Como os banco lucram com a fome do mundo
Em 1973, quando o muro de Berlim ainda dividia o mundo em dois blocos
econômicos e políticos, o então presidente do Banco Mundial, Robert
McNamara, disse que todas as nações deviam esforçar-se para acabar com a
pobreza absoluta – que só existia nos países subdesenvolvidos – antes
do novo milênio. Naquele momento os países ocidentais ainda davam alguma
importância à política de bem-estar social, não só como um alento à
esperança de paz dos povos, mas também como uma espécie de dique de
contenção contra o avanço do socialismo nos países do Terceiro Mundo. A
Guerra do Vietnã com seu resultado desastroso para os Estados Unidos,
levou Washington a simular sua boa vontade para com os povos pobres. Daí
o pronunciamento de McNamara.
O novo milênio não trouxe o fim da miséria absoluta, embora tivesse
havido sensível redução - mais em conseqüência do desenvolvimento
tecnológico - com o aumento da produtividade de alimentos e bens de
consumo primário, do que pela vontade política dos governos.
Na passagem do século, marcada pelo desabamento das Torres Gêmeas, o
FMI, o Banco Mundial – e a própria ONU - reduziram suas expectativas,
prevendo, para 2015, a redução da pobreza absoluta à metade dos índices
registrados em 1990. Em termos gerais, essa meta foi atingida cinco
anos antes, em 2010. A extrema pobreza, que atingia 41.7% da população
mundial em 90, caiu para 22% em 2008 – graças à fantástica contribuição
da China e da Índia, conforme adverte Francine Mestrum, socióloga belga,
em recente estudo sobre o tema.
Por outro lado, o número absoluto de pobres na África Negra dobrou no
mesmo período. A China que, pelo número dos beneficiados, puxou o trem
contra a desigualdade, já chegou a um ponto de saturação. Com o seu
crescimento reduzido, como se espera, a China levará muitos decênios
para baixar o número de seus pobres absolutos à metade.
Considera-se alguém absolutamente pobre quando tem a renda per-capita
inferior a US$ 1,25 centavos por dia: mais ou menos R$ 2,50, ou seja, 75
reais ao mês. Esse critério é, no mínimo, cínico. É possível viver com
esse dinheiro? Há quem possa: os trabalhadores das multinacionais nas
tecelagens e confecções de Bangladesh e de outros países da Ásia do Sul
não chegam a ganhar cinco reais ao dia.
O governo de Bangladesh, em seu portal, declara ser o país “de portas
abertas“ (open-door), com todas as garantias e vantagens legais aos
investidores, principalmente nas zonas especiais de produção para a
exportação (Export Processing Zones). Em Bangladesh a privatização de
empresas públicas chegou à perfeição, e a miséria dos trabalhadores,
também – conforme a meta do neoliberalismo.
A insuspeita Fundação Gates divulgou interessante estudo sobre o
controle dos preços dos alimentos pelos bancos, por intermédio dos
fundos especulativos (hedge). Da mesma forma que os bancos atuam no
mercado derivativo com as primes do mercado imobiliário, fazem-no com os
estoques de alimentos, o que aumenta espantosamente os preços da
comida, sem que os produtores se beneficiem. Um exemplo, citado pelo
estudo, que tem o título sugestivo de “People die from hunger while
banks make a killing on food” – as pessoas morrem de fome, enquanto os
bancos se enriquecem de repente, especulando com os alimentos.
Como exemplo, o estudo cita o Fundo Armajaro, da Grã Bretanha, que
comprou 240.000 toneladas de cacau (7% da produção mundial) e as reteve,
até que obter o maior preço da mercadoria nos últimos 33 anos.
“Os preços do trigo, do milho e do arroz têm subido significativamente,
mas isso nada tem a ver com os níveis de estoque ou das colheitas, mas,
sim, com os traders, que controlam as informações e especulam no
mercado” – conforme Olivier de Schutter, relator das Nações Unidas sobre
o Direito à Alimentação.
Os neoliberais sempre usam o argumento canalha de que o único caminho
rumo ao enriquecimento geral e à igualdade é a do mercado sem nenhum
controle do Estado, dentro da fórmula de Mme. Thatcher: o pobre que
quiser viver melhor, que se vire. A Sra. Francine Mestrum, em seu
estudo, contradiz a falácia:
“Em primeiro lugar, a transferência direta de recursos, que Lula iniciou
no Brasil, provou ser efetiva ajuda direta aos extremamente pobres para
ir adiante, em busca de empregos; ou para criar seu próprio emprego;
para melhorar os padrões de saúde e reduzir o trabalho infantil. Este é o
principal argumento para o desenvolvimento desses sistemas, e o próprio
Banco Mundial os endossa”. Como sabemos, são vários os países em
desenvolvimento que adotaram iniciativas semelhantes.
Enquanto a Alemanha obriga os países europeus a cortar até o osso seus
orçamentos sociais - deixando como saldo o aumento espantoso do número
de suicídios ou das pessoas mortas por falta da assistência médica do
Estado e, a cada dia mais trabalhadores obrigados a buscar, na lata de
lixo, o que comer - os bancos continuam acumulando, e de forma
criminosa, dinheiro e poder como nunca.
O HSBC mundial, que ganhou do governo FHC o Banco Bamerindus, e que tem
no Brasil o seu terceiro mercado mais lucrativo do mundo, teve que pagar
quase dois bilhões de dólares de multa, em acordo feito com o governo
norte-americano, por ter, comprovadamente, lavado dinheiro do tráfico de
drogas. Como se sabe, mesmo depois de ter pedido desculpas públicas
pelo crime, o HSBC foi acusado, em março deste ano, de lavagem de
dinheiro, evasão fiscal e remessa ilegal de recursos ao Exterior pelas
autoridades do governo argentino.
Enquanto menos de um por cento dos seres humanos controlarem, mediante
sua riqueza, toda a população do mundo, a igualdade irá sendo empurrada
cada vez mais para o futuro, e serão considerados nutridos os que
ganharem cinco reais ao dia.
Só há uma saída para o impasse: a mobilização política dos cidadãos de
cada país do mundo, em uma organização partidária e ideológica nítida em
seus princípios e objetivos e em sua ação coerente, a fim de colocar
coleiras nos banqueiros. E será sempre salutar ver um banqueiro na
cadeia, como está ocorrendo, menos do que é necessário, nos Estados
Unidos.
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