Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, dezembro 06, 2013

Bendito seja um mundo com heróis

Via Tijolaço
Fernando Brito
mandela
Minha juventude foi cheia de heróis.
Os de verdade, não os dos quadrinhos e seriados.
Ho-Chi-Min, o cozinheiro de  navio que escrevi poesias e enfrentava o maior exército do mundo no Vietnã.
Fidel e Che Guevara – mataram Guevara, todos sussurravam, eu fantasiava a dúvida de que aquilo pudesse ser verdade…
Depois vieram o Arafat, o Samora Machel, o Agostinho Neto, todos guerreiros sensíveis, capazes de baixar a pistola e pegar o ramo de oliveira ou a pena de poeta
Havia – não se podia falar seu nome, exceto na casa de meu avô – o Prestes, sim o Velho, o  Cavaleiro lendário.
O cárcere – escutem isso, meus amigos mais jovens – era uma espécie de privação sagrada, os 40 dias de Cristo no deserto …
E havia Nelson Mandela, o estóico Nélson Mandela, preso há uma década, decada e meia, duas décadas, quase três…
Duro, silencioso, invencível
Nos tempos de maturidade, vocês não sabem que privilégio foi o de ver alguns dos meus heróis  em carne e osso, a oportunidade que tive por estar ao lado de outro “maldito”, Leonel Brizola.
Os que viviam, encontrei.
É  estranho encontrar-se com uma figura mítica.
Estar com Mandela, mais estranho do que com qualquer outra, porque era inevitável, mesmo a um ateu encardido como eu, deixar de ter um comportamento reverencial, um impulso de abaixar a cabeça teimosa e algum medo de olhar os olhos apertados e brilhantes.
Brecht podia, como europeu, dar-se ao luxo de dizer que era triste um povo precisar de heróis.
Os povos oprimidos, dominados, escravizados, negros ou mestiços como nós, precisamos deles, sim.
Eles são uma bússola, um Norte que alinha milhares, milhões de forças minúsculas como um imã, tornando-as imensas.
E quando eles se vão, continuam em nós, por nós, por todos.
Que bom poder perder seus heróis, porque esse é o preço do imenso privilégio de tê-los tido.
*GilsonSampaio

Nenhum comentário:

Postar um comentário