Brasil: Operação de “limpeza social” dos sem abrigo
Via Opera Mundi
Nos
últimos 15 meses foram assassinados 195 sem abrigo no Brasil, país onde
existem não menos de 1,8 milhões de pessoas a viver em ruas e praças
das cidades, e onde menos de 25% das cidades têm políticas viradas para
elas.
À
pobreza e ao desamparo juntam-se agora os ódios "sociais" que fazem
muitos erigir-se em juízes e fazer justiça pelas próprias mãos. Foto de
Rodrigo Soldon
O Centro Nacional de Defesa dos
Direitos Humanos, um organismo patrocinado pela Conferência Episcopal de
Brasil, mostrou-se preocupado com uma possível "limpeza social" das
pessoas sem abrigo, por causa do Mundial de futebol do próximo ano. O
Conselho Nacional de Procuradores Gerais (CNPG) expôs também os seus
temores ao ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto
Carvalho. Ações contra os sem abrigo estão a ocorrer especialmente nas
cidades que vão acolher os jogos do Mundial.
As
organizações temem que a “limpeza” dos que vivem na rua por motivos
diferentes, seja um eufemismo para dar sinal verde aos verdugos de
pessoas indefesas, invisíveis para a sociedade, mas que poderiam ser
vistas pelos milhões de turistas que visitarem o Brasil no ano que vem.
Sem contar que o papa Francisco chega ao Rio de Janeiro dentro de três
meses e estarão presentes na capital carioca mais de dois milhões de
pessoas para participar na Jornada Mundial da Juventude.
Nos
últimos 15 meses foram assassinados 195 sem abrigo, a maioria queimados
por anónimos, como Jorge Afonso, de 49 anos, assassinado neste domingo
em Jacupiranga, no interior de São Paulo.
Casos semelhantes ocorreram em Goiânia, cidade do centro-oeste para onde foi enviada uma comissão do Ministério de Direitos Humanos para analisar os últimos 29 assassinatos de pessoas sem abrigo.
Segundo
dados oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) existem no Brasil não menos de 1,8 milhões de pessoas a
viver em ruas e praças das cidades, e menos de 25% das cidades têm
políticas para elas.
Só em São Paulo calcula-se
que umas 15.000 pessoas não têm casa, 5.000 mais que há dez anos. Apesar
de em 2009 o governo de Lula da Silva ter lançado um programa a favor
dos sem abrigo, as autoridades costumam fechar os olhos diante desta realidade.
E
no entanto, para o sociólogo Maurício Botrel, do Centro Nacional de
Direitos Humanos, são imprescindíveis as políticas locais a favor destas
pessoas para evitar uma "limpeza social" levada a cabo geralmente na
escuridão da noite e aplaudida em silêncio.
Em 2009, repórteres do diário Folha de São Paulo descobriram
que a prefeitura do Rio de Janeiro estava a recolher à pressa mendigos
no trajeto onde iria passar a comitiva da Comissão do Comité Olímpico
(COI), responsável por dar um parecer sobre a realização do Mundial na
cidade.
Polícias paulistas suspeitos de “limpeza social"
Investigadores
de São Paulo acham que os últimos assassinatos de indigentes sem abrigo
podem ser obra de "esquadrões da morte" que tentam eliminar os mais de
10 mil mendigos que vivem nas ruas da maior cidade do Brasil.
Pela
primeira vez desde que se iniciaram as investigações, há pouco mais de
uma semana, o comissário Luiz Fernando Lopes Teixeira introduziu
polícias e guardas de segurança entre os suspeitos dos brutais ataques
perpetrados na capital económica e financeira de Brasil, que deixaram
doze mendigos mortos nas últimas semanas.
Até
agora, havia três hipótese para explicar os ataques: jovens neonazis ou
cabeças rapadas, criminosos contratados por comerciantes para
desfazer-se dos indesejáveis ou uma disputa interna entre os próprios
indigentes.
Mas nas últimas horas ganhou força a
ideia de que se trata de grupos de “limpeza social" compostos de
polícias e guardas de segurança. Pedro Montenegro, defensor geral do
povo da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, considera que é claro
que se trata de crimes de um "grupo organizado", o que exige maior
proteção social aos habitantes da rua.
Factos
semelhantes ocorreram na década de 90 no Rio de Janeiro, onde centenas
de meninos e adolescentes foram assassinados anualmente por esquadrões
da morte, compostos em muitos casos por agentes de polícia fora de
serviço, contratados pelos comerciantes locais para "limpar" a zona de
supostos delinquentes e pessoas que perpetravam delitos menores.
Atualmente,
as autoridades da maior cidade do Brasil – com 10,5 milhões de
habitantes – temem que essas práticas homicidas se estejam a instalar no
lugar onde vivem uns 10.400 sem abrigo, segundo cálculos da Pastoral do
Povo das Ruas em São Paulo.
Mas a inquietação
paulista estende-se a outras zonas, como Porto Alegre, onde existe o
medo de que grupos de fanáticos repitam atentados, como explicou Clarina
Glock, jornalista que coordena a publicação de um jornal feito por
residentes da rua “Boca de rua".
Nessa cidade do
sul do país não existem os grupos tradicionais de São Paulo, que
discriminam e atacam os procedentes do Nordeste, a região que é fonte da
maior migração interna de Brasil. Mas "sim há grupos de skinheads", e a demora para identificar os criminosos de São Paulo pode estimular ataques similares noutros lados, acrescentou.
Além
dos casos de São Paulo, outros dois mendigos foram assassinados na
semana passada no estado de Pernambuco (nordeste) por homens que os
atingiram a tiro, disparados de um veículo em movimento.
A
polícia suspeita de que estes dois homicídios foram cometidos por uma
bando de "extermínio" que atua na cidade de Recife, capital de
Pernambuco, e que já é investigada devido a outros ataques a sem abrigo.
Assim,
o panorama dos mais pobres no Brasil – e na América Latina em general –
é cada vez mais dramático, porque à pobreza e ao desamparo juntam-se
agora os ódios "sociais" que fazem muitos erigir-se em juízes e fazer
justiça pelas próprias mãos.
Em junho de 1990, a
Amnistia Internacional publicou um relatório sobre as violações de
direitos humanos perpetradas nas principais cidades brasileiras, que
chegava à conclusão de que a polícia tinha respondido à crescente
violência social fazendo justiça pelas próprias mãos. Este documento
alertava para as práticas como a execução extrajudicial de meninos e
adultos por parte da polícia e dos esquadrões da morte, o emprego da
tortura pelos agentes de segurança e o tratamento desumano que recebiam
os presos. Catorze anos mais tarde, as violações de direitos humanos
relacionadas à violência urbana continuam a ser um problema que é
preciso enfrentar.
*Gilsonsampaio
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