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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, junho 07, 2010

KKK esta só rindo se não fosse trágico

- Ter medo

Você nunca será um membro da Classe Média de verdade, se não compartilhar um nobre sentimento com seus colegas: o medo. O médio-classista, por definição, é um amedrontado por natureza. Isto advém do fato de que, para ser uma pessoa privilegiada ("graças a Deus, mesmo com todas as dificuldades"), é necessário que exista alguém em uma condição inferior, ou seja, "que não goste de trabalhar nem estudar" e por isso não tenha uma vida "remediada" como a sua. E é por isso que a vida do médio-classista parece um mundinho de cristal: qualquer coisa fora do mínimo controle pode por tudo a perder.

O medo da Classe Média se baseia na preocupação com as três coisas mais importantes para a vida de uma pessoa: o patrimônio, a própria saúde e a família (nesta ordem). E graças ao hábito de se manter bem informado (lendo Veja, assistindo Jornal Nacional e Fantástico), o colega sabe muito bem que viver é perigoso. Logo, o Juninho não pode andar de bicicleta na rua, porque pode ser atropelado, desaparecer misteriosamente ou, pior de tudo, ter a bicicleta roubada. Graças a Deus inventaram os condomínios, né! E a filhinha tem que levar a máscara e o álcool em gel para o balé, porque essa gripe suína está matando mesmo, está uma loucura. Desse jeito, será preciso cancelar a viagem a Buenos Aires... humm... não.... aí também já é exagero. Como se não bastasse, a TV vai sempre te lembrar que há muito a temer todos os dias. A Dilma Roussef, por exemplo, te causará um frio na espinha, sempre que aparecer na telinha com o Bonner narrando suas barbaridades.

O lado bom é que a economia se movimenta. Afinal, donos de lojas de arame farpado e fabricantes de alarme, circuito interno de vigilância, armas, "insulfime", blindagem de carros corretores de seguros, são todos da Classe Média: também têm que pagar a escola dos filhos e o plano de saúde, e já que isso é pra te proteger desse mundo perigoso, acaba sendo um dinheiro bem investido.


Se você, aspirante à Classe Média, ainda não consegue sentir tanto medo de tudo, não se preocupe. Experimente duas semanas ouvindo a Míriam Leitão, lendo a Folha e assistindo qualquer jornal na Globo. Enquanto o medo não vem, você já pode ir adquirindo seus kits de proteção. Não ligue se não houver nenhum estranho de olho no que é seu. O principal neste momento é ostentar sua cerca elétrica, para que a vizinhança toda preste mais atenção no seu carro recém-adquirido em sessenta vezes. Quem sabe até os ladrões se interessem e façam seu investimento em segurança ter alguma utilidade prática...

- Praticar o "cada um por si" no trânsito

Para quem quer se comportar como a Classe Média brasileira, um ótimo ambiente de observação é o trânsito de nossas grandes cidades. Ali podemos estudar, por imersão total e com riqueza de detalhes, os valores deste peculiar grupo social.

O médio-classista encara o trânsito como se fosse uma grande batalha em defesa do seu direito individual prioritário de ir e vir, o que significa que cada indivíduo da Classe, no trânsito, tem prioridade um sobre o outro e vice-versa (numa estranha equação ainda não resolvida pela matemática). E todos têm prioridade sobre os pedestres (este ponto já é bem mais fácil de entender).

Para encarar o trânsito, cada cidadão da Classe deve estar equipado com seu carro. Se uma moradia médio-classista possui, por exemplo, 4 habitantes em idade para serem condutores, o ideal é que ali haja 4 carros. O carro é uma importante propriedade desses cidadãos, e seu interior é seu mundo particular, uma extensão de sua casa sobre rodas. Por isso, o carro para este público precisa ser equipado com "insulfim", equipamento de som, ar-condicionado e lugar para no mínimo cinco passageiros (para levar objetos e peças de vestuário, uma vez que raramente o carro do médio-classista trafega com mais de uma pessoa além do motorista). Tudo isso garante que o que realmente importa (o mundo particular do condutor) esteja muito agradável, a fim de evitar o contato com o mundo exterior, totalmente desprezível. Para este, há um mecanismo de comunicação denominado buzina.

Você, aprendiz de médio-classista, precisa aprender que, para ser da Classe, é necessário se revoltar com as atuais condições do trânsito. Assim, no seu papel de cidadão politizado e pagador de impostos, deve exigir das autoridades que abram espaço na cidade para mais carros. Que desapropriem, botem a cidade abaixo, mas garantam a duplicação das vias até resolver o problema (o que provavelmente será quando a cidade for um grande plano de asfalto). Fique revoltado também pelo fato de o Governo se preocupar mais em, violentamente, coibir seu direito sagrado de ingerir álcool, do que abrir mais acessos pro seu carro trafegar mais rápido.

Também é preciso aprender a se comportar neste ambiente. Se você quiser se parecer realmente com alguém da Classe, ande sempre na frente dos outros. Se alguém sinalizar que quer mudar de faixa e ficar à sua frente, mesmo que você esteja um pouco longe, acelere loucamente para passar à frente dele antes que ele realize a manobra. Logo, sabendo que todos agirão assim, dispense o uso da seta (pode até pedir o mecânico para desativar a sua). Você não tem que dar satisfações sobre pra que lado vai virar ou se quer ou não mudar de faixa.

Portanto, aspirante, o primeiríssimo passo para entrar na Classe é abandonar o transporte coletivo, o metrô e até mesmo a bicicleta (esta somente pode ser usada para lazer, e mesmo assim, deve ser transportada de carro até o local do uso). No transporte coletivo você está num espaço público, sujeito a ficar perto de pobres e nada ali é "só seu". É muito melhor que você trafegue dentro de sua bolha de vidro e metal, "privatizando" (aprenda a adorar esta palavra) cerca de 10m² do espaço público, com uma máquina de 1000kg que queimará petróleo para transportar uma pessoa de 70kg, a fim de garantir seu merecido bem-estar até seu destino. Você tem direito, você é da Classe Média.

do Classe Média Way of life

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