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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 27, 2013

Veja mente até na morte de Roberto Civita

Roberto Civita morreu. Não sou daqueles que se regozijam pelo falecimento de alguém, pelo contrário, lamento por seu familiares e amigos. Não tem o que comemorar em uma morte.
A morte de Roberto Civita não irá mudar a linha editorial na editora Abril,  pelo contrário. Sem "festejos" ou "lamentos", não pretendia dedicar nenhuma linha a este fato aqui no blog. No entanto, após ler algumas das barbaridades que estão sendo publicadas pelos funcionários da Abril na sua revista principal revista: a Veja, não pude me furtar de fazer alguns comentários a respeito.
Era esperado que fossem publicadas uma grande quantidade de matérias exaltando as inúmeras e variadas qualidades que, supostamente, o falecido dono da revista tinha. Afinal, se nem a Veja rasgar elogios para o falecido patrão, quem o faria?
No entanto, estes elogios exagerados, ainda que esperados, tem caído naquilo que é a maior especialidade da Veja nos últimos anos: a mentira sobre os fatos.
Morreu o criador da Veja?
A começar pela própria manchete principal do site da revista, onde ela afirma que seria Roberto Civita o "criador de Veja". Na verdade foi Mino Carta (hoje editor da revista Carta Capital) o criador. O pai de Roberto Civita, Victor, é que teve a ideia de fazer uma revista semanal de informações. Para esta tarefa chamou o Mino, que já tinha dirigido a Quatro Rodas na Abril, para criá-la. Estes fatos são amplamente conhecidos, uma rápida googlada comprovará a "paternidade" da revista.
No entanto, é importante registrar que há uma meia-verdade nesta manchete da Veja: foi Roberto Civita que redefiniu a revista para seus padrões atuais. Foi Roberto que impulsionou a revista em sua atual orientação editorial, tornando a Veja a principal publicação do conservadorismo brasileiro, mais do que isso, a converteu em uma publicação de um notório reacionarismo delirante.
Roberto Civita, de aliado a opositor da ditadura
Roberto Civita tinha relações estreitas com a ditadura. Um bom exemplo desta relação foi a saída do Mino Carta da Veja.
Conforme o próprio Mino relatou em editorial publicado na Carta Capital (ed. 661/2010): “Veja sofria censura feroz”, conta ele no editorial, “enquanto a Editora Abril pretendia um empréstimo de 50 milhões de dólares (estamos em meados dos anos 70) para consolidar no Brasil dívidas contraídas no exterior. O próprio ditador Geisel, pela boca de Armando Falcão, ministro da Justiça (Justiça?), decretou seu niet, a não ser que se livrassem do acima assinado. Quem tiver dúvidas a respeito, leia o livro Fragmentos de Memória, de Karlos Rischbieter (Travessa dos Editores, 2007), que presidia então a Caixa Econômica Federal, à qual a Editora Abril recorrera”.
E conclui: “Tirei o meu modesto time de campo antes da expulsão. Pela elementar razão de que me recusava a negociar minha saída. Quem sabe levasse um bom dinheiro, espécie de comissão sobre o empréstimo da Caixa a ser concedido juntamente com o fim da censura. Ocorre que não queria um único, escasso centavo saído dos bolsos de Victor e Roberto Civita. Vici e Arci: assim hão de ser pronunciadas suas iniciais”.
O empréstimo aconteceu e Mino abandonou a revista Veja.
A foto a cima ilustra bem esta relação umbilical que havia entre o empresário da comunicação e a ditadura. Roberto Civita é visto nessa foto atrás do general João Figueiredo e ao lado do jornalista Augusto Nunes (Revista Veja) e de Elio Gaspari. Em primeiro plano, o "honrado" Paulo Maluf.
Roberto Civita como defensor da democracia
Se as suas ligações com a ditadura militar já seriam motivos para colocar em dúvida uma alcunha de "defensor da democracia" para Roberto Civita, as suas recentes atividades como um dos maiores impulsionadores do Instituto Millenium colocam em xeque está afirmação.
O instituto é integrado por empresários, executivos, jornalistas, economistas, comentaristas políticos e até humoristas que trabalham para a grande imprensa e destilam um discurso que flerta com o moralismo udenista. Instituto Millenium inspira-se nas extintas Ipes e o Ibad, organizações que datam do fim dos anos 1950 e início dos anos 1960 e que foram criadas para combater os movimentos sociais e o comunismo. Naquela oportunidade, tiveram um papel central para o golpe militar de 64. Tanto o Ibad quanto o Ipes serviram, como o Millenium, para organizar um fórum multidisciplinar, com forte financiamento empresarial, calcado no anticomunismo e na ideia de que o Brasil, como o mundo, estava prestes a cair na mão dos subversivos.
Derrotada nas urnas, o Millenium é uma tentativa de reproduzir este expediente em uma nova conjuntura, a ideia de um golpe, ainda que impraticável, não deixa de povoar o pensamento dos organizadores deste instituto. Roberto Civita era mais do que um simples apoiador, tinha posicionado a editora Abril como a principal "espinha dorsal" desta organização direitista e claramente anti-democrática.
Algo que, evidentemente, jamais será escrito ou comentado nas páginas da Veja.
Erick da Silva No Aldeia Gaulesa
*Saraiva

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