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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 31, 2014

 Os russos estão chegando



Os russos estão chegando…de novo… E eles continuam com 3 metros de altura!

Por William Blum

Então, o que temos aqui? Na Líbia, na Síria e em outros lugares os Estados Unidos estão no mesmo lado dos caras da Al-Qaeda. Mas não na Ucrânia. A má notícia é que, na Ucrânia, os Estados Unidos estão do mesmo lado dos neo-nazistas, aqueles caras que entre uma manifestação e outra – exibindo suásticas e outros símbolos e clamando pela morte dos judeus, dos russos e dos comunistas -, arrumaram tempo para incendiar o prédio de uma central sindical em Odessa, matando um monte de gente e mandando centenas para o hospital; muitas das vítimas foram espancadas ou alvejadas quando tentavam escapar das chamas e da fumaça; ambulâncias foram impedidas de chegar até os feridos. Procure e ache um veículo da mídia mainstream que tenha feito alguma tentativa séria de cobrir esse horror.


E como esse último exemplo de excepcionalismo da política externa americana aconteceu? Um ponto de partida que pode ser cogitado está no que o ex-secretário de Defesa e diretor da CIA Robert Gates disse em suas memórias recentemente publicadas: “Quando a União Soviética entrou em colapso no final de 1991 [o secretário de Defesa Dick Chaney] queria ver não apenas o desmembramento da União Soviética e do império russo mas da própria Rússia, para que ela nunca mais voltasse a ameaçar o resto do mundo”. Isso pode servir como marco inicial dessa nova guerra fria, enquanto o corpo da anterior ainda estava quente. Logo depois, a OTAN começou a cercar a Rússia de bases militares, bases de mísseis e homens, ansiando pela Ucrânia como parte necessária para fechar o cerco.

Em fevereiro deste ano, funcionários do Departamento de Estado dos Estados Unidos em atitude não-diplomática uniram-se aos manifestantes na capital ucraniana, Kiev, distribuindo ânimo e comida, o que se comprovou com o vazamento da gravação da conversa infame entre o embaixador americano na Ucrânia, Geoffrey Pyatt, e a assistente do Departamento de Estado, Victoria Nuland, ex-embaixadora americana na OTAN e ex-porta-voz da secretária do Departamento de Estado, Hillary Clinton. A conversa versava sobre quem deveria liderar o novo governo da Ucrânia depois que Viktor Yanukovich fosse derrubado; o preferido era Arseniy Yatsenuk.

John Huge, meu querido amigo de Washington, que nos deixou recentemente, gostava de dizer que se quisessem chamá-lo de “teórico da conspiração” ele teria que chamar os outros de “teóricos da coincidência”. Por uma coincidência incrível Arseniy Yatsenuk realmente se tornou o atual primeiro-ministro da Ucrânia. Logo ele estaria metido em encontros privados e coletivas de imprensa com o presidente dos Estados Unidos e o secretário-geral da OTAN, e também com os futuros novos donos da Ucrânia: o Banco Mundial e o FMI, preparando-se para impor sua terapia financeira de choque.

Os manifestantes da Ucrânia não precisam de doutores em economia para saber o que isso pressagia. Eles conhecem a história de empobrecimento da Grécia, da Espanha, etc. Eles também desprezam o novo regime pela maneira que derrubaram um governo democraticamente eleito, com as deficiências que tivesse. Mas a mídia americana esconde essas razões referindo-se quase sempre aos manifestantes como pró-Rússia.

Uma exceção que passou discretamente foi uma reportagem de Donetsk publicada na edição de 17 de abril do Washington Post com dezenas de entrevistas com cidadãos da Ucrânia do leste. Baseado nessas entrevistas o repórter dizia que a inquietude na região se devia ao temor de que houvesse um endurecimento da política econômica com um plano de austeridade do FMI que tornaria suas vidas ainda mais difíceis. “Nesse momento perigoso e delicado, o governo pró-Ocidental está pronto para iniciar uma terapia de choque de medidas econômicas para cumprir as exigências de um empréstimo de emergência do FMI”, escreveu.

Arseniy Yatsenuk, deve-se destacar, tem uma coisa chamada Arseniy Yatsenuk Foundation. Se você entrar no site da fundação, vai ver os logos dos parceiros da fundação. Entre eles está a OTAN, o NED (National Endowment for Democracy), o Departamento de Estado dos EUA, a Chatham House (Instituto Real de Assuntos Internacionais do Reino Unido), o alemão Marshall Fund (um think-tank fundado pelo governo alemão em homenagem ao Plano Marshall dos EUA), e mais um par de bancos internacionais. Precisa comentar?

Pode ser que a aliança com os apoiadores da Al-Quaeda e com os nazistas esteja transmitindo aos funcionários do governo americano a ideia de que eles podem dizer ou fazer qualquer coisas na política externa. Na coletiva de imprensa do dia 2 de maio, o presidente Obama, referindo-se à Ucrânia e ao tratado com a OTAN, disse: “Estamos unidos pelo inabalável artigo 5 do compromisso de segurança dos aliados da Otan” (O artigo 5 diz: Os países-membro concordam que um ataque armado contra um ou mais deles deve ser considerado um ataque contra todos”). Será que o presidente esqueceu que a Ucrânia não é (ainda) um membro da OTAN?

Na mesma coletiva de imprensa, o presidente se referiu ao “governo devidamente eleito de Kiev”, enquanto na verdade esse governo tomou poder via um golpe e imediatamente estabeleceu um novo regime no qual o primeiro-ministro, o ministro da agricultura, o ministro do meio-ambiente são todos de partidos nazistas de extrema-direita.

O horror total que caracteriza a direita ucraniana dificilmente pode ser exagerado. Em março passado, o líder do Pravy Sektor (Ala Direita) convocou seus camaradas, os infames terroristas chechenos, para levar a cabo ações terroristas na Rússia.


Mas pode haver uma diferença importante entre a velha Guerra Fria e a nova. O povo americano, e os de outras partes do mundo, não podem ser facilmente submetidos a uma lavagem cerebral como foram no período anterior.

Entre as coisas estranhas que encontrei ao pesquisar durante uma década para os meus primeiros livros e artigos sobre a política externa dos EUA, foi quão frequentemente a União Soviética parecia saber o que os Estados Unidos estavam prestes a fazer mesmo quando o povo americano não tinha a menor ideia. Entre os anos 50 e 70 de vez em quando um leitor mais atento podia reparar em uma notícia de algumas linhas, no pé de uma página interna do New York Times, dizendo que o Pravda ou o Izvestia diziam que um golpe recente ou um assassinato político na África, na Ásia ou na América Latina tinham sido obra da CIA; o Times talvez completasse dizendo que um representante do Departamento de Estado tinha qualificado a história de “absurda”. E ficava por isso mesmo, sem maiores detalhes; e eles não eram necessários, por que afinal qual cidadão americano daria atenção a isso? Era apenas mais uma propaganda ridícula dos inimigos. A quem eles pensavam estar enganando? A ignorância/cumplicidade de parte da grande mídia americana permitiu que os Estados Unidos se metessem em todo tipo de crime intencional e desvio.

Foi só nos anos 1980, quando comecei a realizar uma pesquisa séria que resultou no meu primeiro livro, Killing Hope, que fui capaz de preencher as lacunas e perceber que os Estados Unidos tinham sido os mentores daquele determinado golpe ou assassinato, e de muitos outros golpes e assassinatos, sem falar nos incontáveis bombardeios, uso de armas químicas e biológicas, eleições fraudadas, tráfico de drogas, sequestros e muito mais que não aparece nem na mídia americana nem nos livros escolares. (E uma parte significativa de ações aparentemente desconhecida também pelos soviéticos).

Mais houve uma avalanche de revelações sobre os crimes dos Estados Unidos nas últimas duas décadas. Muitos americanos e muitos povos do mundo se tornaram mais educados. Eles são mais céticos em relação às declarações dos Estados Unidos e da mídia bajuladora.

O presidente Obama declarou recentemente: “A forte condenação que a Rússia recebeu por parte de países do mundo todo, indica até que ponto a Rússia está do lado errado da história nisso [Ucrânia]”. Maravilhoso vindo de um homem que tem entre seus parceiros jihadistas e nazistas e vem fazendo a guerra em sete países. Nos últimos 50 anos tem algum país cuja política externa tenha sido mais condenada do que os Estados Unidos? Os Estados Unidos do lado certo da história só existem nos livros de história publicados nos Estados Unidos.

Barack Obama, como quase todos os americanos, gosta de acreditar que a União Soviética, talvez com a exceção única da 2.ª Guerra Mundial, sempre esteve do lado errado da história tanto na política externa como na doméstica. No entanto, em uma enquete conduzida por instituto de pesquisas independente da Rússia em janeiro passado, e publicado no Washington Post em abril, 86% dos entrevistados maiores de 55 anos expressaram tristeza pelo colapso da União Soviética; e 37% dos que têm entre 25 e 39 anos também. (Pesquisas similares tem trazido resultado semelhante desde o fim da União Soviética. Essa foi publicada no USA Today em 1999: “Quando o muro de Berlim caiu, os alemães orientais imaginavam uma vida de liberdade onde os bens de consumo fossem abundantes e as dificuldades desapareceriam. Dez anos depois, significativos 51% dizem que eram mais felizes com o comunismo”.)



Ou com diz um provérbio russo: “Tudo que os comunistas disseram sobre o comunismo era mentira mas tudo que eles disseram sobre o capitalismo era verdade”.

Uma semana antes da publicação dessa pesquisa no Post em abril, o jornal publicou um artigo sobre felicidade ao redor do mundo, que trazia essas charmosas linhas: “Essencialmente, a vida sob o presidente Vladimir Putin é uma descida espiral contínua para o desespero.” (…) “O que acontece na Rússia é uma profunda infelicidade” (…) “Na Rússia, a única coisa que se pode esperar é o doce abraço da morte”.

Atenção: não foi publicado como uma peça satírica mas como um estudo científico, com gráficos e tudo, embora pareça saído diretamente dos anos 1950.

Seja qual for o raciocínio, é imperativo que os Estados Unidos desistam do persistente desejo de trazer a Ucrânia (e a Geórgia) para a aliança da OTAN. Nada é capaz de atrair tantos coturnos russos ao solo ucraniano quanto a ideia de que Washington quer colocar tropas da OTAN em cima da linha da fronteira russa e a um cuspe de distância da histórica base russa do Mar Negro, na Crimeia.

O mito do expansionismo soviético

Encontramos também referências constantes na mídia mainstream sobre o “expansionismo russo”e ao “império soviético”, além do velho favorito “o império do mal”. Esses termos derivam grandemente do controle de outrora sobre a Europa Oriental. Mas a criação desses satélites em seguida a 2.ª Guerra Mundial foi um ato de imperialismo ou de expansionismo? Ou esse ímpeto simplesmente está em todo lugar?

Em um intervalo de menos de 25 anos, as forças ocidentais invadiram a Rússia três vezes – nas duas guerras mundias e na “intervenção” de 1918-1920 – e fizeram 40 milhões de vítimas apenas nas duas guerras mundiais. Para levar adiante essas invasões, o Ocidente usou a Europa Oriental como estrada. É para surpreender alguém o fato de os soviéticos quererem fechar essa estrada depois da 2.ª Guerra? Em praticamente qualquer outro contexto, os americanos veriam esse gesto como auto-defesa. Mas no contexto da Guerra Fria esse tipo de pensamento não encontraria abrigo no discurso dominante.



Os estados bálticos da União Soviética – Estônia, Letônia e Lituânia – não faziam parte dessa estrada e frequentemente eram notícia pedindo maior autonomia em relação a Moscou, uma história “natural” para a mídia americana. Esses artigos invariavelmente lembravam o leitor de que “antigamente independentes”, os estados bálticos foram invadidos em 1939 pela União Soviética, incorporados como repúblicas da URSS, e “ocupados” por ela desde então. Outro caso de brutal imperialismo russo. Ponto final.

Acontece que os três países eram parte do império russo de 1721 até a Revolução de 1917, no final da 1.ª Guerra Mundial. Quando a guerra terminou em novembro de 1918, e os alemães foram derrotados, as nações aliadas vitoriosas (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e etc.) permitiram/estimularam as forças germânicas a permanecer nos Bálcãs durante mais um ano inteiro para sufocar qualquer traço de bolchevismo que ali houvesse; isso, com ampla assistência dos países aliados. Em cada uma das três repúblicas, os alemães instalaram colaboradores no poder que declararam independência do novo estado bolchevique que,devastado pela Guerra Mundial, pela Revolução e pela prolongada guerra civil provocada pela intervenção dos aliados, não teve outra alternativa a não se aceitar o fato consumado. O resto da desvalida União Soviética tinha que ser salvo.



Neste infeliz estado de coisas, ao menos para ganhar alguns pontos de propaganda, os soviéticos anunciaram que estavam deixando as repúblicas bálticas “voluntariamente”, de acordo com seus princípios de anti-imperialismo e auto-determinação. Mas não é de se surpreender que os soviéticos continuassem a considerar os países bálticos como parte legítima de sua nação, esperando até que tivessem fortes o suficiente para recuperar o território.

Então tivemos o Afeganistão. Certamente esta foi uma guerra imperialista. Mas a União Soviética tinha convivido pacificamente com o vizinho Afeganistão por mais de 60 anos sem devorá-lo. E quando os russos invadiram o país em 1979, a principal motivação foi o envolvimento dos Estados Unidos em um movimento, em grande parte islâmico, para derrubar o governo afegão pró-Moscou. Não se poderia esperar que os soviéticos tolerassem um estado pró-EUA, um governo anti-comunista em sua fronteira, mais do que se esperaria dos Estados Unidos poderiam que tolerassem um estado vizinho pró-soviético, o governo comunista no México.

Além disso, se o movimento rebelde assumisse o poder, ele provavelmente teria estabelecido um governo islâmico fundamentalista em uma posição de fazer proselitismo aos numerosos muçulmanos nas repúblicas de fronteiras soviéticas.




Fonte: A Pública
*oinversodocontraditorio

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