José Ibrahim, grande líder da greve insurrecional de Osasco de 1968, revolucionário brasileiro
José Ibrahim, grande líder revolucionário brasileiro
Faleceu ontem José Ibrahim, o
grande líder da greve insurrecional de Osasco de 16 de julho de
1968. Ibrahim foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de
Osasco e Região aos 21 anos de idade. Aqueles que com ele conviveram,
o apresentam como um líder e um articulador nato, um sujeito
extremamente inteligente e com muita disposição de luta. A greve de
Osasco de 1968 possuiu caráter insurrecional, nesta se cidade foi
possível se articular a tão esperada união operário estudantil,
aos moldes do que se observou no maio francês.
Os bons contatos de
Ibrahim garantiram apoio a greve em toda grande São Paulo e Baixada
Santista, uma vez a greve estabelecida em SP, o passo seguinte seria
espraiá-la ao Rio de Janeiro e Minas Gerais, com apoio da UNE e
UEE´s. Contudo, o serviços de informações da ditadura cedo se
deram conta do potencial do movimento, e em poucas horas dissolveram
a greve.
O centro do movimento foi a empresa Cobrasma, maior da
cidade, com mais de 2 mil operários, nesta empresa se constitui uma
comissão de fábrica, construída por militantes operários
católicos e comunistas, estes tendo Ibrahim como maior organizador.
A comissão de fábrica de Osasco foi a mais bem sucedida experiência
desse gênero desenvolvida no Brasil.
Ibrahim agia em conjunto com um
grupo de jovens militantes (todos na faixa dos vinte anos) que ficou
conhecido como Grupo de Osasco. Este grupo, até a greve de julho e o AI-5,
controlava o sindicato dos metalúrgicos local, o CEO (Círculo
Estudantil de Osasco), todos os grêmios de colégios, uma série de
associações de bairro, o grupo também contava com três vereadores
aliados e diálogo junto a prefeitura local.
O Grupo de Osasco
organizou cursos de marxismo que eram ministrados a estudantes,
operários e donas de casa, nas fábricas, escolas e vilas. Pouco
antes do AI-5, a influência dos militantes osasquenses já abrangia
toda região oeste, e contatos com outras regiões industriais da
Grande São Paulo se encontravam adiantados. Segundo Antonio Roberto
Espinosa, o próprio presidente Lula teria dito que “O ABC começou
de onde Osasco parou”.
Após a greve de julho e o AI-5 em dezembro,
toda a liderança do Grupo de Osasco teve que partir para a
clandestinidade, alguns foram detidos após a invasão da Cobrasma ,
como Zequinha Barreto, ficando preso por três meses. Osasco foi
ocupada pelo exército e se tornou a cidade mais vigiada do Brasil, o
sindicato dos metalúrgicos local ficou sob intervenção por vários
anos, e os grêmios estudantis e associações de bairro foram
fechados.
O caminho seguido pelo grupo foi a luta armada e o
engajamento na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Ibrahim foi
alçado a liderança do setor operário da organização, mas segundo
suas próprias palavras, a luta armada não era a sua, seu talento
era de organizador da classe trabalhadora, homem de chão de fábrica.
Talvez por isso tenha sido detido pela repressão logo em princípios
de 1969. Em setembro do mesmo ano foi solto após o sequestro do embaixador dos EUA,
partindo para Cuba. Retornou no período da anistia, e voltou a atuar
no movimento operário, sempre em defesa da organização pela base,
por meio das comissões de fábrica.
Ibrahim foi um dos principais
líderes de uma das mais originais e radicais experiências da
esquerda brasileira, desafiou o sistema ultra repressor da ditadura
civil-militar, junto a seus companheiros de colégio e de
fábrica, foi capaz de eleger a primeira chapa de oposição dentro
do meio sindical nacional amordaçado pelo regime autoritário e organizar
uma greve desafiadora num dos períodos mais turbulentos da História do
Brasil.
José
Ibrahim figura entre os grandes líderes revolucionários da História
deste país.
Segue abaixo trechos da
entrevista que José Ibrahim concedeu ao historiador Sérgio Luiz
Santos de Oliveira
Sobre as origens das comissões
de fábrica em Osasco
Antes mesmo do golpe, um grupo
de militantes operários, dissidentes do PCB (...), tomou a
iniciativa de organizar um comitê de fábrica na Braseixos
(indústria metalúrgica de Osasco) com o objetivo de romper com a
excessiva centralização da cúpula, trazendo a luta sindical para o
interior da fábrica. Mantinha discussões organizadas com os
trabalhadores da fábrica e articulava-se com militantes de outras
fábricas na tentativa de expandir a ideia de organizar comitês. No
plano interno da Braseixos, fazia propaganda através de panfletos e
“mosquitinhos” e, no externo, chegou a editar um pequeno jornal.
Essa experiência foi abortada pouco antes do Golpe, pois foi
condenada pela direção sindical e pela cúpula dirigente do PCB
local que a taxou de divisionista e a acusou de fazer o jogo
patronal, a medida que os patrões poderiam reconhecer o comitê como
interlocutor e não mais o sindicato; foi também liquidada pelos
patrões, e seus membros foram todos postos na rua, pois esses
ativistas faziam um trabalho na fabrica bastante aberto e os patrões
já estavam empenhados em “limpar” suas fábricas dos “agitadores
comunistas”.
Sobre a categoria do estudante operário.
Isso aí foi todo um processo
que houve lá... Que funcionou sempre assim, era o sindicato e era o
movimento secundarista. Tinha companheiros, tipo o Espinosa, (Antonio Roberto Espinosa) o Roque (Roque Aparecido da Silva),
que atuavam mais no movimento secundarista, mas eles também eram
operários, o Espinosa trabalhava na Cobrasma, o Roque também. Mas a
prioridade deles em termos de atividade política era mais no
movimento estudantil. E esse grupo foi se formando assim, eu tinha
uma participação no movimento secundarista devido a minha relação
com esses companheiros, com o Gabriel, o Dudu, todos empregados da
Cobrasma, da Brow Boveri, da Braseixos. Quando precisava eles iam no
sindicato, quando era necessário iam a uma assembleia, para uma
votação ou coisa assim, mas a prioridade deles era no movimento
estudantil. O grupo foi se formando naturalmente, nós tínhamos
nosso ponto de encontro, depois que saíamos do colégio à noite pra
tomar um chope, tinha a própria sede da UEO. Eu chamo de Grupo de
Esquerda de Osasco não porque existia uma direita forte em Osasco, a
direita lá era o Rossi (Francisco Rossi) e outros grupos mais conservadores. Chamei de
Grupo de Esquerda muito mais para polarizar com a FNT, porque a
Frente em Osasco era forte, eles tinham representação em várias
fábricas, estavam na Braseixos, na Cobrasma. Eles tinham uma visão
de comissão de fábrica que se dedicava a negociação direta, a
negociação por empresa, afim de polarizar com o sindicato, porque
na visão deles, o sindicato era controlado por comunistas. Então
tinha um ranço anticomunista por trás, e eles buscavam compensar
desse jeito. Era diferente da visão que nós tínhamos de comissão
de fábrica, que era para organizar, para mobilizar e fortalecer o
sindicato. Mas o sindicato que a gente queria não era o da pelegada,
nem o do Partidão, era outro tipo de sindicato, que nós viemos a
fazer depois que nós ganhamos a eleição.
Sobre a formação do Grupo de
Osasco.
A gente partia do princípio
de que em cada fábrica a gente teria que ter um pessoal organizado,
normalmente seriam grupos clandestinos, ou seja, não poderiam
aparecer pois tinham que fazer um trabalho interno. E era assim, que
tipo de trabalho? Sindicalizar, pra gente acumular força no
sindicato, fazer o trabalho político pra politizar o pessoal. Na
medida em que as pessoas fossem aparecendo como pessoas mais
politizadas, interessadas em participar da luta, nós trazíamos para
o grupo, era um trabalho natural. Nas assembleias do sindicato a
gente já identificava as pessoas, o cara pedia a palavra na
assembleia, nas falações, já chamava a atenção da gente. Uma
coisa é você ir com a plateia, outra coisa é você se manifestar,
dar sua opinião, essas coisas todas. Então a gente ia conhecendo as
pessoas, ao mesmo tempo tinha o pessoal que fazia o trabalho de
fábrica, então a gente foi ampliando, a Cobrasma era o grupo
principal, mas tinha a Braseixos, tinha a Brow Boveri, a Lonaflex
(…).
Sobre a construção da greve de
julho.
Olha, nós definimos uma
estratégia, e aí era papel meu, pois eu era o presidente do
sindicato, a pessoa que conhecia a maioria ali dentro, como liderança
no movimento. Nós decidimos que iríamos nos articular com outros
setores fora de Osasco e fora do estado de São Paulo, nós definimos
que essa articulação seria com Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em
São Paulo nós nos articulamos com a capital, que tinha uma oposição
metalúrgica, e uma oposição bancária; com o ABC, onde a AP era
bastante forte, com São Bernardo e Santo André, e com a Baixada
Santista. E eu cumpri esse papel, primeiro eu fui para Minas,
conversar com os companheiros que tinham feito a greve de Contagem,
em abril, eu fui lá em maio de 68, depois do Primeiro de Maio. Fui
pro Rio de Janeiro, num encontro intersindical que teve lá, fui pra
baixada, conversar com os petroleiros, com os metalúrgicos, com o
pessoal da Cosipa. E era isso, nós estávamos nos organizando pro
confronto, pra greve que nos íamos desencadear a partir de Osasco, e
que, primeiro, eles tinham que ter essa informação, trabalhar com
ela; e segundo, que capacidade eles teriam de se solidarizar com o
nosso movimento, de participar.
Invasão da Cobrasma.
Entre onze horas e meia
noite começou a invasão. Os tatus e brucutus romperam as
barricadas. Os companheiros desligaram todas as luzes. A tropa de
choque entrou na fábrica às escuras, dando rajadas de metralhadoras
para o alto e atirando bombas de gás lacrimogênio e de efeito
moral.
Houve muito combate corpo
a corpo, os operários estavam dispostos a brigar. Era preciso vários
soldados para agarrar um operário. Os companheiros vagavam pelas
seções mergulhadas na escuridão. Eles conheciam bem a fábrica,
mas os soldados não. Tropeçavam, caiam em buraco de resfriador de
peça, enquanto do alto da ponte rolante um grupo operário atirava
pedaços de pau, ferro e peças sobre os soldados. Foi uma verdadeira
batalha campal na “cidade Cobrasma”, pois a fábrica, enorme,
ocupava vários quarteirões. Houve companheiros que foram presos
desacordados, guardas com a cabeça rachada, braço quebrado. Até de
manhãzinha continuavam a prender gente dentro da Cobrasma. Eu
cheguei a conversar com um companheiro que passou dois dias dentro de
um forno antes de poder sair.
Operários detidos após a invasão da Cobrasma
Articulação junto a VPR.
(…)
nós tínhamos um histórico com o os ex-sargentos, ex-militares que
foram cassados em 64, que eram da região, tínhamos uma relação
antiga com eles. Ao mesmo tempo a gente tinha uma relação com o
pessoal que havia rompido com o PC, e se juntado com o Marighella,
ainda não havia a ALN, mas era o grupo do Marighella, que tava
rompendo com o Partidão. Na verdade foi uma coisa muito simplória o
fato da gente decidir pela VPR, por que eu tive um encontro com o
Marighella, eu era o negociador do grupo, a proposta do Marighella
era de que a maioria do GO fosse treinar em Cuba, inclusive eu, e ele
disse claramente pra mim “olha, você é uma pessoa muito visada,
já, já os caras te pegam, é melhor você recuar, então você
passa um tempo em Cuba com o seu pessoal, depois vão voltando e
ingressando na luta guerrilheira”. Eu disse claramente ao
Marighella, “ olha, eu vou levar essa proposta pro pessoal mas não
ta na nossa ideia sair, nós queremos continuar organizando, não
sair do país, mas eu vou levar”. Com a VPR a gente já tinha até
mais intimidade, eles colocaram “nós sabemos que a coisa vai se
resolver com a luta armada e tal, guerrilha, mas é necessário um
movimento operário organizado, é necessário a população
organizada; então nós queremos fortalecer o trabalho de vocês,
vocês podem deixar que assalto a banco, roubo de arma, grupo de
fogo; é com a gente, vocês não fazem isso”. E era mais ou menos
isso que nós tavamos querendo.
Sobre
a fuga do capitão Carlos Lamarca do quartel de Quitaúna.
Quando
teve a discussão sobre a ação grande, lá de Quitaúna, (...) eu
fiz todo um trabalho de consulta no meu setor, colocando minha
posição, eu era contra. Era contra esse tipo de ação naquele
momento, a minha tese era de que a gente não ia suportar a
repressão, nós íamos montar uma força que a gente não tinha, e
ia ser desencadeada uma repressão forte em São Paulo, a gente não
tinha tanta estrutura assim pra segurar, e portanto, taticamente, não
era viável. Era melhor acumular mais forças, era melhor continuar
com as pequenas ações, e não dar esse susto tão grande na
ditadura, por que a reação viria. A minha posição foi perdida,
por exemplo, o Espinosa, o próprio Roque, e o Barreto (Zequinha) , fecharam com
a posição militarista.
Sobre
sua prisão
“(…)
passou batido o fato do Roque não ter aparecido, e a noite eu volto
pra casa, o Roque segurou de manhã, segurou o ponto na hora do
almoço, mas a noite ele abriu a casa”.
Chegando em casa o “Roque lá fudido, todo inchado, algemado, todo
arrebentado”. Início imediato das torturas “eles traziam a UTI
completa (risos)”.
*Cappacete
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