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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, janeiro 21, 2013

O PT e uma sensação que as pesquisas não medem

 
Do Viomundo - publicado em 20 de janeiro de 2013 às 20:57

por Luiz Carlos Azenha


Numa recente palestra na França, aquela em que, ao cobrir, a Folha tirou do contexto palavras do ex-presidente, Lula fez uma declaração de deixar a esquerda brasileira arrepiada, sobre o que ele vê como objetivos do trabalhador (a) brasileiro (a), quiçá mundial: um homem/mulher bonito (a) para casar, uma casinha, um carrinho e um computador/ipad/ipod.
Dado o tom descontraído em que foi feita a declaração, não devemos levá-la ao pé da letra. Porém, fica clara a dimensão material da “ideologia” do lulismo. Lula não se referiu no discurso à necessidade de conquistar o poder para atender àqueles objetivos que havia elencado, talvez um cacoete dos que não querem deixar o jogo muito explícito diante do adversário de classe. Mas ficou subentendido, já que quem discursava era um ex-presidente de dois mandatos.
Lula fez o nome no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo. Por obrigação de ofício, conheci a cidade operária nos anos 80. Não propriamente nas grandes greves do ABC, nem na história subsequente do Partido dos Trabalhadores. Eu era um repórter de TV iniciante, na TV Globo de Bauru, e vinha a São Paulo cobrir férias de outros repórteres.
Depois que os metalúrgicos inventaram “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”, a emissora deixou de enviar repórteres mais graduados para cobrir os eventos no ABC. Sofreram os de escalão médio, que nos contavam histórias passadas. Eu era peão. Fui lá em outras circunstâncias, gravar o Globo Cidade, boletim sobre problemas comunitários. Estive lá outras vezes, mas neste sábado passei algumas horas em São Bernardo por conta do jogo entre o time local e o Santos, na abertura do Campeonato Paulista.
Lula estava em seu camarote com dona Marisa e cartolas, o que diz muito sobre como o Brasil mudou nos últimos 30 anos. Havemos de concordar que boa parte das mudanças se deveu ao Partido dos Trabalhadores, com seus erros e acertos, virtudes e defeitos. A mídia corporativa, fiel aos ditames neoliberais do PSDB, mesmo sem querer contribuiu muito com o PT: o partido que ocupa o Planalto há dez anos, que administra estados e centenas de prefeituras, nunca sentiu-se confortavelmente no poder, por conta das críticas diárias e muitas vezes injustas.
E isso, de certa forma, faz bem, já que suscita os debates internos que podem levar o partido a avançar. Ou não.
O fato é que o estádio da Vila Euclides, hoje Estádio Primeiro de Maio, está um brinco. São Bernardo passou por uma transformação completa. A cidade operária é hoje uma cidade de classe média.
Cerca de 15 mil pessoas no estádio e eu, com um amigo, no meio da torcida do Bernô. Gente de todo tipo, como a gente sempre encontra nas arquibancadas de um estádio. Muitos superlativos: “O presidente tá aí hoje” (em São Bernardo, Lula não é ex); “tá na SporTv, tem gente do mundo inteiro olhando”; “o Samuel vai acabar com o Neymar”. Todas as jogadas em que o craque do Santos se aproximava da lateral, as pessoas corriam com os celulares para fotografar (a caminho do Ipad, diria Lula).
Na arquibancada, dezenas de meninos com o corte de cabelo e os brincos do Neymar, não por serem santistas, mas porque Neymar é um produto de seu tempo (e, lembrem-se, ascendeu na vida).
As crianças ao meu lado eram de uma família muito, muito simples. Estavam todas claramente encantadas com o espetáculo, desde os fogos de artifício da abertura até as malandragens do Neymar. Os pais complementaram a festa com salgadinhos e refrigerantes. Nem a chuva os espantou: a família comprou capas para todos, a 5 reais a unidade.
Apesar da derrota, sairam todos alegríssimos do estádio pelo simples fato de terem participado.
Quem conhece o Brasil, sabe que isso nem sempre foi possível.
Nas minhas viagens pelo país, sempre me encanta ver a alegria espontânea de quem antes não podia e hoje pode. Comprar carne, andar de avião, comprar celular com três chips (para escapar das tarifas altíssimas entre operadoras), comprar a Honda Biz ou Pop. Fico fascinado especialmente pela liberdade geográfica: quem antes não podia sair de sua região, hoje pode. De moto ou de avião. O cara que economizava na passagem de ônibus hoje vai ao Ibirapuera com a família, aos domingos. Quando o bilhete único do Haddad estrear, preparem-se: o que o cara antes gastava no transporte vai bombar o comércio e o lazer.
O Merval provavelmente se arrepia com tudo isso, mas o fato é  que desconhecer estes acontecimentos, em si, turva as análises políticas que ele produz. Estamos falando de algo que escapa ao Ibope ou ao Datafolha.
Por mais que a gente despreze esta ascensão material, ela se traduz também numa sensação de pertencimento que nenhuma pesquisa de opinião é capaz de medir. Pertencimento equivale, sem ser, a uma libertação de classe.
Faz alguns anos fui ao Quênia fazer uma reportagem sobre a família de Barack Obama. Ficamos em um hotel de Kisumu, na margem do lago Vitória.
Num momento de folga, fui ao bar do hotel, o mais chique da cidade. Fiquei de papo com o barman. A certa altura ele me contou que até hoje recebia visita de gente vinda dos confins do interior queniano. Aquele hotel tinha sido famoso durante o colonialismo britânico e era segregado, ou seja, exclusivo dos brancos. Tinha a primeira piscina de Kisumu, onde negros não se banhavam.
Alguns visitantes, segundo ele, não consumiam absolutamente nada: vinham para ter certeza de que, agora, podiam entrar. Vinham, olhavam e iam embora, provavelmente concluindo que, sim, os tempos tinham mudado.
Era a certeza de que agora pertenciam. Tinha a sensação, ainda que falsa, de que estavam plenamente integrados à sociedade.
Dividiam os ídolos (o zagueiro Samuel), os líderes (o Lula vem ao estádio comigo), os bens físicos (eu também posso ser explorado por preços caríssimos de refrigerantes) e imateriais (vou botar a foto do Neymar no Face e tirar uma onda desse moleque folgado que eu só via na Globo).
O grande problema da oposição brasileira é que, gostem ou não do PT, o partido está associado a esta sensação compartilhada hoje por milhões de brasileiros. Colocado de forma simples, o PT pode até ser aquele homem (mulher) feio (a), mas foi o único (a) que, no baile, me tirou para dançar. .

Ibope: PT ainda é o partido mais querido do País


Pesquisa do Instituto revela que o Partido dos Trabalhadores tem a preferência de 24% dos brasileiros, a léguas de distância do PMDB, que desponta com 6%, e do PSDB, que tem 5% dos eleitores; identificação com o partido demonstra que efeito de escândalos como o mensalão é relativamente limitado, o que confere à presidente Dilma uma boa vantagem na largada para 2014; cresce, no entanto, número de apartidários
“Uma pesquisa do Instituto Ibope, publicada neste domingo no jornal Estado de S. Paulo, dá ao Partido dos Trabalhadores razões para comemorar. A despeito de todos os escândalos recentes, como o mensalão, e daquilo que os dirigentes da legenda classificam como tentativa de "criminalização" da sigla, o PT é o partido mais querido dos brasileiros, com larga margem de vantagem. Segundo o levantamento, 24% dos eleitores declaram ter preferência pelo PT. Depois disso, vem o PMDB, com 6%, e o PSDB, com 5%.
O resultado confere à presidente Dilma Rousseff uma boa vantagem na largada para 2014. Mas há um dado relevante, que abre espaço para novas composições de forças. O número de apartidários, 56%, é o maior desde 1988 – o que demonstra um certo cansaço do eleitorado com a classe política.
Praticamente todas as legendas perderam simpatizantes. Segundo o Ibope, o PT já teve a preferência de 33% dos entrevistados, em março de 2010. Hoje, o número é de 24%. O PSDB, por sua vez, também assistiu a uma grande erosão de seus eleitores mais fiéis. Eles já foram 14% da região Sudeste, onde se concentra sua maior base, em 1995, e hoje são apenas 7%. E o PMDB, que no governo Sarney, logo após o Plano Cruzado, já teve a preferência de 26% dos brasileiros, hoje tem apenas 6%.
O desencanto com a política se expressa ainda em outra pesquisa Ibope, que apontou os partidos políticos como as instituições menos confiáveis do País. No caso do PT, no entanto, o partido teve relativo sucesso em fazer com que o apoio ao "lulismo" migrasse para o partido.”

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