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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 25, 2013

Joquim Pinheiro: Integração da ALBA vem da solidariedade dos povos





Pela Equipe de Comunicação da ALBA
Da Página do MST


A Assembleia dos movimentos sociais Aliança Bolivariana das Américas (ALBA), iniciada nesta quinta (16/5) na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), tem por objetivo criar uma união e integração, por meio de lutas em comum, dos povos e organizações da América Latina.

Segundo Joaquim Pinheiro, integrante da Secretaria Operativa de Movimentos Sociais da ALBA e da coordenação nacional do MST, "Os povos tem que participar destes processos. Não podemos deixar que sejam construídos sem a participação popular".

Confira abaixo a entrevista de Joaquim Pinheiro:
 

Desde a Carta do Fórum de Belém de 2009, ou até um pouco antes, em 2006, existem passos para criar a Articulação de Movimentos sociais em direção a ALBA, confluindo em uma assembleia de fundação que impulsione o processo. Em que momento chega essa articulação nesta primeira reunião ampliada?

Bem, é importante essa palavra: processo. Porque o que estamos construindo, todas as organizações e movimentos sociais do continente, é justamente isso: um processo, que tem como objetivo central, principal e estratégico construir a unidade entre os movimentos sociais do continente, e a partir desta, um horizonte único que é a integração popular. 
Uma integração de outro tipo, que vem de baixo. Cumprimos várias etapas de trabalho. Passamos por reuniões pequenas, mas amplas; inclusive, participamos de outros espaços como o Fórum de Belém em 2009 e antes, em 2008, na Guatemala. São passos que vão se dando, justamente porque estamos vivendo em um momento importante da conjuntura no nosso continente. 
Há vários governos que foram eleitos como consequência de processos de resistência contra o modelo neoliberal que se instaurou em todos os países do nosso continente, exceto Cuba.  
Então essas lutas que vem desde 1992, quando começamos com a exitosa campanha de resistência indígena, negra e popular, foram o primeiro momento importante deste processo de articularmos entre nós, de identificar um inimigo principal e fazer lutas conjuntas. 
Desde aí vieram outros processo como a campanha contra a ALCA. Não estamos inventando nada novo, estamos batalhando para poder concretizar a unidade e pensar conjuntamente com os movimentos sociais que tipo de integração queremos e como vamos avançar daqui para frente com os projetos de integração que estão ocorrendo no continente, e da participação decisiva, forte, importante, das organizações sociais. Os povos tem que participar destes processos. Não podemos deixar que sejam construídos sem a participação popular.
 

Até hoje a articulação dos movimentos sociais assume uma proposta institucional, que nasce em 2004 a partir dos governos de Cuba e da Venezuela. No entanto, o feito de nos reunirmos aqui é uma tentativa de autogestão, de construir um projeto de integração autônomo.
Como esse processo dos movimentos dialoga com a institucionalidade da ALBA, e mais à frente o fará com outros mecanismos, que surgem destes governos progressistas?

Os movimentos que atuam nesta articulação pensamos que a ALBA é uma proposta distinta, nova. Talvez possamos dizer que é uma proposta pós-neoliberal, quando analisamos a integração continental. 
Ela tem outros princípios, outra natureza, não é uma integração meramente comercial, ela vai mais longe. È uma integração do povo, com sua autodeterminação e com a soberania de cada país. É uma integração baseada na solidariedade. Essas são as bases da proposta da ALBA.
Foi justamente a partir da iniciativa dos governos de Cuba, da Venezuela e dos países que compõem a Alba, que fizeram uma abertura de diálogo com os movimentos, que possibilitaram a construção desta articulação.
Nesse processo percebemos que era importante ampliar o espaço para outros movimentos de países cujos governos não estavam integrando a ALBA. Nossa ideia é que possamos convergir, além deste espaço, as propostas com as ações em cada país.
 

Qual a diferença da articulação dos movimentos da ALBA tem em meio ao paronama de articulações atual, no qual também existem outras redes, campanhas que também articulam continentalmente os setores populares?

Esses outros espaços foram importantíssimos para toda a construção que fazemos aqui. Sempre participávamos, estávamos juntos, construímos as campanhas contra a ALCA, a dívida, a militarização.
Agora entendemos que é o momento de ter um espaço onde os movimentos sociais, especificamente os que tenham base social organizada, possam desenvolver alternativas de integração. Isso não significa que se vetam ou desmereçam.
Entendemos que é importante que sigam se articulando. Mas nós, para as organizações sociais, é importante organizar um espaço mais específico que nos permitirá atuar com mais força.
Por exemplo, dentro do Fórum Social Mundial nós temos a assembleia de movimentos sociais; mas aqui no continente queremos construir um espaço onde estejam unicamente os movimentos sociais que tenham base social organizada. Há outros espaços onde é possível a participação de organizações não governamentais, de outras entidades, e nós entendemos que é importante que continuem se organizando.
 

Esse processo de articulação enfrenta realidades nacionais, que revelam que as lutas comuns são diferentes em sua estrutura, dinâmica, tensões do campo político dos setores populares. Como o reascenso da luta social em cada país pode contribuir para a articulação?

Um dos princípios da nossa carta do Fórum de Belém é que não vamos nos inserir nos assuntos internos das organizações. Entendemos que aí há soberania, autonomia e as organizações tem que resolver seus problemas internos, que são parte da vida, da luta política e social.
Agora o que queremos e entendemos como possível a partir da articulação é que muitos dos movimentos estão olhando para algo mais além, a integração. Isso pode ser um papel importante da articulação: manter um espaço amplo para poder fazer os debates, as discussões e ações que são importantes como um continente comum. 
Dentro deste processo devemos distinguir nossos inimigos e eleger as ações comuns para um enfrentamento. Esse é o espaço para atuarmos de forma conjunta, mesmo que as organizações tenham discordâncias em seus países. É um espaço que pode servir, inclusive, para juntar as forças que muitas vezes tem alguma diferença em seus países.
Acredito que é um caminho que há que se ir construindo até que exista uma unidade. Sem esquecer as pequenas diferenças que muitos temos e que tentamos solucionar. Mas aqui temos alguns propósitos mais amplos para todo o continente.
É um espaço que dialoga com os movimentos, com os governos progressistas, com a realidade do continente sabendo quem são nossos principais inimigos.
 

A articulação dos movimentos sociais da ALBA tem em seu antecedente um processo histórico de busca de integração na América Latina, que vem com os principais libertadores das lutas por independência, e mais recentemente, era representado por Chávez. Que novos desafios a ausência do líder bolivariano impõe à integração? Que sentido estratégico essa integração tem no contexto atual?

Um dos princípios desta articulação é a solidariedade. Dentro da solidariedade reconhecemos as lutas que durante muito tempo lutamos com um objetivo como, como a liberação dos nossos países, nossos povos, do julgo imperialista.
Resgatamos a figura de Martí, de Bolívar, de Che, de outros lutadores e lutadoras que tem contribuído fundamentalmente para produzir conhecimento, ideias de libertação. E mais recentemente olhamos para os exemplos de muitos dos nossos companheiros e companheiras que seguem lutando, como Fidel, Chávez, que foi um dos grandes incentivadores destes processos e sempre esteve conosco nos momentos de construção, trazendo suas ideias, discutindo, e isso para nós foi fundamental.
Realizar a assembleia nesse momento, onde há uma conjuntura complexa no continente, com a Venezuela seguindo em sua batalha contra a direita fascista, todo o processo pelo qual passa Cuba; o que ocorre no Haiti, com as lutas dos camponeses e todo o povo para sair de uma crise muito profunda de intervenção e invasão; a situação do Paraguai que estivemos muito juntos lutando pela vitória do presidente Lugo e que foi derrubado por um golpe; estamos junto com as organizações sociais de Honduras que também passaram por um golpe.
Enfim, há uma situação muito dinâmica e forte. Essa assembleia vai ter que analisar esse processo e sair daqui com algumas propostas de ações ante à conjuntura para que possamos avançar. Porque se nós não nos organizarmos com ações concretas, com lutas, e construímos a unidade, é possível que haja um retrocesso de tudo que conseguimos.

É muito fácil identificar o inimigo quando se trata do imperialismo norteamericano ou europeu, mas cada vez mais o papel do Brasil no continente não deixa o menor resultado aos povos; É só ver o que ocorre no Paraguai, Bolívia e outros lugares.
O que acontece quando os movimentos sociais da América Latina – desses países especificamente integrados à articulação – estão lutando contra determinados acordos com o Brasil, que hoje tem um governo que responde a um campo mais progressista e dialoga com movimentos sociais brasileiros em alguns contextos?

Nós aqui no Brasil, principalmente os movimentos sociais que compomos a ALBA, integramos a Via Campesina, temos uma leitura de que se há alguma empresa brasileira – mesmo que seja de capital nacional – que tenha algum projeto nestes países que massacram os povos indígenas, os camponeses, que exploram os trabalhadores e se há uma reação destes movimentos, não temos dúvida de que vamos estar ao lado dos trabalhadores de qualquer país. 
E se temos que fazer uma luta aqui no Brasil, contra estas empresas, vamos fazer... isso está muito claro para nós. Porque entendemos que há um processo do capital, que não tem fronteiras. A luta tem que ser contra as empresas capitalistas. Portanto, há dois projetos em disputa no continente: o do império e o que defendemos, com um outro tipo de integração.
Temos que estar juntos e pressionar o governo brasileiro para que não apoie esses projetos. Essa é outra linha de trabalho: pressionar as empresas e lutar contra suas políticas de exploração. 
E entendemos que, ainda que os governos sejam progressistas, os movimentos tem que entender que há uma natureza dos governos e uma dos movimentos sociais. Se os governos não estão pressionados, vão fazer coisas pela lógica das empresas capitalistas.
Por isso temos que estar muito atentos de todas as ações, e uma reunião como esta é importante porque também vamos escutar quanto os processos de exploração avançaram, independentemente d nacionalidade da empresa. E a partir daí veremos o que fazer para estar mais junto dos trabalhadores.
*MST.org

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