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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, julho 01, 2013

Sem pressão social, Congresso vai parar de trabalhar', diz Erundina


Para deputada, é preciso aproveitar o momento para avançar na aprovação de uma reforma política que amplie os mecanismos de participação direta da sociedade nos rumos do país
por Tadeu Breda, da RBA publicado 28/06/2013 10:18, última modificação 28/06/2013 18:53
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Valter Campanato/ABr
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Erundina é autora da PEC 90, cuja tramitação avançou na Câmara após as manifestações
São Paulo – Se a sociedade deixar de pressionar, o Congresso vai parar de trabalhar, acredita a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP). A parlamentar conversou com a reportagem ontem (27), por telefone, sobre o frenesi legislativo que, graças aos protestos populares que se espalham pelo país, acometeu a Câmara e o Senado nos últimos dias. “Claro que as pessoas não podem ficar nas ruas a vida inteira, mas, se não aproveitarmos o momento para criar mecanismos de participação direta da sociedade na política, o tempo vai passar, o Congresso vai se desmobilizar e os problemas voltarão.”
Na avaliação de Erundina, prefeita de São Paulo entre 1989 e 1992, as recentes manifestações demonstram que a classe política tem sido “omissa” em relação aos anseios do povo – isso para dizer o mínimo. “A representação, como a conhecemos, está esgotada, esvaziada, sem legitimidade e sem credibilidade”, opina. Para ela, a agitação de deputados e senadores, agora, pode ser vista como uma confissão de culpa. “Não aprovaram os projetos antes porque não quiseram.”
Daí a importância de aproveitar a força das ruas para finalmente aprovar uma reforma política que, entre outros fatores, aumente os espaços de participação popular na definição dos rumos do país. “Ficou bastante evidenciada nessa mobilização a vontade das pessoas de participar das decisões. E hoje não existem mecanismos diretos de participação”, critica. “Os governos decidem questões importantes sem ouvir ninguém. A única instituição que o governo consulta é o Congresso, e o Congresso não está nem aí para a sociedade.”
Erundina está otimista: acredita que, agora que tomaram as ruas, os brasileiros não deixarão de manifestar suas vontades políticas. “Não acredito que vá arrefecer o movimento, até pelas conquistas que foram obtidas”, diz. “O cancelamento do reajuste das tarifas é um fator adicional para reforçar a vontade de reivindicação, de exigir e denunciar aquilo que está ruim na vida do povo.”
A deputada espera aproveitar essa conjuntura favorável para aprovar na Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 90, de sua autoria, que inclui o transporte público como um dos direitos sociais reconhecidos pelo artigo 6º da Carta. Esse é um dos caminhos possíveis para uma futura gratuidade das tarifas de ônibus, trem e metrô nas grandes cidades brasileiras, como propõe o Movimento Passe Livre (MPL).
Por que a senhora resolveu apresentar a PEC 90?
Tenho discutido o passe livre no transporte público desde quando fui prefeita de São Paulo, entre 1989 e 1992. A primeira ideia de tarifa zero foi apresentada pelo meu governo. Não se viabilizou porque tinha minoria na Câmara dos Vereadores. Nem sequer discutiram a proposta. Houve também campanha contrária da mídia, porque a implantação da tarifa zero implicaria em aumento do IPTU nos imóveis de maior valor. Foi uma campanha pesada, me ameaçando inclusive de cassação. Eu queria instituir o IPTU progressivo. O IPTU é um imposto justo, porque é direto e incide sobre a propriedade. Seria progressivo, porque cobraria mais dos grandes imóveis, como shoppings, supermercados e terrenos destinados à especulação imobiliária. Os imóveis de até 60 metros quadrados estariam isentos, enquanto os imóveis maiores teriam alíquota maior. O PT, meu partido na época, apoiou.
Mas por que surgiu a ideia de apresentar a proposta em 2011?
Na verdade, a ideia nunca morreu. Mas em 2005 um grupo de jovens começou a querer conhecer melhor a proposta. Participei de debates em universidades e centros acadêmicos em vários estados. O engenheiro Lúcio Gregori, que foi meu secretário de Transportes na época da prefeitura, foi quem elaborou a proposta. Ele também passou a ser procurado para discutir a tarifa zero com os segmentos da sociedade. Em 2011, houve uma forte mobilização do Movimento Passe Livre em São Paulo, que foi crescendo. Daí surgiu a ideia de considerar o transporte público como um direito social na Constituição, como acontece com saúde e educação. Então apresentei a PEC 90, que ficou sem tramitar até agora.
E por que não havia avançado até agora?
Por insensibilidade do governo e do Congresso. Esse clamor popular serviu para acordar a classe política. O sistema está esvaziado. Há 13 anos estou no Câmara, e há 13 anos participo de comissões que discutem a reforma política. Mas nada acontece. Quando as propostas chegam ao plenário, as lideranças e partidos se recusam a votar. Com esse “basta” que foi dado pelo povo, as coisas parecem ter mudado. E não acredito que vá arrefecer o movimento, até pelas conquistas.
O cancelamento do reajuste das tarifas é um fator adicional para reforçar a vontade de reivindicação, exigir e denunciar aquilo que está ruim na vida do povo. Ficou bastante evidenciada nessa mobilização a vontade de participar das decisões políticas. E não existem mecanismo de participação. Os governos decidem questões importantes sem ouvir ninguém. A única instituição que o governo consulta é o Congresso, e o Congresso não está nem aí com a sociedade. Esse movimento está criando condições políticas para que se enfrente a reforma política. Na última comissão formada para discutir o tema, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) não conseguiu sequer aprovar o relatório final. E isso depois de mais de dois anos de discussões e audiências públicas. Agora não será tão fácil deixar de responder aquilo que é uma necessidade da cidadania. Os partidos todos estão em xeque. O Congresso e os governos, também. Foram, no mínimo, omissos.
Como a senhora enxerga essa “pressa” que agora atingiu os parlamentares, que estão aprovando um monte de projetos parados?
É a força do povo, é o poder popular, o povo exercendo seu poder político. Uma das teses que defendemos no Congresso é exatamente a democracia participativa. Agora, com o plebiscito para a reforma política, haverá força para que o Congresso seja obrigado a fazer as mudanças na legislação atendendo aspectos fundamentais exigidos pela população. E um deles certamente será a participação direta, para além da democracia representativa, que está em crise. A representação, como a conhecemos, está esgotada, esvaziada, sem legitimidade e sem credibilidade. As duas Casas começaram a se mexer. É uma confissão de culpa. Não aprovaram os projetos antes porque não queriam.
Está sendo satisfatória a reposta do Congresso?
Na questão dos transportes, desonerar um ou outro tributo não é suficiente para enfrentar problema, que é estrutural. Não é só a tarifa. Existe uma inversão de prioridades do transporte público pelo transporte individual. A maioria dos investimentos é feita no transporte individual: grandes túneis, avenidas largas etc. Até agora, não há participação do transporte individual no custeio do transporte coletivo. Mas, enfim, é um começo. Se a sociedade se desmobilizar... Claro que as pessoas não podem ficar nas ruas a vida inteira, mas, se não aproveitarmos o momento para criar mecanismos de participação direta da sociedade, o tempo vai passar, o Congresso vai se desmobilizar e os problemas voltarão. O povo já demonstrou sua garra. O país nunca havia visto nada parecido, e ainda menos da forma que se deu, espontaneamente, sem atrelamento a partidos ou sindicatos. É um fenômeno que se diferencia de todas as mobilizações que o país já teve.

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