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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 24, 2014

    Maior gestor de ciência do planeta bate palmas para paraplégico andando com “roupa robótica”: “Maravilhoso!”


Atento, Francis Collins (na foto, à direita de Nicolelis) acompanha os passos do jovem paraplégico “vestindo” o esqueleto-robô. Ao final, não resiste. “Encantado”, como ele mesmo diz, abre um sorriso enorme e aplaude

por Conceição Lemes/Viomundo

No meio científico, todo mundo conhece o médico e geneticista Francis S. Collins.
Pudera. Foi quem coordenou o Projeto Genoma Humano.

Desde 2009, é o diretor do maior agente financiador de pesquisa biomédica do mundo: o National Institutes of Health (NIH), dos EUA.

Ele tem nas mãos um orçamento de US$ 38 bilhões. É o maior gestor de ciência biomédica do planeta.
Pois Francis Collins está em visita oficial ao Brasil e quis conhecer os laboratórios do projeto Andar de Novo, montados na AACD – Associação de Assistência à Criança com Deficiência, em São Paulo.
O projeto é liderado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, pesquisador e professor da Universidade  Duke, nos EUA,  e coordenador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), no Brasil.  Dele participam 156 pesquisadores de 25 países.

Em 12 de junho, na abertura da Copa do Mundo, no Itaquerão,  o mundo assistirá ao vivo uma demonstração do projeto e um salto da ciência: um jovem paraplégico, “vestindo” uma “roupa robótica” (exoesqueleto), dará o chute inaugural na cerimônia.

Collins visitou os laboratórios do Andar de Novo na tarde dessa terça-feira 21.

No primeiro, uma jovem paraplégica, com fisionomia séria, aparentando 25 anos, se exercitava no simulador do exoesqueleto. Por razões éticas, o seu rosto não pôde ser fotografado pelos jornalistas presentes; apenas ela de costas. Também não pudemos conversar com a paciente. O Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligado ao Ministério da Saúde, proíbe, para preservar o paciente sujeito de pesquisa.
Aí, Nicolelis começou a descrever a Collins os experimentos que levaram ao resultado atual.

No segundo, apenas o exoesqueleto, sem nenhum paciente. Nicolelis detalhou então o funcionamento dos equipamentos.

No terceiro, o professor Nicolelis convidou-me para entrar junto com o doutor Collins para assistir com eles e demais pesquisadores à demonstração de um jovem usando o exoesqueleto. Foi a portas fechadas. E eu a única repórter presente.

Esse jovem ficou paraplégico aos 20 anos  (tem 27) devido a acidente de carro.
Foram duas comprovações. A diferença foi a velocidade do andar. A segunda, um pouco mais ligeira.
Ao final da segunda caminhada, o jovem abriu um sorriso imenso de alegria.

Eu, Conceição Lemes, chorei. Pela primeira vez no mundo um jornalista testemunha uma demonstração real, prática, do Andar de Novo.

Collins não resistiu. Bateu palmas: “Maravilhoso!”

“Estou muito feliz em ver que o investimento de tantos anos resultou nessa aplicação da Ciência”, disse Collins na coletiva de imprensa.

Foi o começo da resposta à pergunta do Viomundo sobre como via uma ideia, cuja pesquisa básica foi financiada pelo NIH, virar realidade clínica. Durante os 25 anos de carreira, veio do NIH mais da metade dos US$ 60 milhões levantados nos EUA por Nicolelis para pesquisas.

Collins prosseguiu:

“Essa é a realidade da Ciência. Você tem de persistir em ideias que, no início, podem até parecer abstratas, sem conexão com alguma doença, mas que, depois de investimentos persistentes durante muito tempo, possam gerar, por exemplo, uma vacina para prevenir a infecção pelo HIV/aids. É  algo que esperamos que ocorra rapidamente”.

“No caso deste exemplo, que é o exoesqueleto, estou muito satisfeito pelo fato de o NIH ter participado dessa história. É assim que a Ciência funciona.”
“Quando nos Estados Unidos se defende levar todo o dinheiro do NIH para a pesquisa aplicada, as pessoas às vezes esquecem que é a pesquisa básica que permite que essas ideias floresçam do ponto de vista clínico”.

Perguntamos também o que ele acha da colaboração entre Estados Unidos e Brasil no projeto Andar de Novo. A pesquisa aplicada, envolvendo o desenvolvimento e construção do esqueleto-robô, foi financiada pela Finep, ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia: US$ 14 milhões.

Collins então afirmou:

“A colaboração é essencial. Se você precisa atacar um problema muito difícil, muito complexo, é necessário recrutar os melhores cérebros disponíveis e eles não necessariamente moram no mesmo país. Um grande exemplo é o doutor Nicolelis”.

“Estou muito satisfeito em ver que um investimento que o NIH fez em pesquisa básica nos EUA, durante 25 anos, no laboratório do doutor Nicolelis, deu frutos no Brasil, com a pesquisa clínica financiada pelo governo brasileiro. A Ciência é global”.

“Essa colaboração permitiu que EUA e Brasil estivessem aqui presentes. Possivelmente, essa pesquisa não poderia ter acontecido só nos EUA ou só no Brasil”.

“Admiro muito o espírito de Nicolelis de reunir pesquisadores e trazê-los dos EUA para o Brasil, para congregar todos no mesmo projeto”.

“Estou muito encantado, porque uma quantidade muito grande de gente, num evento esportivo, vai poder ver, pela primeira vez, uma demonstração do que a Ciência é capaz de fazer e dar esperança para milhões de pessoas no mundo todo”.

Sobre a interface cérebro-máquina, questionada por alguns pesquisadores, Collins disse:
“É uma das áreas de fronteira da neurociência. Nos EUA, atualmente há vários laboratórios trabalhando com ela”.

Nicolelis e seu colega John Chapin, da Universidade Duke (EUA), foram os primeiros.
Em 1999, comprovaram isso num estudo pioneiro com ratos. Em 2000, demonstraram em macacos. Em 2004, em seres humanos.

O termo interface cérebro-máquina (brain-machine interface) também foi criado por eles.
“A demonstração de 12 de junho é apenas a primeira etapa do projeto Andar de Novo”, frisa Nicolelis. “O objetivo dessa pesquisa é permitir que mais adiante paraplégicos possam andar novamente. No futuro, esperamos contar com mais laboratórios e mais pesquisadores.”

Oito jovens paraplégicos participam da pesquisa. Um será escolhido para dar o chute inicial da Copa.
“Mas os outros estarão juntos”, avisa Nicolelis. “É uma vitória de todos eles.”
*Amoralnato

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