O que há em comum entre Cuba, Londres e Copenhague?: A bicicleta.
do Diario do Centrodo Mundo
Elas convivem com os antigos carrões americanos
O
que há em comum entre Cuba, Londres e Copenhague? A bicicleta. Ela
deixou de ser sinônimo de pobreza para se tornar um símbolo da riqueza
de uma sociedade.
Os carrões americanos antigos
tornaram-se um dos principais ícones de Cuba, ao lado dos charutos e dos
guerrilheiros barbudos e anti-imperialistas.
Mas
esse é só mais um dos mitos que rondam a ilha. Claro que eles ainda são
numerosos. Em frente ao Capitólio cubano – cópia fiel do americano –
pode-se encontrar até um Edsel original em perfeito estado, carrão
americano do qual foram produzidas apenas algumas poucas unidades. Mas
os carrões estão desaparecendo paulatinamente, pois é cada vez mais
difícil – e caro – mante-los funcionando. Os mais reluzentes utilizados
como taxis ainda satisfazem a nostalgia dos turistas. Os demais espalham
fuligem no ar e vão sendo abandonados à medida que a criatividade dos
mecânicos não seja mais capaz de improvisar soluções para seus
problemas. Quem disse que o jeitinho é só brasileiro?
As bicitaxis
O
veículo mais popular em Cuba é de longe a bicicleta, incluindo aí seu
irmão maior de três rodas – o bicitaxi. Dirigidos e movidos a pedal eles
são muito populares e estão por toda parte. São disputados tanto por
turistas quanto pela população local. Muitos possuem iluminação noturna
com luz negra e caixas acústicas trepidando sob o banco. Nem no Soho de
Londres (onde também há bicitaxis chamados de “rickshaws”, do japonês jinriksha: veículo a tração humana) tem um luxo desses para chegar na balada em grande estilo…
Em
Cuba – e em toda a América Latina – a música está em todo lugar. O
único inconveniente é aguentar o reggaeton que substituiu a salsa e o
som cubano nas ruas. Além de passageiros, eles também transportam cargas
pesadas, como tijolos e sacaria. Seus condutores percorrem até mais de
uma centena de quilômetros por dia.
Carregam de tudo
Ainda
que por motivos tortos – o bloqueio norte americano e a escassez de
petróleo pós União Soviética e pré Chávez – Cuba é ao mesmo tempo o
símbolo da decadência da indústria automobilística e da ascensão da
bicicleta. Talvez seja o país com a maior diversidade de veículos no
mundo. As bicicletas e os bicitaxis convivem com as charretes e
carroças, as motocicletas com e sem sidecar, os motociclos a motor e
elétricos – cada vez mais comuns e tão silenciosos que você se assusta
ao encontrá-los – os caminhões, “guaguas” (paus de arara) e ônibus. Até
aí nada muito diferente do que estamos acostumados. A diferença é que
eles convivem pacifica e respeitosamente nas ruas e estradas. Ou seja,
compartilham o espaço público.
Deixamos a praia
de Varadero – eu e o fotógrafo Martim Passos - no final da tarde,
atrasados por causa da fila do câmbio no banco. A chegada em Cárdenas à
noite foi inevitável. Todo ciclista brasileiro sabe muito bem que
pedalar na estrada à noite é tenso. Em Cuba os acostamentos são
intransitáveis para bicicletas, o jeito é andar no limite da pista. Eu
só tinha lanterna traseira, nada para iluminar o caminho, abri mão da
segurança para aliviar alguns gramas e reais da bagagem… Não cometa o
mesmo erro! Foi então que um ciclomotor elétrico me ultrapassou em
silêncio. Se não fosse pela luz do farol eu não o teria percebido, pois
eles não fazem nenhum barulho! Ao invés de deslanchar, porém, reduziu a
velocidade e, sem dizer uma só palavra, manteve-se na minha velocidade
iluminando o caminho até a cidade. Chegando lá, o encanador que nos
escoltava no retorno a casa, perguntou aonde íamos e nos acompanhou até
nosso endereço.
Não por acaso, em Cárdenas há um monumento à bicicleta!
Compartilhamento
do espaço público é a condição sine-qua-non para viabilizar o
transporte por bicicletas. Mas é bom não esquecer que o tal “espaço
público” não se restringe às vias de circulação de veículos, inclui as
calçadas, os parques, as escolas e universidades, os estacionamentos, o
metrô e as ferrovias e até os meios de comunicação, os parlamentos –
locais e nacional - e a Justiça. Se em Cuba não há ciclovias
exclusivas, nem acostamentos ou leis impraticáveis que obrigam
motoristas a manterem uma distância de 1,5 m das bicicletas, existe uma
consciência coletiva de que todos têm o direito de se locomover da
maneira que puderem, seja como for.
Na ponte de Sagua La Grande quatro rodas não passa
O
que faz a diferença no trânsito não são os veículos, são os motoristas.
E os motoristas brasileiros ainda são muito piores do que a velha
sucata americana. Isso não há jeitinho que resolva. Só mesmo uma
revolução, que não precisa ser armada, para fazer o espaço público ser
compartilhado por todos em igualdade de condições. A praça Castro Alves
ainda não é do povo como o céu é do avião.
Convivência pacífica
*GilsonSampaio
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