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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, setembro 15, 2010

Cuba Plano de Reorganização Laboral





Cuba, aviso aos navegantes apressadinhos

Sanguessugado do Sarrabulhada

Os despedidos de Cuba não vão ficar sem emprego - vão trabalhar de forma diferente

A saída de 500 mil funcionários dos quadros do Estado é mais um passo no sentido da abertura da economia à iniciativa privada. Não é uma mudança radical do regime vigente em Cuba, mas é uma das reformas mais abrangentes do sistema laboral e que confirma a paulatina abertura da economia à iniciativa privada. Um em cada cinco trabalhadores de Cuba vai deixar de ser pago pelo Governo nos próximos seis meses, e poderá estabelecer o seu próprio negócio, determinar um preço para os seus serviços e até contratar pessoal. Para José Raúl Perales, do Programa Latino-Americano do Woodrow Wilson Center de Washington, "é importante perceber que o plano de despedimentos anunciado pelo Governo não significa que 500 mil cubanos vão ficar sem emprego". Em entrevista telefónica ao PÚBLICO, explicou que, "na sua maioria, eles vão continuar a fazer o mesmo que faziam, só o tipo de organização em que o fazem é que vai ser diferente". A Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), estrutura sindical oficial, confirmou em comunicado que "pelo menos" 500 mil trabalhadores (ou seja, um quinto da força laboral da ilha das Caraíbas) vai perder o seu vínculo ao Estado nos próximos seis meses. O processo de despedimentos vai começar no mês de Outubro e prolongar-se até ao fim do primeiro trimestre de 2011. De acordo com a BBC Mundo, que teve acesso ao cronograma do Governo, os despedimentos vão começar no dia 4 de Outubro e afectar os ministérios do Açúcar, Saúde, Alimentação, Turismo e Agricultura. A maioria dos postos de trabalho a eliminar pertence à área administrativa (burocracia). O objectivo é que 80 por cento do quadro de cada ministério, instituto ou companhia estatal sejam compostos por pessoal do "sector produtivo". O sistema de remunerações também será revisto: um novo método em que os trabalhadores são pagos em função dos resultados alcançados vai ser posto em prática, de forma a "promover a produtividade". O comunicado da CTC antecipa nova ronda de despedimentos no futuro. Em Abril, o Governo estimara que o número de funcionários públicos "supérfluos" chegava a um milhão. "O Estado não pode nem deve continuar a manter meios de produção e companhias da área dos serviços com quadros inflacionados e prejuízos na sua actividade. É uma situação contra-produtiva que causa danos à economia, cria maus hábitos e distorce a conduta dos trabalhadores", referiu a central sindical. Cerca de 85 por cento da população activa em Cuba (5,1 milhões de pessoas) é paga pelo Estado, que domina os meios de produção e controla toda a actividade económica. Segundo os números do Gabinete Nacional de Estatísticas, só 591 mil pessoas trabalham no sector privado. O Governo apresentou o seu Plano de Reorganização Laboral como uma "oportunidade" para os funcionários públicos, que poderão estabelecer-se por conta própria. Actualmente, só existem 143 mil autorizações de trabalho para cuentapropistas - no âmbito da reforma, serão emitidas mais 460 mil licenças e abertas mais cem actividades à iniciativa privada. Os novos empresários poderão abrir contas bancárias, contrair empréstimos para os seus negócios e fornecer serviços ao Estado (por exemplo, limpezas ou refeições). E, pela primeira vez, serão autorizados a contratar trabalhadores que não sejam os membros da sua família. Depois terão de fazer descontos em nome dos seus funcionários e de pagar impostos sobre os lucros - o Governo calcula quadruplicar as receitas. Para José Raúl Perales, esta decisão não implica uma transformação profunda da matriz socialista da economia. Aliás, nota "é consistente com outras medidas do Governo", como o alargamento da gestão das cooperativas agrícolas. Mas o especialista não desvaloriza a decisão de Raúl Castro, porventura a mais importante desde que assumiu a presidência, em 2008. Num discurso perante a Assembleia Nacional, no mês passado, Raúl sublinhou que era preciso "erradicar de vez a ideia de que Cuba é o único país do mundo em que as pessoas podem viver sem trabalhar", numa referência à máxima popular famosa na ilha: "Pagam-nos para não trabalhar". Contudo, a preponderância do Estado na economia não está em causa. "É interessante que o Governo se esteja a focar no aspecto produtivo e regulatório e a tentar alocar recursos racionalmente. Mas a vida destes trabalhadores vai continuar a ser fortemente subsidiada pelo Estado, que paga a habitação, a educação, os transportes", recorda Perales. O analista acredita que a transição dos trabalhadores do sector público para o privado será "pacífica", mas duvida que seja "ordeira". "Não será o business as usual, isso é garantido. O plano introduz incerteza, mas, neste caso, essa é uma consequência positiva", considera.

Artigo da jornalista Rita Siza, no Público.

Nota: reproduzo este artigo na integra, dado que considero ser um caso raro na imprensa convencional portuguesa em que evitando os soundbytes idiotas do costume, se explica e contextualiza com seriedade as mudanças que se estão a passar em Cuba neste momento. Mudanças que quem acompanha com atenção o percurso da Revolução Cubana, sabe que são medidas preparadas e anunciadas à já algum tempo e que traduzem a evolução de um modelo que se adapta às dificuladades da crise económica mundial e evolui sem colocar em causa os seus príncípios básicos de soberania nacional e justiça social.

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