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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, maio 29, 2013

O HORROR INDESCRITÍVEL DA DITADURA BRASILEIRA: TORTURADORES COLOCARAM BARATA NA VAGINA DE CINEASTA

Comissão da Verdade do Rio ouve historiadora que teve corpo usado em ‘aula de tortura’

Vinícius Lisboa Repórter da Agência Brasil*
historiadora Dulce Pandolfi e a cineasta Lúcia Murat
historiadora Dulce Pandolfi e a cineasta Lúcia Murat
Rio de Janeiro – A historiadora Dulce Pandolfi e a cineasta Lúcia Murat emocionaram os integrantes da Comissão Estadual da Verdade e as pessoas que acompanharam seus depoimentos hoje (28) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Durante cerca de uma hora, elas relataram as agressões sofridas em quartéis e prisões no período da ditadura militar (1964-1985) e foram aplaudidas de pé pelos ouvintes. Dulce contou, inclusive, que seu corpo foi usado em uma aula de interrogatório que teve demonstração de choques elétricos e simulação de fuzilamento.
Primeira a falar, Dulce Pandolfi emocionou-se em diversos momentos e precisou fazer pausas. Atualmente pesquisadora da Fundação Getulio Vargas, Dulce tinha 21 anos e era membro da Aliança Nacional Libertadora (ANL) quando foi presa em 20 de agosto de 1970. Ela passou um ano e quatro meses em poder dos militares e disse que foi torturada psicológica e fisicamente durante três meses no quartel da Polícia do Exército, onde funcionava o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). “Quando entrei, ouvi uma frase que até hoje ecoa nos meus ouvidos: ‘Aqui não existe Deus, nem pátria, nem família’”.
No quarto mês de prisão, Dulce ficou no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro do Rio, e, nos seis meses seguintes, foi mantida no Presídio Talavera Bruce, em Bangu, até ser transferida para o presídio Bom Pastor, em Recife, sua terra natal.
A historiadora lembrou que o período mais severo foi o início, na primeira sessão de tortura, quando os militares tentaram obter o maior número possível de informações antes que seu desaparecimento fosse constatado pela ANL e por familiares. O método mais usado foi o choque elétrico, com o corpo molhado e preso ao pau de arara, contou Dulce, que foi também espancada e teve um jacaré colocado sobre seu corpo nu. A “aula de tortura”, para demonstrar a eficácia dos choques elétricos em cada parte do corpo, foi quando ela completou dois meses de prisão. Ela não resistiu, precisou ser socorrida, mas a “aula” continuou momentos depois, com respaldo médico, no pátio do quartel. Foi aí que houve a simulação de fuzilamento, com militares apontando para ela um revólver com apenas uma bala.
“Essas coisas não podem ser naturalizadas. É como a miséria, é como ver uma pessoa caída no chão e achar normal. Esse é o grande ponto”, disse Dulce Pandolfi após o depoimento.
A cineasta Lúcia Murat também foi espancada e sofreu choques elétricos e até abuso sexual por parte dos militares. Ela foi presa pela primeira vez em outubro de 1968, em um congresso estudantil, mas ficou apenas uma semana detida. Com a publicação do Ato Institucional 5 (AI-5), em dezembro daquele ano, com medo da prisão, Lúcia passou a viver na clandestinidade, mas foi encontrada e levada em 1971 para o mesmo quartel em que Dulce foi presa, e ficou detida três anos e meio.
Lúcia contou que as primeiras horas de tortura foram as mais intensas e que chegou a perder os movimentos das pernas por algum tempo. Na tentativa de se suicidar, ela chegou a enganar os militares para ser levada a uma varanda, fazendo-os acreditar que daria sinal para militantes, mas uma substituta encenou no lugar dela: “Foi a pior sensação da minha vida. A de não poder morrer”. Lúcia chegou a ser levada para Salvador, onde foi apenas interrogada, e trazida de volta ao Rio de Janeiro. Em outra ocasião, ao participar de uma auditoria na Marinha, denunciou a tortura perante juízes militares, que a mandaram de volta para o DOI-Codi, onde sofreu deboche e mais sessões de tortura. 
 Além das agressões e dos choques elétricos no pau de arara, Lucia também teve baratas espalhadas sobre seu corpo nu. Os torturadores chegaram a colocar uma delas em sua vagina.
Tanto Dulce Pandolfi quanto Lúcia Murat destacaram o sadismo dos militares durante as sessões de tortura, embora lembrassem que foram tratadas de forma “mais humana” por outros. As duas contaram que um soldado se ofereceu para levar bilhetes para seus parentes e que as mensagens chegaram aos destinatários.
O coordenador da comissão e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, Wadih Damous, disse que o objetivo das sessões é sensibilizar a população: “É preciso mostrar, sobretudo aos mais jovens, que a tortura foi uma política de Estado e que pessoas corriam risco de vida por pensar [de maneira] diferente”. Ele informou que estão previstos outros depoimentos, inclusive de agentes civis e militares da época.
Diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque considerou fortes os depoimentos e disse que eles são uma forma de olhar para problemas atuais: “Foi o relato de um momento histórico em que o governo foi carrasco, foi algoz. Esses trabalhos são também para convidar a sociedade e os jovens a refletir sobre essa história e a enfrentar os problemas que ainda persistem hoje. No momento em que estamos ouvindo esses relatos, há pessoas sendo torturadas nas prisões.”  *(com trecho da AE)
*Educaçãopolitica

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