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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, maio 24, 2012

A escolha do dr. Márcio

Por Carlos Motta
Do Crônicas do Motta


Cachoeira e o dr. Márcio: o advogado fez sua escolha (José Cruz/ABr)

A foto do bicheiro Carlinhos Cachoeira na CPMI que investiga as suas relações com meia República mostra ao seu lado o seu advogado, Márcio Thomaz Bastos. É emblemática: um dos maiores contraventores do país sendo defendido pelo ex-ministro de Justiça do governo Lula. Água e óleo, sombra e luz, yin e yang, duas pessoas que representam lados opostos da sociedade, juntas num mesmo propósito.


Ao mesmo tempo, a foto revela o contraditório da democracia, que nivela os desiguais e, idealmente, dá a todos as mesmas oportunidades, sejam ricos ou pobres, baixos ou altos, gordos ou magros, brancos ou pretos, e possibilita o amplo direito de defesa para os acusados dos piores crimes.


É nesse ponto que o dr. Márcio entra na história. Um dos mais renomados advogados do país, ele deve ser procurado diariamente pelos mais variados tipos de clientes, desde aqueles que se meteram inocentemente numa encrenca até os mais cínicos delinquentes. Cabe a ele fazer a triagem dos casos que vai pegar, usando para isso critérios particulares, que não cabe a nenhuma pessoa julgar.


O dr. Márcio, leio na Wikipédia, já esteve, em sua longa carreira, ao lado de anjos e demônios: ajudou a acusar os assassino de Chico Mendes e defendeu os assassinos de um índio pataxó, por exemplo. A sua biografia conta que trabalhou em mais de mil julgamentos perante o Tribunal de Júri, muitos deles gratuitamente. Foi ainda um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, entidade cuja missão, explicitada em seu site, "é fomentar na sociedade e em instituições do Estado a idéia de que todos têm direito a ter uma defesa de qualidade, de ter ao seu lado o princípio da presunção da inocência, de ter pleno acesso à Justiça, de ter um processo justo e de cumprir a pena de forma digna. Tudo isso independentemente da classe social, de ser culpado ou inocente, ou do crime de que está sendo acusado. O que buscamos é criar um espírito de maior tolerância na sociedade".


As convicções do dr. Márcio na democracia talvez expliquem por que está ao lado do bicheiro Carlinhos Cachoeira na foto do seu "depoimento" à CPMI - duas horas e meia de um silêncio comprometedor.


Para muitas pessoas, porém, vê-lo ajudando um dos mais notórios contraventores do país, cuja atuação vai muito além de comandar uma quadrilha de jogos ilegais e se amplia no perigoso terreno da manipulação do poder institucional e da própria ordem pública, é estranho, para dizer o mínimo.


Quando deixou de lado o seu escritório de advocacia para se tornar ministro da República do primeiro governo trabalhista depois da ditadura militar, o dr. Márcio claramente assumiu um risco: o governo Lula, desde o início até o fim incomodou muita gente poderosa no país. O dr. Márcio foi um importante aliado na resistência às forças que tentaram, de todos os modos, defenestrar do Palácio do Planalto o ex-metalúrgico, além de ter aprofundado o trabalho de formar no país uma Polícia Federal realmente republicana.
Essa sua atuação, por si só, já o credenciava a se tornar uma figura de relevância na história recente do Brasil. Mas o dr. Márcio parece não se importar com isso, parece dar mais valor ao seu trabalho como advogado criminal, parece que tem prazer em exercer de forma radical o seu ofício, de cultivar a polêmica, de provocar a discussão sobre os limites éticos e morais do profissional do direito.


Se foi essa a sua escolha, nada contra. É uma pena, porém, que uma pessoa com tanto conhecimento e tanta experiência de vida abandone a causa pública e opte por ser feliz ao lado dos vários Carlinhos Cachoeiras que existem por aí e têm condições de pagar os seus honorários.



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