Blog do Mário Magalhães
Protesto contra as mortes na Maré – Foto BOL/Marcio Luiz Rosa/Agência O Globo |
O Rio se
comoveu com o quebra-quebra ocorrido no Leblon na virada de 18 para 19
de julho de 2013. Balanço da baderna: depredação de orelhões, placas e
25 lojas.
O Rio
não se comoveu com a morte de pelo menos dez pessoas na Maré na noite de
24 e na madrugada de 25 de junho, menos de um mês atrás.
O Rio em
questão é o retratado pelo jornalismo mais influente. Danos ao
patrimônio no bairro bacana, paraíso onde vivi por tantos anos,
receberam muito mais atenção do Estado, dos meios de comunicação e de
parcela expressiva da classe média do que a perda de vidas na favela
Nova Holanda, no complexo da Maré.
É muita covardia. Contra quem? Contra os de sempre, os mais pobres.
Os
crimes contra o patrimônio na zona sul foram obra de bandidos, de
fascistoides, de ultra-esquerdistas, incluindo pseudo-anarquistas, de
pequenos burgueses vagabundos e de alguns miseráveis desejosos de trajar
roupas de grife (alguém viu um operário vandalizando?). Como queimam o
filme dos protestos e beneficiam o governo estadual com o verniz de
vítima, talvez haja infiltrados de origem nebulosa. Cometeram crimes,
têm de ser punidos escrupulosamente, nos termos da lei.
Na Maré,
o Bope invadiu a favela contra a vontade dos policiais que lá estavam. O
efetivo era minúsculo, pois o grosso do batalhão estava cuidando de
reprimir manifestações políticas. Resultado: uma bala provavelmente
disparada por traficante de drogas matou um sargento da tropa de elite.
Em
seguida, sobreveio a vendeta, com a invasão massiva. Nove moradores
locais mortos e nenhum PM ferido gravemente. Confronto? Isso tem outro
nome: chacina. No mínimo, dois jovens não tinham antecedentes criminais,
um deles de 16 anos. A legislação penal brasileira não prevê pena de
morte, para qualquer crime, ainda que seja o de assassinato.
Na Maré,
o grosso do jornalismo não informou nem a identidade dos mortos, com
exceção da do PM. No Leblon, os personagens tinham nome, sobrenome e
lágrimas de quem perdeu alguns bens. Na favela, o pranto das mães que
perderam seus rebentos quase não saiu no jornal.
A cúpula
da segurança do Estado convocou uma reunião de emergência horas depois
de os vândalos detonarem no Leblon. Alguém sabe de um encontro dessa
natureza para tratar do morticínio na Maré?
Há mais
diferenças além da essencial, entre crime contra a vida e crime contra o
patrimônio. No bairro das adoráveis novelas do Manoel Carlos,
aprontaram criminosos que devem responder judicialmente por si mesmos.
Na Maré, atuaram agentes públicos. Se não se sabe ao certo qual foi o
comportamento deles, a responsabilidade é do Estado, que deveria
investigar para valer, e não encenar apurações.
As
agências bancárias com vidros estilhaçados e as butiques dilapidadas
costumam estar protegidas por seguros. Que seguro haveria de confortar
os irmãos do pessoal morto na Maré?
Acadêmicos,
jornalistas, autoridades e politiqueiros que não pronunciaram uma única
sílaba sobre a Maré agora posam de valentões bradando contra a desordem
no Leblon. Eles só saem em defesa dos mais ricos, os pobres que se
danem. São covardes, não valentes.
Merece
respeito o sofrimento de tantos antigos vizinhos meus que se assustaram
com o pega pra capar. Mas a vida seguiu. Na Maré, para tantos pais, a
vida seguiu sem seus filhos. Já cantou Chico Buarque, saudade é arrumar o
quarto do filho que já morreu _teria um quarto ou dormiria no colchão
da sala o adolescente que mataram?
O
farisaísmo não reconhece limites. Às vésperas do desembarque do papa,
celebra-se a existência. Mas muitos corações, que nojo, abalam-se apenas
com a perda de patrimônio, e não de vidas. O que diria Francisco?
O recado das últimas semanas é que, para muita gente, crime contra a vida não é nada diante de crime contra o patrimônio.
Isso não é só covardia. É barbárie.
*Mariadapenhaneles
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