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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 04, 2013

José Ibrahim, grande líder da greve insurrecional de Osasco de 1968, revolucionário brasileiro

 
 José Ibrahim, grande líder revolucionário brasileiro


Faleceu ontem José Ibrahim, o grande líder da greve insurrecional de Osasco de 16 de julho de 1968. Ibrahim foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região aos 21 anos de idade. Aqueles que com ele conviveram, o apresentam como um líder e um articulador nato, um sujeito extremamente inteligente e com muita disposição de luta. A greve de Osasco de 1968 possuiu caráter insurrecional, nesta se cidade foi possível se articular a tão esperada união operário estudantil, aos moldes do que se observou no maio francês. 

Os bons contatos de Ibrahim garantiram apoio a greve em toda grande São Paulo e Baixada Santista, uma vez a greve estabelecida em SP, o passo seguinte seria espraiá-la ao Rio de Janeiro e Minas Gerais, com apoio da UNE e UEE´s. Contudo, o serviços de informações da ditadura cedo se deram conta do potencial do movimento, e em poucas horas dissolveram a greve. 

O centro do movimento foi a empresa Cobrasma, maior da cidade, com mais de 2 mil operários, nesta empresa se constitui uma comissão de fábrica, construída por militantes operários católicos e comunistas, estes tendo Ibrahim como maior organizador. A comissão de fábrica de Osasco foi a mais bem sucedida experiência desse gênero desenvolvida no Brasil.

Ibrahim agia em conjunto com um grupo de jovens militantes (todos na faixa dos vinte anos) que ficou conhecido como Grupo de Osasco. Este grupo, até a greve de julho e o AI-5, controlava o sindicato dos metalúrgicos local, o CEO (Círculo Estudantil de Osasco), todos os grêmios de colégios, uma série de associações de bairro, o grupo também contava com três vereadores aliados e diálogo junto a prefeitura local. 

O Grupo de Osasco organizou cursos de marxismo que eram ministrados a estudantes, operários e donas de casa, nas fábricas, escolas e vilas. Pouco antes do AI-5, a influência dos militantes osasquenses já abrangia toda região oeste, e contatos com outras regiões industriais da Grande São Paulo se encontravam adiantados. Segundo Antonio Roberto Espinosa, o próprio presidente Lula teria dito que “O ABC começou de onde Osasco parou”. 

Após a greve de julho e o AI-5 em dezembro, toda a liderança do Grupo de Osasco teve que partir para a clandestinidade, alguns foram detidos após a invasão da Cobrasma , como Zequinha Barreto, ficando preso por três meses. Osasco foi ocupada pelo exército e se tornou a cidade mais vigiada do Brasil, o sindicato dos metalúrgicos local ficou sob intervenção por vários anos, e os grêmios estudantis e associações de bairro foram fechados.

O caminho seguido pelo grupo foi a luta armada e o engajamento na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Ibrahim foi alçado a liderança do setor operário da organização, mas segundo suas próprias palavras, a luta armada não era a sua, seu talento era de organizador da classe trabalhadora, homem de chão de fábrica. Talvez por isso tenha sido detido pela repressão logo em princípios de 1969. Em setembro do mesmo ano foi solto após  o sequestro do embaixador dos EUA, partindo para Cuba. Retornou no período da anistia, e voltou a atuar no movimento operário, sempre em defesa da organização pela base, por meio das comissões de fábrica. 

Ibrahim foi um dos principais líderes de uma das mais originais e radicais experiências da esquerda brasileira, desafiou o sistema ultra repressor da ditadura civil-militar, junto a seus companheiros de colégio e de fábrica, foi capaz de eleger a primeira chapa de oposição dentro do meio sindical nacional amordaçado pelo regime autoritário e organizar uma greve desafiadora num dos períodos mais turbulentos da História do Brasil. 

José Ibrahim figura entre os grandes líderes revolucionários da História deste país.


Segue abaixo trechos da entrevista que José Ibrahim concedeu ao historiador Sérgio Luiz Santos de Oliveira

Sobre as origens das comissões de fábrica em Osasco

Antes mesmo do golpe, um grupo de militantes operários, dissidentes do PCB (...), tomou a iniciativa de organizar um comitê de fábrica na Braseixos (indústria metalúrgica de Osasco) com o objetivo de romper com a excessiva centralização da cúpula, trazendo a luta sindical para o interior da fábrica. Mantinha discussões organizadas com os trabalhadores da fábrica e articulava-se com militantes de outras fábricas na tentativa de expandir a ideia de organizar comitês. No plano interno da Braseixos, fazia propaganda através de panfletos e “mosquitinhos” e, no externo, chegou a editar um pequeno jornal. Essa experiência foi abortada pouco antes do Golpe, pois foi condenada pela direção sindical e pela cúpula dirigente do PCB local que a taxou de divisionista e a acusou de fazer o jogo patronal, a medida que os patrões poderiam reconhecer o comitê como interlocutor e não mais o sindicato; foi também liquidada pelos patrões, e seus membros foram todos postos na rua, pois esses ativistas faziam um trabalho na fabrica bastante aberto e os patrões já estavam empenhados em “limpar” suas fábricas dos “agitadores comunistas”.


Sobre a categoria do estudante operário.

Isso aí foi todo um processo que houve lá... Que funcionou sempre assim, era o sindicato e era o movimento secundarista. Tinha companheiros, tipo o Espinosa, (Antonio Roberto Espinosa) o Roque (Roque Aparecido da Silva), que atuavam mais no movimento secundarista, mas eles também eram operários, o Espinosa trabalhava na Cobrasma, o Roque também. Mas a prioridade deles em termos de atividade política era mais no movimento estudantil. E esse grupo foi se formando assim, eu tinha uma participação no movimento secundarista devido a minha relação com esses companheiros, com o Gabriel, o Dudu, todos empregados da Cobrasma, da Brow Boveri, da Braseixos. Quando precisava eles iam no sindicato, quando era necessário iam a uma assembleia, para uma votação ou coisa assim, mas a prioridade deles era no movimento estudantil. O grupo foi se formando naturalmente, nós tínhamos nosso ponto de encontro, depois que saíamos do colégio à noite pra tomar um chope, tinha a própria sede da UEO. Eu chamo de Grupo de Esquerda de Osasco não porque existia uma direita forte em Osasco, a direita lá era o Rossi (Francisco Rossi) e outros grupos mais conservadores. Chamei de Grupo de Esquerda muito mais para polarizar com a FNT, porque a Frente em Osasco era forte, eles tinham representação em várias fábricas, estavam na Braseixos, na Cobrasma. Eles tinham uma visão de comissão de fábrica que se dedicava a negociação direta, a negociação por empresa, afim de polarizar com o sindicato, porque na visão deles, o sindicato era controlado por comunistas. Então tinha um ranço anticomunista por trás, e eles buscavam compensar desse jeito. Era diferente da visão que nós tínhamos de comissão de fábrica, que era para organizar, para mobilizar e fortalecer o sindicato. Mas o sindicato que a gente queria não era o da pelegada, nem o do Partidão, era outro tipo de sindicato, que nós viemos a fazer depois que nós ganhamos a eleição.

Sobre a formação do Grupo de Osasco.

A gente partia do princípio de que em cada fábrica a gente teria que ter um pessoal organizado, normalmente seriam grupos clandestinos, ou seja, não poderiam aparecer pois tinham que fazer um trabalho interno. E era assim, que tipo de trabalho? Sindicalizar, pra gente acumular força no sindicato, fazer o trabalho político pra politizar o pessoal. Na medida em que as pessoas fossem aparecendo como pessoas mais politizadas, interessadas em participar da luta, nós trazíamos para o grupo, era um trabalho natural. Nas assembleias do sindicato a gente já identificava as pessoas, o cara pedia a palavra na assembleia, nas falações, já chamava a atenção da gente. Uma coisa é você ir com a plateia, outra coisa é você se manifestar, dar sua opinião, essas coisas todas. Então a gente ia conhecendo as pessoas, ao mesmo tempo tinha o pessoal que fazia o trabalho de fábrica, então a gente foi ampliando, a Cobrasma era o grupo principal, mas tinha a Braseixos, tinha a Brow Boveri, a Lonaflex (…).

Sobre a construção da greve de julho.

Olha, nós definimos uma estratégia, e aí era papel meu, pois eu era o presidente do sindicato, a pessoa que conhecia a maioria ali dentro, como liderança no movimento. Nós decidimos que iríamos nos articular com outros setores fora de Osasco e fora do estado de São Paulo, nós definimos que essa articulação seria com Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em São Paulo nós nos articulamos com a capital, que tinha uma oposição metalúrgica, e uma oposição bancária; com o ABC, onde a AP era bastante forte, com São Bernardo e Santo André, e com a Baixada Santista. E eu cumpri esse papel, primeiro eu fui para Minas, conversar com os companheiros que tinham feito a greve de Contagem, em abril, eu fui lá em maio de 68, depois do Primeiro de Maio. Fui pro Rio de Janeiro, num encontro intersindical que teve lá, fui pra baixada, conversar com os petroleiros, com os metalúrgicos, com o pessoal da Cosipa. E era isso, nós estávamos nos organizando pro confronto, pra greve que nos íamos desencadear a partir de Osasco, e que, primeiro, eles tinham que ter essa informação, trabalhar com ela; e segundo, que capacidade eles teriam de se solidarizar com o nosso movimento, de participar.


Invasão da Cobrasma.

Entre onze horas e meia noite começou a invasão. Os tatus e brucutus romperam as barricadas. Os companheiros desligaram todas as luzes. A tropa de choque entrou na fábrica às escuras, dando rajadas de metralhadoras para o alto e atirando bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral.
Houve muito combate corpo a corpo, os operários estavam dispostos a brigar. Era preciso vários soldados para agarrar um operário. Os companheiros vagavam pelas seções mergulhadas na escuridão. Eles conheciam bem a fábrica, mas os soldados não. Tropeçavam, caiam em buraco de resfriador de peça, enquanto do alto da ponte rolante um grupo operário atirava pedaços de pau, ferro e peças sobre os soldados. Foi uma verdadeira batalha campal na “cidade Cobrasma”, pois a fábrica, enorme, ocupava vários quarteirões. Houve companheiros que foram presos desacordados, guardas com a cabeça rachada, braço quebrado. Até de manhãzinha continuavam a prender gente dentro da Cobrasma. Eu cheguei a conversar com um companheiro que passou dois dias dentro de um forno antes de poder sair.


Operários detidos após a invasão da Cobrasma


Articulação junto a VPR.

(…) nós tínhamos um histórico com o os ex-sargentos, ex-militares que foram cassados em 64, que eram da região, tínhamos uma relação antiga com eles. Ao mesmo tempo a gente tinha uma relação com o pessoal que havia rompido com o PC, e se juntado com o Marighella, ainda não havia a ALN, mas era o grupo do Marighella, que tava rompendo com o Partidão. Na verdade foi uma coisa muito simplória o fato da gente decidir pela VPR, por que eu tive um encontro com o Marighella, eu era o negociador do grupo, a proposta do Marighella era de que a maioria do GO fosse treinar em Cuba, inclusive eu, e ele disse claramente pra mim “olha, você é uma pessoa muito visada, já, já os caras te pegam, é melhor você recuar, então você passa um tempo em Cuba com o seu pessoal, depois vão voltando e ingressando na luta guerrilheira”. Eu disse claramente ao Marighella, “ olha, eu vou levar essa proposta pro pessoal mas não ta na nossa ideia sair, nós queremos continuar organizando, não sair do país, mas eu vou levar”. Com a VPR a gente já tinha até mais intimidade, eles colocaram “nós sabemos que a coisa vai se resolver com a luta armada e tal, guerrilha, mas é necessário um movimento operário organizado, é necessário a população organizada; então nós queremos fortalecer o trabalho de vocês, vocês podem deixar que assalto a banco, roubo de arma, grupo de fogo; é com a gente, vocês não fazem isso”. E era mais ou menos isso que nós tavamos querendo.

Sobre a fuga do capitão Carlos Lamarca do quartel de Quitaúna.

Quando teve a discussão sobre a ação grande, lá de Quitaúna, (...) eu fiz todo um trabalho de consulta no meu setor, colocando minha posição, eu era contra. Era contra esse tipo de ação naquele momento, a minha tese era de que a gente não ia suportar a repressão, nós íamos montar uma força que a gente não tinha, e ia ser desencadeada uma repressão forte em São Paulo, a gente não tinha tanta estrutura assim pra segurar, e portanto, taticamente, não era viável. Era melhor acumular mais forças, era melhor continuar com as pequenas ações, e não dar esse susto tão grande na ditadura, por que a reação viria. A minha posição foi perdida, por exemplo, o Espinosa, o próprio Roque, e o Barreto (Zequinha) , fecharam com a posição militarista.

Sobre sua prisão

 José Ibrahim entre José Dirceu e Onofre Pinto, outro revolucionário de Osasco
“(…) passou batido o fato do Roque não ter aparecido, e a noite eu volto pra casa, o Roque segurou de manhã, segurou o ponto na hora do almoço, mas a noite ele abriu a casa”. Chegando em casa o “Roque lá fudido, todo inchado, algemado, todo arrebentado”. Início imediato das torturas “eles traziam a UTI completa (risos)”.


*Cappacete

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