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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, abril 29, 2012

Vladimir Safatle: Esquerda sem medo de dizer seu nome

 

 

por Vladimir Safatle,
Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo “lulismo” para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o início do século 21.
Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo conseguiu criar o fenômeno da “nova classe média”.
No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da população.
O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.
No entanto é bem possível que estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo gestado no governo anterior. O aumento exponencial do endividamento das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na mesa.
É fato que o país precisa de uma nova repactuação salarial. As remunerações são, em média, radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser bancados pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.
A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de imposto seria capaz de proporcionar.
Entretanto a universalização de uma escola pública de qualidade e de um serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira nababesca e que têm lucros milionários no sistema financeiro.
Algo dessa natureza exige, por sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de consensos do lulismo.Porém a força política que poderia pressionar essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome.
*VIOMUNDO

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