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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 10, 2013

Nota: O presente artigo promove uma ênfase maior nos fatos historiográficos ligados ao movimento libertário e anarquista, considerando que a historiografia marxista já deva ser de conhecimento geral. Caso persistirem dúvidas ou para informações mais aprofundadas o autor está disponível nas mensagens da página do facebook do Centro do Socialismo.
Por Guilherme Wagner¹


A Revolução dos Sovietes em fevereiro de 1917, e a perpetuação dos dirigentes bolcheviques a frente do Estado Soviético em outubro do mesmo ano, promoveu um abalo enorme nas doutrinas socialistas ao redor do mundo. Muitos por serem idealistas, incrédulos e frágeis em suas convicções revolucionárias aderiram ao movimento bolchevique, exportando tal e qual os métodos revolucionários para suas regiões, à citar Atrojildo Pereira fundador do PCB. Nesse processo passaram a disseminar pensamentos ortodoxos que viriam a conceber ideias falaciosas sobre diversos segmentos da esquerda. [1]
O primeiro termo a ser utilizado foi de que o Estado Soviético criado em outubro seria uma forma de transição do capitalismo para o comunismo, e a isso se chamaria de socialismo[2]. Isto não é socialismo, o pensamento socialista foi formulado no fim do século XVIII (Revolução Burguesa Francesa) e início do subsequente, aonde o socialismo seria a destruição da propriedade privada e administração das coisas por todos, seus teóricos foram chamados de socialistas utópicos por Marx e Engels, podendo ser divididos em:
1. Conspiratórios*, aqueles que acreditavam que o socialismo deveria ser implementado como uma legítima ditadura de Estado que beneficiasse a maioria (trabalhadores), e tal ação revolucionária deveria ser feita por meio de golpes de estado, de cima, por isso que são chamados de conspiradores. O principal defensor dessa ideia é Louis Blanquí (ou Blanc) importante líder socialista da revolução de de 1848 onde se derrubou a monarquia e se implantou a Segunda República, defendia a criação de associações de trabalhadores divididos em classes profissionais regulados pelo Estado.
2. Evolucionistas*, aqueles que pensavam que o socialismo viria de forma gradual e lenta, seu principal defensor foi o inglês Robert Owen e o Conde de Saint-Simon. Defendiam que o Estado deveria receber todos os lucros e que deveria dividir igualmente entre todos, pois para eles, a igualdade de oportunidades promoveria a harmonia social. Enquanto Owen era mais utópico, Saint-Simon defendia diferentes classes dentro do Estado, pois acreditava que o futuro da sociedade se basearia em cientistas e industrialistas, assim os diretores e gestores deveriam estar acima dos trabalhadores, no entanto todos deveriam ter o mesmos ganhos.
3. Libertários*, os precursores do socialismo libertário, tiveram com principal teórico Charles Fourier considerado o pai do cooperativismo, formulou as teorias de falanges ou falanstérios de produtores e consumidores, que seriam organizados de forma cooperativista e autônoma, isto é, o primeiro princípio da autogestão. Primeiro defensor da poligamia, contra o matrimômio, pela emancipação das mulheres, crítico da moral cristão. Fourier, foi um libertário.
Quando da formulação do socialismo científico por Marx e Engels, pode-se verificar ideais semelhantes aos mesmos dos itens 1 e 2, o blanquismo foi transformado em leninismo[3] assegurado no pensamento bolchevique, e o evolucionismo nas ideias marxistas reformistas, defendida principalmente por neo-kantianos como Bernstein, partidário social-democrata alemão. Os libertários foram muito influentes no pensamento socialista de Proudhon, outro francês, um dos criadores do termo capitalismo, junto de Blanc. Proudhon foi um crítico econômico e formulou teorias de organização social e economica chamadas de federalismo, travou excelentes debates com Marx, debates esses ricos em detalhes em análises. Proudhon é dono da frase “a propriedade é um roubo”, em que faz toda uma analise da república francesa e chega a tal conclusão, é o socialista que primeiro se autodenomina “anarquista”. Marx se denomina na mesma época “comunista”. Verifica-se assim o surgimento do anarquismo como vertente de combate socialista com Proudhon, e pouquíssimos anos depois o comunismo com Marx e Engels.[4]

O Materialismo como análise da realidade

Marx e Engels deixaram claros que eram socialistas científicos pois haviam criado um método de análise da realidade, baseado no materialismo, chamado materialismo histórico. No qual são categóricos ao afirmar que a sua principal diferença para os utópicos era a aceitação, compreensão e práxis da sociedade como um resultado das lutas de classes. Assim,o comunismo surge definitivamente da luta de classes. O anarquismo é um socialismo científico aos olhos das definições de Marx e Engels? O materialismo é defendido enquanto análise da realidade também por anarquistas, no entanto, Proudhon não criou um método de análise da realidade que pudesse explicar a sua teoria organizativa (federalismo). Tal método foi concebido por Mikhail Bakunine e chamado de materialismo sociológico, no qual consegue explicar as relações entre federalismo e socialismo, indo mais longe, formulando a crítica mais completa ao teologismo existente até os dias atuais. Todos os teóricos anarquistas do século XVIII e início do XIX defendem e analisam a realidade a partir da luta de classes, e afirmam mais claramente, que o anarquismo enquanto teoria socialista é produto direto de uma sociedade dividida em classes que estão em constantes lutas. Logo, anarquismo é um socialismo científico.

Anarco-capitalismo” não é anarquismo

O anarquismo defende de forma dialética diferentes teorias de revolução e organização social, tais teorias vão do pacifismo ao radicalismo extremado, do sindicalismo ao individualismo (com consciência coletiva), no entanto, todos sem exceção bebem da fonte de sua criação histórica: anticapitalistas, socialistas, produto direto da luta de classes e análise materialista da realidade. Não há, em hipótese alguma, nem histórica, nem ideológica, nem analítica muito menos filosófica (de método) de se conceber o anarco-capitalismo como um anarquismo. O único argumento que os defende é a significação radical grega da palavra anarquia, que significa sem governo. Liberalismo econômico não é anarquismo.

¹ Estuda Licenciatura em Matemática pela UFSC, colaborador do Memorial dos Direitos Humanos/UFSC (GE Mário Pedrosa e Ditadura Civil-Militar), pesquisa na área de Educação, História e Política
* Tais separações são opções do autor, não são consenso de historiadores.
[1] Tais ataques a esquerdas podem ser vistas em livros “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” de Lênin, e também “Revolucionários Ineficazes” de Hobsbawn.
[2] Para uma maior análise do tema e formulação de sua opinião recomendo O Estado e a Revolução de Lênin, assim como para criar um contraponto, Lenin Frente a Marx: Associação Obrerar ou Socialismo de Estado de Claude Berger.
[3] Tal opinião é própria e pode não ser concordância entre socialistas, obra que fala disso O Novo Blanquismo de Anton Pannekoek.
[4] Vide Manifesto Comunista.
*centrodosocialismo

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