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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 27, 2013

O canibalismo comunista da Veja



Praticamente nenhuma pessoa séria leva a revista Veja a sério. 
Sabe-se que é uma publicação humorística. Faz um humor meio sem graça,
 apelativo, rasteiro, como é o humor dominante na mídia brasileira atual.
 Mas há um traço de original nesse humor: ele é ideológico. Nesta semana, 
porém, Veja caprichou no ridículo. O texto “Os ossos do socialismo” 
é uma obra-prima de charlatanismo, de reacionarismo delirante e de besteirol 
histórico. Segundo o repórter, que assina a matéria, há uma relação direta
 entre canibalismo e comunismo.
 Em 1609, os primeiros colonos ingleses instalados em Jamestown, na América,
 loucos de fome, comeram os seus semelhantes.

Arqueólogos descobriram os ossos de Jane, vítima do canibalismo 
dos seus parceiros de aventura no Novo Mundo. 
A revista Veja não tem a menor dúvida: “Jane foi devorada por seus 
pares como consequência do fracasso do modelo de produção coletiva 
implantado nos primeiros anos da colonização dos Estados Unidos.
 A propriedade era comunitária, e o fruto do trabalho era dividido 
igualmente entre todos. Era, portanto, uma experiência que 
antecipava os princípios básicos do comunismo. Deu no que deu”. Uau! A 
cadeia estabelecida é imperativa: o coletivismo levou à preguiça, 
que levou à improdutividade, que levou à fome, que levou ao canibalismo. 
A saída viria com a propriedade privada. É reportagem
 para prêmio Esso de estupidez. Longe de mim defender o comunismo.
 O buraco é mais embaixo. Vejamos.

O autor tem a segurança dos tolos encantados com o lugar que 
ocupam na escala social: “Se não fosse o sistema fracassado, 
a situação dificilmente teria chegado a esse ponto”. 
Todos os demais aspectos de adaptação e de conjuntura
 são desconsiderados. O reducionismo ideológico surge 
como uma iluminação. A solução chega com um novo administrador, 
que impõe à propriedade privada: “A decisão despertou os traços
 hoje bem conhecidos do capitalismo americano: o empreendedorismo
 e a aptidão para a competição”. Disso teria decorrido que, 
em 1775, os americanos “já eram mais altos que os ingleses”.
 Tem gente batendo os dentes nos consultórios de dentista, onde
 Veja é campeã de leitura, de tanto rir. É um riso nervoso.

Nem os primatas do Pânico fariam melhor.

Para a pragmática revista Veja, no coletivismo, entre trabalhar
 e comer seus semelhantes, as pessoas escolhem a segunda opção.
 Um colono comeu a esposa grávida. Veja, enfim, descobriu a
 origem da expressão “comunista comedor de criancinha”. 
Na verdade, encontrou algo mais grave, o comunista comedor de feto. 
Sem contar que Duda Teixeira chegou ao elo perdido,
 a origem sempre procurada do capitalismo, o estalo: 
“Foi essa mudança, nascida do trauma de um inverno 
em que colonos caíram na selvageria que permitiu aos
 Estados Unidos se tornar o maior gerador de riqueza do planeta 
e o berço do capitalismo moderno”. 
O capitalismo nada mais é que uma reação ao canibalismo comunista. Agora é científico.

Não fosse grosseiro, eu diria: é a coisa mais idiota que li.







*Turquinho

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