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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, dezembro 06, 2013

Mino: na Itália, Genoino seria um herói da Resistência

A Operação Satiagraha foi enterrada a bem de Daniel Dantas, o banqueiro condenado mundo afora e providencialmente (e inexplicavelmente?) poupado aqui na terrinha.
Se José Genoino tivesse nascido na Itália, seria tratado como herói


O Conversa Afiada reproduz texto irretocável do Mestre Mino, que voltou à terrinha:


O primado da incompetência



Sem esquecer, por parte de quem está por cima, a prepotência, a ignorância, a arrogância, a hipocrisia, o descaso, etc. etc.

por Mino Carta

Regresso ao país depois de duas semanas de ausência nesta página, passadas em cidades onde é possível dispensar o carro, porque o transporte público funciona à perfeição. Figuram no mapa de países atingidos gravemente pela crise global e ainda assim firmes nas práticas do Estado de Bem-Estar Social. Falo daquele que apelidamos de Velho Mundo, cuja propalada velhice teima em nos oferecer bons exemplos.

Chego, e me alcançam notícias díspares, entre a renúncia do injustiçado José Genoino e a possibilidade de ver fechado com grades o espaço livre criado debaixo do Masp pela arrojada estrutura saída, mais de 45 anos atrás, da prancheta de Lina Bo Bardi. Não era este o propósito da arquiteta, muito pelo contrário. Ela imaginava que aquela área valeria como um terraço a mirar o centro de São Paulo.

A cidade contava com pouco mais de 3 milhões de habitantes, incapaz de antever o futuro desvairado da megalópole, aflita hoje pela miséria de tantos, invadida nas noites sujas da Avenida Paulista por chusmas de mendigos, assaltantes, fumadores de crack, traficantes, prostitutas e midnight cowboys. São Paulo não poderia supor o descalabro, a irresponsabilidade, a incompetência de governos tragicamente desinteressados do destino dos habitantes dos rincões pobres do Brasil, governos tolhidos para políticas voltadas a manter as populações no lugar de origem. É o que explica também a multiplicação das grades, a segregação de alguns para segregar a maioria e assegurar a incomunicabilidade entre uns e outros.

Enquanto isso dou com a mídia nativa ainda em regozijo com as prisões dos chamados “mensaleiros”. Proclama-se o primado da justiça como prova de progresso democrático, em proveito de uma pós-modernidade retumbante. Ouvi até, em conversas de bar, comparações entre as condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal e o triste fim de Silvio Berlusconi, expulso do Senado italiano depois da condenação definitiva pela mais alta Corte peninsular.

A súbita louvação do nosso Judiciário serve para encobrir a verdade factual, a começar pelo emprego de pesos e medidas opostos no julgamento dos mais diversos gêneros de corrupção política. Até o mundo mineral sabe desta singular situação, pela qual a casa-grande goza da leniência da Justiça, em todos os níveis de atividade.

Se vale o exemplo da Itália, basta lembrar as prisões de Calisto Tanzi e de Sergio Cragnotti, bons conhecidos nossos, ou a condenação do primeiro-ministro Bettino Craxi, pronto a fugir para a Tunísia para evitar oito anos de cárcere. Aqui rico não vai para a cadeia. Cachoeira, aquele que instalou para a Veja todo um sistema de monitoração dos movimentos de José Dirceu, vive à larga. A revista, nem se fale. A Operação Satiagraha foi enterrada a bem de Daniel Dantas, o banqueiro condenado mundo afora e providencialmente (e inexplicavelmente?) poupado aqui na terrinha.

Na Itália, sublinho, José Genoino seria um herói celebrado por ter lutado contra a ditadura civil-militar, assim como o foram os partigiani da Resistenza nos derradeiros anos da ditadura fascista. Combate extremo em condições clamorosamente desfavoráveis, lá como no Brasil. Os italianos enfrentavam, antes que os últimos fiéis de Mussolini, o próprio exército nazista. No Araguaia, 10 mil soldados foram deslocados para se haver com 80 guerrilheiros, Genoino entre eles.

Nunca esquecerei como se deu a descoberta da resistência do Araguaia. Dirigia então a redação de Veja quando chegou, via telex, estranha máquina que um jovem de hoje definiria como de uso desconhecido, o aviso censorial: proibida qualquer referência à guerrilha. Que guerrilha? Nada sabíamos a respeito, colhidos de surpresa nos entreolhamos perplexos. Em primeiro lugar diante da fulgurante incompetência da inteligência fardada.

Há alguma, vaga semelhança, entre o Araguaia e Canudos, sem a pretensão de comparar Genoino com o Conselheiro. O qual contava, além do mais, com Euclides da Cunha, disposto a rever suas próprias posições e a se contrapor ao pensamento da casa-grande.

Os Sertões é obra-prima do jornalista-escritor de uma época literariamente rica, sobraram para o dia de hoje a mediocridade, a má-fé, a incompetência da mídia nativa. Pois é, a incompetência dá sempre o ar da sua graça

*PHA

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