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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 07, 2014

A Impugnação de Marina é Inevitável?




O Cessna Citation PR-AFA que matou Eduardo Campos e mais seis colaboradores enterrou, ao mesmo tempo, as possibilidades de Aécio, decolou a candidatura de Marina Silva e embolou o jogo eleitoral. Mas, apesar de ter beneficiado Marina, será agora um fantasma pairando sobre sua candidatura.
O problema é que o Cessna não tem dono. Um avião que custava R$ 20 milhões sem dono. E, no caso, isso é crime eleitoral. Não há outra possibilidade, dentro da legalidade, que não seja a impugnação da candidatura do PSB. Marina não chega ao final da campanha. Fora disso, é golpe ou bla-bla-blá.
O PSB e a candidata já foram cobrados publicamente por seus principais adversários e até pelo Jornal Nacional. Saíram pela tangente, pediram “tempo” para explicar, empurraram com a barriga. Fica no ar a impressão de que conseguiram, como pretendido, varrer a questão para debaixo do tapete. Nada mais ilusório.
A batalha parcialmente ganha pela teoria da postergação é apenas junto ao eleitorado menos informado. Efetivamente, a questão não abalou a ascensão de Marina nas pesquisas. Não cabe mais aos adversários fustigá-la publicamente, porque poderia sinalizar medo deste crescimento de Marina. Entretanto, a luta prossegue nos bastidores, junto à Polícia Federal, ao Ministério Público, aos formadores de opinião, à Justiça Eleitoral e até ao STF. Inevitável lembrar que o PSB tem pouquíssima influência sobre estes segmentos, que o PSDB já mostrou ter um domínio robusto deles, e que o PT complementa o território aberto nas bases tucanas. Ou seja: se o assunto for parar aí, Marina estará cercada de adversários.
Ainda há expectativa de que Marina possa ser vítima de suas próprias contradições e fraquezas. Para ficar num único exemplo, foi um desastre o que sua campanha fez em relação aos direitos civis dos homossexuais. No momento do lançamento de seu Programa de Governo, talvez para combater sua imagem de ultraconservadora, o PSB avançou bastante nesta questão. A reação das bases evangélicas foi dura e imediata. No dia seguinte, Marina anunciou o recuo e retirou oficialmente esta parte do programa. Em menos de 24 horas, conseguiu perder votos dos dois lados envolvidos e ainda reforçar a imagem de candidata nanica amarrada a compromissos inconciliáveis. Mais uns quatro movimentos assim destrambelhados no tabuleiro, e estará fora do jogo sem que ninguém precise fazer nada contra ela.
marinaINTjpgHá também uma sensação de que, independente do que faça ou diga, Marina teria atingido seu teto. Eu discordo, acho precipitado dizer isso, mas registro a opinião de muitos partidários de seus adversários diretos.
Caso não caia e continue capturando eleitores nas bases alheias, os demais candidatos não terão nada a perder em atacá-la diretamente (o que têm evitado até agora), ou através de artifícios de bastidores. É aí que a questão do avião – cujas investigações seguem caladamente – será seu calcanhar de Aquiles. É pouco provável que Aécio conceda cavalheirescamente seu lugar sem ao menos tentar abatê-la. Menos provável que Dilma entregue-a o segundo turno sem tirar os esqueletos de seu armário.
Se a decisão coubesse isoladamente às forças progressistas do Brasil seria caso perdido. Não há influência tanta junto ao Judiciário capaz de fazer a investigação e o processo andarem tão rapidamente. Se a decisão coubesse isoladamente às forças conservadoras, seria igualmente caso perdido: seria preferível guardá-lo na manga, de forma a utilizá-lo como instrumento de tutela de um possível governo de Marina, já previsivelmente enfraquecido no Congresso desde o primeiro dia.
O divertido da questão é que ela pode ser decidida pela soma das forças progressistas com o que resta de influência tucana junto ao MP e ao Judiciário. E, somadas, estas forças ainda são imbatíveis. Quanto mais numa causa em que basta aplicar a lei para que Marina fique de fora imediatamente.
A jurisprudência é inequívoca.
Por exemplo, vejam a Resolução 7289 do TRE do Distrito Federal:
“…a realização de despesas com combustíveis e lubrificantes sem o correspondente registro de cessão ou locação de veículos…” e “…a ausência de documentos comprobatórios de recursos estimáveis relacionados na “Descrição das Receitas Estimadas” constituem FALHAS INSANÁVEIS que ensejam a desaprovação das contas…” Desaprovação das contas significa impugnação de candidatura ou cassação de quem venha a ser eleito. Isso nunca aconteceu numa candidatura presidencial, mas já aconteceu em outros níveis. Seria um golpe contra a democracia deixar alguém concorrer sob regras especiais, acima da lei que já foi duramente aplicada a outro.
Não há documentação de cessão de veículo (avião) para a campanha. Teria sido tudo acertado “de boca” ou, na versão do Sr. Márcio França, tesoureiro de campanha de Marina Silva, “…documento de avião você carrega no avião. Se estava no avião, já não existem mais…” Um desrespeito, um escárnio, um tapa na cara da lei.
Ao se negar a definir o proprietário, o PSB, além de cometer crime, deixa na mão as famílias das vítimas do acidente e os proprietários dos imóveis afetados, que não têm a quem cobrar indenização.
learjet_45Segundo investigações da Polícia Federal e da imprensa, a coisa pode ainda piorar muito. O jato estava em situação de leasing, ainda registrado em nome da Cessna, mas com parcelas sendo pagas pela AF Andrade, empresa do interior de São Paulo em dificuldades financeiras. Segundo a AF Andrade, Eduardo Campos testou pessoalmente o avião em maio. Depois disso, armou-se uma complexa operação de compra, ou melhor, repasse do leasing. O teste da aeronave é forte indício de que houve participação de Eduardo na compra, de que a compra foi encomendado por ele, para que o avião servisse à sua campanha. Se Eduardo e o PSB são os compradores, há crime de Caixa 2 na campanha.
Pode piorar? Pode, e muito
A compra da aeronave foi encomendada à Bandeirante Pneus, uma empresa de Pernambuco que importa ilegalmente pneus usados (isso é crime ambiental) para reciclagem. Uma empresa que devia favores ao ex-Governador Eduardo Campos, que havia aliviado a fiscalização sobre suas atividades ilícitas. O caso, a estas alturas, vira corrupção pura e simples.
Mas piora ainda mais. Os pagamentos à AF Andrade, no valor de R$1,7 milhão até agora, vinham sendo feitos por um pool de seis CNPJs fantasmas diferentes, em 16 transferências. Dentre os endereços destas empresas, encontram-se uma peixaria, uma residência familiar, uma casa abandonada e uma sala vazia. A peixaria é a Geovane Pescados, que transferiu R$15mil. Procurado pelo Jornal Nacional, o Sr. Geovane, um pescador pobre da periferia do Recife, mostrou-se surpreso.
Segundo o PSB, a contabilidade do avião seria entregue ao final da campanha. Outra ilegalidade, já que o período coberto pelo acidente já exigia uma comprovação parcial de gastos. O PSB está tentando tornar um crime grave em pequena confusão de prazos. Talvez funcionasse, se o avião não tivesse caído e se tornado alvo de uma investigação oficial inevitável.
Qualquer que seja a contabilidade a ser entregue, o avião deveria ter sido locado ou emprestado por empresa cuja finalidade fosse a locação de aeronaves (táxi aéreo). Está na resolução 23.406 do TSE, que disciplina os gastos de campanha para este ano:
“… Art. 23 – os bens e /ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens permanentes, deverão integrar o patrimônio do doador…”
Nenhuma das empresas que efetuaram pagamentos à AF Andrade são empresas de táxi aéreo; a Bandeirantes Pneus também não; muito menos a própria AF Andrade. Portanto, não há como não caracterizar, novamente, crime eleitoral.
Resta a Marina alegar, como vem fazendo, que “não sabia de nada”. Isso pode aliviar a conta a ser paga junto ao eleitorado. Mas não alivia em nada sua situação em relação à Justiça. Para o TSE, a responsabilidade solidária é entre o partido (PSB) e seus candidatos. Marina é beneficiária e cúmplice do crime, apesar de provavelmente não ser culpada. Não há para onde fugir. A candidatura do partido será cassada.
O Ministério Público já abriu procedimento investigatório. Caso haja prevaricação do próprio MP ou do TSE, os partidos prejudicados protestarão. Deixar alguém concorrer sob regras diferenciadas seria um golpe.
A impugnação de Marina seria inevitável.

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