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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, janeiro 19, 2013

Você só entende a Revolução Iraniana se conhecer o golpe promovido por americanos e ingleses

A história real por trás de Argo

Irã, 1979: a revolução foi consequência de um golpe dos Estados Unidos e da Inglaterra para derrubar um governo democrático 17 de janeiro de 2013
Você só entende a Revolução Iraniana se conhecer o golpe promovido por americanos e ingleses
Irã, 1979: a revolução foi consequência de um golpe dos Estados Unidos e da Inglaterra para derrubar um governo democrático
Argo, de Ben Affleck, foi um dos grandes destaques do Globo de Ouro. Para surpresa geral, o filme levou o prêmio de melhor drama. Affleck foi escolhido o diretor do ano.
O filme descreve o empenho de agentes da CIA para retirar americanos de Teerã no curso da Revolução Iraniana de 1979. O movimento varreu a ditadura do xá Reza Pahlevi, marionete ocidental, e instalou uma república islâmica, chefiada pelo aiatolá Khomeini. Khomeini logo declarou que os americanos eram o “grande satã” do mundo.
Por quê?
A notoriedade de Argo é uma boa oportunidade para discutir o caso.
Você tem que recuar um pouco mais para entender a crise Estados Unidos-Irã. Para 1953, quando o Irã experimentava uma democracia secular sob um líder popular, Mohammed Mossadegh. O Irã enfim se livrara de um regime manipulado pelo Ocidente, e Mossadegh acabaria virando primeiro-ministro. Ele tinha as credenciais necessárias: era um político íntegro, prático, honesto, competente e comprometido com os interesses do povo. Mossadegh de fundamentalista nada tinha. Chegou ao poder democraticamente, e era respeitado e admirado pelos iranianos.
Mossadegh era um líder secular admirado pelos iranianos
Mossadegh era um líder secular admirado pelos iranianos
Eram tempos particularmente complexos na geopolítica, o início da Guerra Fria que opunha Estados Unidos e União Soviética e ameaçava a humanidade de extinção, dadas as armas de cada parte.
Mossadegh nacionalizou a Anglo-Persian Oil Company (atual British Petroleum, ou BP), controlada pelos ingleses desde o início do século XX. Uma tentativa de renegociar o contrato original e dividir os lucros meio a meio fracassou. Mossadegh entendia que era hora de os recursos naturais do Irã, a começar pelo petróleo, serem usados para reduzir a pobreza enorme dos iranianos. Os iranianos vibraram com a nacionalização.
Os ingleses nem tanto. Um líder britânico de então – o ministro das relações exteriores, Ernst Bevin — comentou candidamente que, sem o petróleo do Irã seria impossível alcançar o padrão de vida a que “aspiramos” para os ingleses.
A solução era derrubar Mossadegh. Os ingleses convenceram os americanos de que o Irã sob Mossadegh poderia passar para a órbita soviética. Mossadegh, educado na França, não tinha simpatia nenhuma pelo socialismo. Mas isso não importava muito, ou nada, na realidade. A questão era o petróleo.
Os Estados Unidos entenderam que era importante, para seus interesses, derrubar a jovem democracia iraniana. A tarefa de minar Mossadegh foi entregue à CIA. Surgiria a Operação Ajax, cujos pormenores estão registrados em documentos da CIA que depois do número protocolar de anos deixaram de ser considerados confidenciais e estão abertos ao público.
Mossadegh acabaria derrubado em 1953.  Foi restalecida, pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, a dinastia Pahlevi, extremamente impopular entre os iranianos pela subserviência ao Ocidente e pela ganância ilimitada com que enriquecera ostensivamente no poder enquanto o povo arrastava sua miséria sem esperanças.
O modelo vitorioso da Operação Ajax seria usado muitas vezes depois pela CIA. Logo em 1954, na Guatemala. Em 1973, no Chile. As digitais da CIA apareceriam, menos nítidas mas igualmente marcantes, no golpe militar que derrubou o presidente João Goulart, no Brasil, em 1964.
Os iranianos foram obrigados a suportar o clã Pahlevi por 26 anos. Em 1979, mais ou menos como ocorreu agora em país como Tunísia e Egito, o povo disse basta. Pahlevi encontrou abrigo nos Estados Unidos. A embaixada americana em Teerã foi invadida por estudantes iranianos que mantiveram as pessoas ali retidas por 444 dias. Havia um simbolismo nisso. A Operação Ajax fora tramada exatamente ali.
Esse o contexto de Argo.
Alguns historiadores, vistas as coisas em retrospectiva, consideram que o preço pago pela Operação Ajax acabaria se tornando extraordinariamente caro para os Estados Unidos. A desastrosa presença americana no Oriente Média – um horror para invadidos e invasores – conheceu na Operação Ajax um marco de consequências piores do que qualquer previsão pessimista que se fizesse então.
Teria sido melhor para os Estados Unidos recusar o convite inglês para minar Mossadegh, mas o fato é que a resposta, depois de uma breve relutância, foi sim. 
Paulo Nogueira no DCM

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