Os BRICS e o fim de Bretton Woods
Fatos
históricos importantes, muitas vezes, passam em branco para seus
contemporâneos. Nos dias 15, 16 e 17 de julho, em Fortaleza, ocorre a VI
Cúpula dos BRICS. As Cúpulas têm reunido os Chefes de Estado de Brasil,
Rússia, China, Índia e África do Sul anualmente desde 2009. A reunião
de Fortaleza deverá consolidar os BRICS como uma organização dotada de
instrumentos concretos para influir na economia e política
internacionais. Este evento não tem merecido a atenção devida na mídia,
na academia e nos debates da internet.
por Igor Grabois, especial para o Viomundo, 25 de maio de 2014 às 13:07
Os
círculos bem-pensantes e a mídia no Brasil se espelham na Europa e nos
EUA. Desprezam a integração sul-americana e torcem o nariz para as
iniciativas Sul-Sul. Uma política brasileira para a África provoca
reações entre o escárnio e a ojeriza.
Promovem
uma campanha sistemática contra o MERCOSUL. Querem a ALCA e o TAFTA
(acordo de comércio e investimentos entre EUA e União Européia).
Quanto
aos BRICS, a conversa é de que eles não têm nada em comum, exceto o
tamanho. Pois eles têm muitas coisas em comum: o inimigo.
Os
BRICS representam 43% da população mundial, 27% do PIB mundial e apenas
15% das cotas do FMI. Pelo critério do poder de compra, a China é a
primeira economia mundial, a Índia a quarta, o Brasil a sétima e a
Rússia a décima economia mundial. Estão fora do G-8, que voltou a ser
G-7, após a expulsão da Rússia em função da crise ucraniana.
Crescimento
econômico, agricultura, participação no comércio exterior, indústria,
produção de energia etc, todos os dados mostram a ascensão dos BRICS e a
estagnação do G-7.
Rússia,
Índia. China e Brasil aumentam a cada ano fiscal seus gastos militares.
Do G-7, apenas o Japão amplia seus gastos militares para se contrapor à
China. Os outros cortam gastos, inclusive os EUA, apesar do gigantismo
de sua máquina militar. A despeito da projeção dos países BRICS, há um
movimento para obstar a influência política e econômica desses países.
Neste
quadro, nada mais lógico do que a associação de Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul. Desde a primeira cúpula dos BRICS em
Ekaterinenburgo, em 2009, os acordos multilaterais e bilaterais se
multiplicaram. Ciência e tecnologia, energia, compartilhamento de
estatísticas, agricultura, energia, educação, defesa, espaço, em suma, a
materialização de uma tirada de um diretor do Goldman Sachs é veloz.
Enquanto os BRICS aprofundam os laços, a reação de EUA, União Européia e Japão é cada vez mais barulhenta.
Não
pode haver dúvidas dos verdadeiros alvos dos ataques dos EUA e União
Européia na Ucrânia, na Síria e na Venezuela. Os EUA resolveram, agora,
indiciar oficiais chineses por ciberespionagem... Snowden que o diga.
The Economist e Financial Times
assumiram o papel de porta-voz dos rentistas brasileiros e estrangeiros
na luta contra o que a política econômica brasileira pode ter de
intervenção estatal e distributivista.
Desde
1945, o mundo capitalista foi regido pelos acordos de Bretton Woods,
cidade do Massachusets, onde os vitoriosos da segunda guerra - sem a
União Soviética - se reuniram para elaborar medidas para evitar crises
como a de 1929.
Foi
criado um banco de desenvolvimento, o Banco Mundial e um fundo para
prevenir e combater crises cambiais, o FMI. E mais importante, elegeram o
dólar como moeda de conversibilidade internacional. A solvência de um
país passou a ser medida pela quantidade de dólares que possui.
Porém,
o arranjo de Bretton Woods mostrou sinais de esgotamento a partir da
crise do petróleo nos anos 70. A dívida dos países latino-americanos e
do leste europeu explodiu. A terapia do FMI matava os doentes, ao invés
de curá-los.
A
América Latina enfrentou a recessão econômica e a tragédia social sob a
égide do Fundo. E a política do Fundo não preveniu as crises cambiais,
ao contrário, contribuíram para agravá-las.
China
e Rússia, após a queda do socialismo real em 1989/90, não foram
absorvidos no sistema Bretton Woods. Argentina e Brasil, principais
clientes do Fundo, se livraram dos "empréstimos-ponte" na década
passada. O Fundo passa a ser visto como um estorvo, não uma solução. O
FMI se dedica, agora, a detonar as economias da Grécia, Portugal,
Espanha e Irlanda para garantir o euro e as aplicações de banqueiros
alemães.
Em
2010, no auge da insolvência dos países do sul da Europa, chegou-se a
um acordo no Conselho de Governadores do FMI. Haveria nova distribuição
das cotas do Fundo, diminuindo o poder de EUA, União Européia e Japão.
Em troca, os BRICS compareceriam com 70 bilhões de dólares. Um alívio
para a Europa em crise. O Congresso estadunidense, simplesmente,
rejeitou o acordo no início deste ano. A gestão do FMI continua como
dantes e os 70 bilhões não vão aparecer. Como diz aquela subsecretária,
f*-se a União Européia.
Fortaleza,
julho de 2014. Os Chefes de Estado dos BRICS assinarão o acordo de
criação do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos BRICS. Mais,
assinarão um Acordo Contingente de Reservas. Um Banco Mundial e um FMI
dos BRICS. China e Rússia fecharam acordo de fornecimento de gás
nominado em rublos e yuans. Brasil e China já fazem parte do seu
comércio nominado nas respectivas moedas nacionais.
As
duas entidades financeiras, inicialmente, terão atuação nos países
signatários. Nada impede que atuem junto a países fora dos BRICS. É só o
começo. Afinal, para que acumular dólares, aturar as idiossincrasias
das autoridades monetárias estadunidenses se os ventos batem em outra
direção?
*Pravda
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