação do CELS.

(***) Docente de Ciências da Comunicação (UBA).
PHA

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