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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, maio 12, 2013

Pelo menos neste caso a Folha não se vendeu ao STF como fez a Globo


Jornal decidiu bancar ele mesmo as despesas do enviado a Costa Rica para cobrir viagem de Joaquim Barbosa.

Otavio Frias Filho, dono da Folha, que recusou o convite aceito pelo Globo
Otavio Frias Filho, dono da Folha, que recusou o convite aceito pelo Globo


Na tentativa de atenuar a conduta antiética do Globo e de Joaquim Barbosa, alguns leitores comentaram, no Diário, que todos os jornais tinham feito a mesma coisa. 

A mídia brasileira teria, em massa, embarcado na caravana da alegria patrocinada pelo contribuinte mas oferecida pelo Supremo para que fossem feitas matérias positivas para JB na inútil, irrelevante, desprezível viagem que este fez para a Costa Rica. 

A lógica, se entendi, era aquela de um romance de Agatha Christie em que um grupo enorme dá facadas numa pessoa. 
Um assassinato coletivo não teria um culpado. Quase que não haveria crime, na verdade. 

Bem, longe do mundo de Agatha Christie, decidi verificar. 

Pesquisei os textos da Folha sobre JB na Costa Rica. 

Não encontrei a informação de que o repórter da Folha teria viajado ‘a convite’ do STF. 

Para o leitor fora do ramo: a Folha foi quem inovou, aspas, nesta prática. 

Viagens na chamada ‘boca livre’ – há muito tempo proibidas nas empresas jornalísticas mais sérias – ainda vigoram na Folha. 

O que a Folha fez para tentar manter a compostura: passou o problema ao leitor. Ela avisa que o repórter X está viajando ‘a convite’ de uma empresa, de um país ou, se for o caso, do Supremo. 

Cabe ao leitor, assim, decidir se o texto é corrupto ou íntegro. 

No caso da Costa Rica, não havia este aviso – presente nos artigos da jornalista da Globo. Sim, a Globo conseguiu macaquear a Folha numa prática que pisoteia ao mesmo tempo a ética e o leitor. 

Teria a Folha deixado de dar este recado, por alguma razão? 

Fui tirar a dúvida na fonte. 

Fiz essa pergunta, pelo Facebook, a Sérgio Dávila, editor executivo da Folha e antigo colega de Abril. 

A resposta: “Recebemos e recusamos o convite. Custeamos todas as despesas de nosso enviado.”


Dálila, editor executivo da Folha: “Recebemos e recusamos o convite"
Dávila, editor executivo da Folha: “Recebemos e recusamos o convite”

Que fique claro, então, que houve sim o terrível convite com o qual o contribuinte bancou uma operação autopromocional de Joaquim Barbosa. 
O fato de a Folha, tão pronta a aceitar convites para se livrar de despesas editoriais indispensáveis ao bom jornalismo, ter recusado este do Supremo mostra o tamanho do abismo ético que havia na operação. 
A Globo é assim no trato do dinheiro público: não tem cerimônia. 
Em meus dias de Editora Globo, tive uma briga tenebrosa assim que cheguei porque recusei manter um esquema segundo o qual a revista Época elogiava um governador e, em troca, este fazia compras milionárias de livros da casa. (Tais compras renderam grandes bônus com os quais os diretores Juan Ocerin e Fred Kachar podiam renovar periodicamente seus BMWs e suas Porsches de novos ricos.) 
Como a Globo se comporta é sabido, do BV aos vários financiamentos de mãe para filho concedidos por sucessivas administrações. 
O fato novo, no episódio, é como Joaquim Barbosa lida com o dinheiro público. Dizem que é um homem inteligente. 
Quer dizer, os que querem promovê-lo dizem. 
Pergunta: com este alegado QI ele não foi capaz de enxergar o absurdo ético de patrocinar uma viagem ridícula com o dinheiro público? Ou dinheiro público, para ele, pode ser usado assim mesmo, com imenso desprendimento? 
É um fato de extrema gravidade, uma vez que estamos falando do presidente do tribunal mais alto do Brasil. Se ele não sabe que o convite é antiético, o que saberá? 
Uma mídia efetivamente a serviço do Brasil iria investigar o assunto. 
Iria cobrar, em nome do povo, o STF no caso Costa Rica. 
E traria informações novas: qual o Orçamento do Supremo para despesas como essas da viagem? Quem aprova as despesas? (Se é o próprio Supremo, amigos, temos um problema.) E por aí vai. 
Isso se tivéssemos uma mídia a serviço do Brasil. 
A nossa, lamentavelmente, está a serviço de si mesma 
Paulo Nogueira No DCM
*cutucandodeleve

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