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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, dezembro 15, 2012

República ameaçada: as técnicas do golpe




por Mauro Santayana

Só os interessados podem desdenhar a operação de desconstrução do Estado — e não só do governo — que se encontra em marcha. Os indícios são claros. O julgamento da Ação 470 saiu dos autos, conforme indica o comportamento do procurador geral da República e de alguns juízes. Na véspera das eleições municipais, ele declarou, de forma explícita, a sua esperança de que o processo influísse no resultado eleitoral. Embora falasse de modo geral, pensava em São Paulo, e com  razão. Como sempre ocorreu em situações semelhantes, São Paulo tem sido o centro de todas as conspirações conservadoras no país:  é a sede do sistema financeiro e das grandes empresas estrangeiras que operam no Brasil. E são esses interesses que estão sendo contrariados pelo atual governo, mais do que Lula os contrariou.

São Paulo tem sido o centro de todas as conspirações conservadoras
O resultado do pleito mostra que o povo não se deixou conduzir pelo julgamento, como esperava o procurador, e votou no candidato à prefeitura de São Paulo indicado por Lula. Os grandes bancos não deglutiram a queda substantiva dos juros, imposta pelo governo, mediante a mobilização do setor financeiro estatal. A perda de lucros lhes está entalada na garganta. E no Brasil, como se sabe, os bancos são também controladores de grandes empresas, industriais, comerciais e de serviços.

Quando se toca nos bancos — e isso vem desde os tempos do Império — a reação pode ser esperada. Todas as vezes que isso ocorreu, fosse aumentando o recolhimento compulsório de depósitos à vista; fosse pretendendo reforma bancária, que separasse os bancos de depósitos dos bancos de investimento; fosse buscando  a limitação das remessas de lucros, para que parte deles se reinvestisse no país, o golpe se armou.

Isso não significa que os responsáveis pelos crimes de peculato,  de lavagem de dinheiro, de corrupção e extorsão, se tais delitos houve, estejam imunes à punição prevista no Código Penal. Só os néscios por opção, no entanto, não perceberam a sanha persecutória de alguns magistrados, que, em seus votos, deixaram o exercício da razão e, ao deixá-la, comprometeram até mesmo as decisões tomadas.

A menos que tudo não fizesse parte de um roteiro anterior, é difícil aceitar que o publicitário Marcos Valério recebesse uma sentença que nem os mais sanguinários assassinos em série costumam sofrer. Acossado e ameaçado de sofrer, na prisão, e de forma exacerbada, o que já experimentou no período de prisão provisória, ele procura, neste momento, envolver todos os que puder envolver, em uma trama que recria, para sua salvação. O enredo fantástico que imagina é o fio de Ariadne de que se vale para sair do lôbrego labirinto em que se encontra.

Todas as peças se encaixam para indicar uma conspiração contra o Estado Democrático. Como sempre, há o fomento de  crise entre dois dos Três Poderes Republicanos. Desta vez é entre o STF e o Congresso.

O Supremo, por 4 votos contra 4, por enquanto, se arroga o direito de cassar mandatos parlamentares, o que tem sido prerrogativa constitucional das duas casas do Congresso. Falta 1 voto para que se obtenha a maioria, para um caso ou outro.   Por isso mesmo, cabe ao presidente do STF convocar o novo ministro Teori Zavacki. Se ele se acha impedido de votar na Ação 470, de que não participou, nada o tolhe de votar nesse caso. Outros fossem os tempos, e a ação não se interromperia por causa da gripe de um ministro, sobretudo porque tem substituto natural  no mais recente integrante da Corte. E se Celso Mello se recupera rapidamente, melhor: serão dez juízes a decidir, em lugar de apenas nove.

Dilma, em Paris, reagiu, como tantas outras pessoas, contra as novas acusações de Marcos Valério. Enfim, é bom que o governo reaja, não em seu favor — dentro de menos de dois anos haverá eleições gerais — mas em defesa da República ameaçada.

Como disse Cúrzio Malaparte, em Técnica del colpo di Stato, há 81 anos, “da mesma forma que todos os meios são usados para suprimir a liberdade, também todos os meios são válidos para defendê-la”. E a liberdade que devemos defender é a de escolher os deputados, senadores, governadores de estado, além do presidente e do vice-presidente da República, em outubro de 2014. Se a oposição fosse inteligente, defenderia o Estado de Direito. Se está convencida de seus méritos, que espere o pronunciamento das urnas. Democracia é isso: não são os jornalistas nem os juizes que escolhem os governantes. É o povo, na base de um voto de cada eleitor. 

*Tecedora

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