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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, fevereiro 01, 2015

Enquanto o bloqueio não for suspenso, é uma mera hipocrisia. Além disso, Cuba deve ser tirada da lista dos países terroristas.

Frei Betto revela detalhes do encontro com Fidel Castro

Frei Betto: "Para Fidel, EUA ainda são inimigos". Após encontro, teólogo conta que líder cubano está lúcido e que, embora veja aproximação com os EUA como positiva, considera que americanos precisam fazer mais

fidel castro frei betto
O líder cubano Fidel Castro (arquivo)
O teólogo brasileiro Frei Betto garantiu que o líder cubano Fidel Castro desfruta de muito boa saúde. “O comandante desfruta de muito boa saúde e muito bom humor”, disse Betto após o encontro.
O jornal oficial “Granma” tinha reportado que “Fidel e o destacado intelectual brasileiro Frei Betto celebraram na tarde da última terça-feira uma amistosa conversa, ao longo da qual abordaram variados temas nacionais e internacionais”.
“A entrevista foi celebrada em um clima afetuoso, característica das amplas e fraternas relações existentes entre Fidel e Betto”, acrescentou o jornal.
Frei Betto destacou que Fidel está sempre em sua “torre de observação privilegiada”, referindo-se a seu retiro doméstico, “mas sempre muito otimista”.
“Ele me perguntou do meu encontro com o papa Francisco. Ele tem uma profunda admiração pelo papa Francisco”, contou Betto, que também respondeu a perguntas de Fidel sobre o restabelecimento das relações entre Cuba e os Estados Unidos.
Fidel “sempre anotava em seus cadernos as coisas que eu lhe dizia”, acrescentou. Citado pela agência de notícias Prensa Latina, Betto afirmou ainda que “eu o vi muito bem, está magro, mas lúcido”.
Betto também concedeu entrevista à DW Brasil, que reproduzimos integralmente abaixo:
O que Fidel Castro comentou sobre a aproximação entre Cuba e Estados Unidos?
Ele disse que essa é uma iniciativa de paz, mas deixou claro que o governo americano ainda é visto como um inimigo. Não basta apenas estar disposto ao diálogo. Deve-se suspender o bloqueio econômico, anular as leis que determinam o embargo ao regime cubano [lei Torricelli e ata Helms-Burton] e tirar Cuba da lista dos países considerados terroristas. Meras formalidades, como troca de embaixadas, não são suficientes para dizer que as relações estão normais.
O que isso representa depois de mais de meio século do embargo imposto a Cuba?
Posso dar a minha opinião. Eu comentei com ele que a retomada das relações diplomáticas representa um encontro de um caminhão consumista com um Lada [marca russa do carro mais usado em Cuba] da austeridade. Por outro lado, eu disse que o fato de o presidente Barack Obama vir a público e admitir que o embargo não funcionou é assumir que foi derrotado pela resistência do povo cubano nesses 53 anos de bloqueio.
Como Fidel vê essa atitude de Obama?
Ele acha que a atitude de Obama significa uma mudança de métodos, mas Fidel quer saber quais são os objetivos. Se os métodos mudam e os objetivos, não, de nada adianta. Fidel deixou claro que os Estados Unidos precisam mudar o objetivo de querer colonizar Cuba e a América Latina, de querer achar que o modelo de democracia deles é o ideal para a humanidade.
Qual é o estado de saúde de Fidel Castro?
Ele está absolutamente lúcido. Eu até quis tirar uma foto para mostrar como ele está bem, mas ele preferiu não tirar. Ele está mais magro, mas absolutamente lúcido, e anotou tudo o que a gente falou durante a conversa. Anotar tudo é um costume. Ele é uma pessoa que sabe tirar informações e opiniões do interlocutor. Conversamos por uma hora e meia no final da tarde, acompanhados da mulher dele, Dalia. Eu vou uma vez por ano a Cuba e ele sempre me chama para ir à casa dele.
Você e o líder cubano têm uma relação fraternal de longa data. Você estava preocupado com a saúde de Fidel Castro, antes de encontrá-lo?
Eu estava preocupado, porque há muito tempo não se falava nada e ele não aparecia em público. Havia uma grande interrogação mesmo entre os próprios cubanos. Desde agosto do ano passado, ele não dava nenhum sinal de vida. Temia que ele estivesse muito doente, mas eu o encontrei muito bem em sua casa, acompanhando a Celac [Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe, na Costa Rica] pelo canal Telesur, enfim, muito tranquilo.
Durante a cúpula da Celac, que começou na quarta-feira, o presidente Raúl Castro disse que a aproximação não tem sentido sem um fim total do bloqueio.
Eu acho exatamente isso. Não adianta falar “vamos ser amigos” se você tem uma faca apontada para o meu pescoço. Enquanto o bloqueio não for suspenso, é uma mera hipocrisia. Além disso, Cuba deve ser tirada da lista dos países terroristas.
Você também esteve com o vice-presidente Miguel-Diaz Canel?
Na quarta-feira de manhã, ele e eu tivemos um encontro com o movimento estudantil na Universidade de Havana. Foi uma longa conversa sobre neoliberalismo e o reatamento das relações entre EUA e Cuba. Miguel concordou que esse é um passo importante, um reconhecimento.
Como os cubanos têm recebido essa mudança?
Os cubanos estão lidando com isso de uma maneira muito diplomática e elegante. Eles não querem tripudiar sobre o fato de Obama ter admitido que o embargo não funcionou. Como há muitos cubanos nos Estados Unidos, eles têm muito interesse em que esse reatamento seja feito o quanto antes, assim como têm interesse na ida de turistas americanos à ilha. A previsão é que, com o reatamento, Cuba receba cerca de três milhões de turistas dos EUA, o que ainda não foi autorizado por Washington. E isso é importante para a economia cubana. A questão para eles agora é trabalhar na infraestrutura.
Fidel ressaltou o papel do papa Francisco na retomada das relações diplomáticas entre os dois países?
Ele comentou com muita admiração, principalmente, a boa resposta que o papa deu sobre liberdade de expressão, ou seja, ela deve existir, mas não para ofender e humilhar. Referindo-se ao jornal francês Charlie Hebdo, o papa disse que “se xingasse a minha mãe, eu responderia com um murro”. Fidel gostou muito dessa resposta.
Como vocês se despediram?
Eu disse que continuo orando por ele e por Cuba. Ele agradeceu e eu desejei que Deus o abençoe.
*PragmatismoPolitico

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