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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 27, 2014

O Supremo perdeu o juízo?!



É o que teria interrogado, de modo exaltado, um dos chamados "donos do Brasil", num de seus convescotes semanais nos nobres salões do bairro de Higienópolis em SP (ou no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro) repletos de garotas de programa, entre uma generosa fileira de cocaína e um trago no charuto cubano e no conhaque de US$600,00 a dose – aquele que vem embalado numa caixinha almofadada de madeira lustrosa, que mais parece um relicário.
Esta é uma cena que, sejamos justos, respeita a tradição atávica das nossas elites conservadoras: na época dos senhores de engenho, ou dos barões do café, bebia-se cachaça e as mulheres "usadas" [esse é um termo de época, mas que parece transcender épocas] eram jovens escravas escolhidas a dedo por zelosos capatazes nas senzalas. Mas o "espírito", que mescla soberba com lascívia, ao que parece permanece o mesmo.
E por que o STF teria "perdido o juízo", segundo evidencia a queixa exasperada do nosso atemporal "senhorzinho" em epígrafe? – pode estar a indagar o prezado leitor.
Ora, a suprema corte teria "escapado ao controle" – prudente repetir/ressalvar: segundo o pensamento das nossas elites conservadoras – porque, após ter cometido a "temeridade" de colocar em votação a proibição do financiamento privado de campanhas, está, por eloquente maioria, sinalizando que irá proibir esse tipo de financiamento nas próximas campanhas políticas.
– Eles pretendem eternizar o PT no poder?! – teria ainda indagado indignado o jovem coronel cordato da megalópole cosmopolita.
Como o diabo faz morada nos detalhes, façamos-lhe, pois, uma visita.
A história nos ensina que o voto no Brasil, na época da monarquia, não era universal; era censitário. Ou seja, só votavam as pessoas que tinham certa posse ou riqueza. E por que era assim? Simples: para que os pobres não votassem. Para que só as elites tivessem o poder de escolher os seus representantes e assim se perpetuassem ao seu bel prazer no leme da história.
Com o fim do voto oficialmente censitário, já no finalzinho do séc. XIX, o voto continuou, por muitas décadas ainda, até os dias atuais, sendo, de modo disfarçado, censitário. Pois só os candidatos indicados e financiados pelos ricos conseguiam se eleger para o parlamento ou para o executivo. Posto que as campanhas tornaram-se cada vez mais disputadas, dispendiosas e complexas. A política virou coisa de "profissionais".
Observando nossa história recente, note que não à toa o Partido dos Trabalhadores só passou a efetivamente conseguir eleger seus representantes quando começou a contar com o financiamento, a princípio envergonhado, constrangido, de parte da elite econômica do país – uma parte que estava, diga-se, deveras descontente com o último desgoverno FHC.
Daí a famosa Carta ao Povo Brasileiro. Daí a denúncia do esquema chamado de "mensalão" – refiro-me aqui ao petista, decerto, mas teve antes o tucano, o demista, o peemedebista etc. Deixemos, ao menos por ora, a hipocrisia de lado. O esquema, apelidado à guisa de pilhéria de "mensalão", existe, que eu me recorde, desde o governo Collor, passando por FHC e todos os outros governos (também, não esqueçamos, no âmbito dos governos estaduais e municipais).
O PT, finalmente, perdera os modos e pudores e entrava no jogo para ganhar, agora se utilizando, também ele, das regras, digamos, "marginais" ou "não declaradas" do jogo político. Regras estas conhecidas sobejamente por todos os políticos, promotores, juízes e demais autoridades do judiciário, jornalistas etc. – enfim do conhecimento de todos os integrantes silentes desse pacto hipócrita e servil com as elites conservadoras, que prosperou à sombra de uma mídia, de um Congresso e de um Judiciário de conivência, ou melhor, "de conveniência" (com a conveniência daquelas providenciais lojas em postos de gasolina ou à margem das estradas). A margem das estradas, note bem a metáfora acidental.
O PT, gostemos ou não, agora não mais participa do jogo político apenas para legitimá-lo – como se fora a encarnada cereja do bolo de uma democracia mofada, estragada.
O fim do financiamento privado de campanhas, grosso modo, cortaria, até certo ponto, o cordão com o qual as elites manietam os títeres poderes no parlamento e nos governos – uma vez que o poder de fato, o econômico, elas ainda mantém. Ao menos por enquanto.
Não à toa, os temas da ocasião [oxalá venham a ser "da moda"] e da pauta dos candidatos progressistas hoje são a reforma política e a "nova" política. Para nossa fortuna – e, assim espero, em contraposição à nossa ruína. Pois, insisto na tecla, não se faz política sem partidos nem sindicalismo sem sindicato.
É prudente mesmo, e oportuno, que os políticos pensem numa reforma política como um meio para se chegar a uma nova política e a uma nova democracia. Para que os fins voltem a justificar os meios.
Senão, diante da constrangedora omissão da classe política e, diga-se, do restante da sociedade, corremos o perigo de assistirmos, impávidos, uma Corte Constitucional ditando os passos de um processo civilizatório do qual deveríamos ser, em verdade, os principais e ativos agentes.
E acima de tudo, que não esqueçamos a frase do nosso "senhorzinho", que serve como título a este texto, mas que deveria também nos servir de alerta: o Supremo perdeu o juízo?!
Pois, pense comigo, se ao juízo desse indivíduo conservador teria o Supremo agora [e só agora] "perdido o juízo" é porque, segundo o seu juízo (ou seu metro), o STF só tinha "juízo" antes.
Antes, quando permitia, sem se imiscuir, o financiamento privado e a "mercantilização" da política.
Antes, quando fornecia habeas corpus, com impressionante celeridade, "de conveniência" (tal qual as lojas, insisto), aos ricos e julgava pobres por crimes famélicos.
Antes, quando se omitiu diante do arbítrio de uma ditadura, dentre outros graves equívocos já esquecidos nos efêmeros rastros da história contemporânea.
Teria o Supremo perdido o juízo?

Lula Miranda

Poeta, cronista e economista. Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa e Fazendo Média

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