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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, junho 08, 2010

Noam Chomsky Do The New York Times a palavra de um Judeu de palavra

Há décadas, Israel comete crimes como o do ataque à flotilha

Noam Chomsky
Do The New York Times

O ataque violento de Israel à Flotilha da Liberdade que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza chocou o mundo.
Sequestrar barcos em águas internacionais e matar passageiros é, com certeza, um crime grave. Mas o crime não é nada novo.
Há décadas, Israel vem sequestrando barcos entre o Chipre e o Líbano e matando ou sequestrando passageiros, algumas vezes mantendo-os como reféns em prisões israelenses.
Israel supõe que pode cometer tais crimes com impunidade porque os Estados Unidos os toleram e a Europa geralmente segue a direção dos EUA.
Como os editores do The Guardian muito bem observaram em 1º de junho, "se ontem um grupo armado de piratas somalis tivesse entrado em seis barcos em alto mar, matando pelo menos 10 passageiros e ferindo muitos outros, uma força-tarefa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estaria se dirigindo hoje para a costa somali". Nesse caso, o tratado da Otan determina que seus membros prestem ajuda a um país companheiro na Otan - a Turquia - atacado em alto mar.
O pretexto de Israel para o ataque foi que a Flotilha da Liberdade estava transportando materiais que o Hamas poderia usar para construir bunkers e lançar foguetes contra Israel.
O pretexto não é crível, Israel pode facilmente colocar um fim na ameaça dos foguetes por meios pacíficos.
O contexto histórico é importante. O Hamas foi considerado uma maior ameaça terrorista quando venceu uma eleição livre em janeiro de 2006. Os Estados Unidos e Israel reforçaram suas punições de palestinos, agora pelo crime de votarem da forma errada.
O cerco a Gaza, incluindo um bloqueio naval, foi uma consequência. O cerco se intensificou acentuadamente em junho de 2007, depois que uma guerra civil colocou o Hamas no controle do território.
O que é comumente descrito com um golpe militar do Hamas foi, na verdade, incitado pelos Estados Unidos e por Israel, em uma rude tentativa de reverter as eleições que tinham levado o Hamas ao poder.
Isso é de conhecimento público desde pelo menos abril de 2008, quando David Rose relatou na Vanity Fair que George W. Bush, a conselheira de Segurança Nacional Condoleezza Rice e seu vice, Elliott Abrams, "apoiaram uma força armada sob o comando do homem forte do Fatah Muhammad Dahlan, desencadeando uma sangrenta guerra civil em Gaza e deixando o Hamas mais forte do que nunca". O terror do Hamas incluía lançar foguetes nas cidades israelenses próximas - ato criminoso, sem dúvida, embora seja apenas uma minúscula fração dos crimes rotineiros dos Estados Unidos e de Israel em Gaza.
Em junho de 2008, Israel e o Hamas firmaram um acordo de cessar-fogo. O governo israelense o reconheceu formalmente até que Israel quebrou o acordo em 4 de novembro daquele ano, invadindo Gaza e matando meia dúzia de ativistas do Hamas. O Hamas não disparou um único foguete.
O Hamas propôs renovar o cessar-fogo. O gabinete israelense avaliou a oferta e a rejeitou, preferindo lançar sua invasão assassina de Gaza em 27 de dezembro.
Assim como outros estados, Israel tem o direito à autodefesa. Mas Israel tinha o direito de usar a força em Gaza em nome da autodefesa? A lei internacional, incluindo a Carta das Nações Unidas, não apresenta ambiguidades: uma nação tem esse direito apenas se esgotou os meios pacíficos. Neste caso, tais meios não foram sequer tentados, embora - ou talvez porque - houvesse todas as razões para se supor que teriam funcionando.
Dessa forma, a invasão foi uma agressão claramente criminosa, e o mesmo pode ser dito sobre Israel ter recorrido à força contra a flotilha.
O cerco é brutal, destinado a manter os animais enjaulados quase mortos com o objetivo de evitar o protesto internacional, mas não mais do que isso. É o último estágio dos antigos planos israelenses, respaldados pelos Estados Unidos, para separar Gaza da Cisjordânia.
A jornalista israelense Amira Hass, uma importante especialista em Gaza, descreve a história do processo de separação: "as restrições ao movimento palestino que Israel introduziu em janeiro de 1991 reverteram um processo iniciado em junho de 1967. Naquela época - e pela primeira vez desde 1948 -, grande parte da população palestina vivia novamente no território aberto de um único país - sem dúvida, um país que estava ocupado, mas, no entanto, estava inteiro".
Hass conclui: "A separação total da Faixa de Gaza da Cisjordânia é uma das maiores realizações da política israelense, cujo objetivo preponderante é evitar uma solução baseada em decisões e entendimentos internacionais e, em vez disso, ditar um acordo baseado na superioridade militar de Israel".
A Flotilha da Liberdade desafiou essa política e, por isso, deve ser esmagada.
Um esquema para encerrar o conflito árabe-israelense existe desde 1976, quando os países árabes introduziram uma resolução do Conselho de Segurança exigindo o estabelecimento de dois estados na fronteira internacional, incluindo todas as garantias de segurança da Resolução 242 das Nações Unidas, adotada depois da guerra de junho de 1967.
Os princípios essenciais são virtualmente apoiados pelo mundo todo, incluindo a Liga Árabe, a Organização dos Estados Islâmicos (incluindo o Irã) e protagonistas importantes que não são estados, incluindo o Hamas.
Mas os Estados Unidos e Israel lideraram a rejeição a esse arranjo por três décadas, com uma exceção crucial e altamente instrutiva. Em seu último mês no cargo, em janeiro de 2001, o presidente Bill Clinton iniciou em Taba, no Egito, as negociações entre israelenses e palestinos, que quase chegaram a um acordo, anunciaram os participantes, até que Israel encerrou as negociações.
Hoje, o legado cruel de uma paz fracassada continua a existir.
O cumprimento da lei internacional não pode ser exigido contra os estados poderosos, a menos que por seus próprios cidadãos. Isso é sempre uma tarefa difícil, particularmente quando a opinião articulada declara que o crime seja legitimado, seja explicitamente ou por meio da adoção tácita de um sistema criminal - o que é mais insidioso, porque torna os crimes invisíveis.

Noam Chomsky é professor emérito de lingüística e filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, Massachusetts. Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.
Fonte: Terra Magazine

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