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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 05, 2010

Mino Carta

Calúnias, má memória e escola ruim

Calúnias, má memória e escola ruim

No editorial dessa semana, Mino Carta argumenta contra os que acusam CartaCapital de ser leniente com o governo Lula e defende o apoio à candidata Dilma Rousseff

Por uma série de boas razões que não vale a pena declinar agora estou a colecionar aleivosias variadas perpetradas contra CartaCapital. Calúnias, para ser preciso. Em um texto de quatro anos atrás, um colega (colega?) jornalista chegou a afirmar em papel impresso que apoiamos a candidatura de Lula à reeleição para, em troca, contar com a presença do presidente da República na cerimônia anualmente realizada para premiar as empresas mais admiradas no Brasil. Tratou-se, segundo o autor, de uma verdadeira operação comercial, na linha do do ut des, ou facio ut facias.

Há quem some periodicamente os anúncios publicados em CartaCapital para registrar quantos são do governo e quantos da iniciativa privada. Há quem sustente que o próprio presidente da República nos encomenda reportagens convenientes à sua política, por exemplo, algumas de anos atrás a respeito de Hugo Chávez. Mas que fazer? Mino Carta não tem “capacidade” de atestar sua honradez.

Outro é o tom da carta de um jovem estudante de jornalismo (não cito o nome para não constrangê-lo). Ele fica “ávido em receber CartaCapital toda semana” porque a considera “a vanguarda da imprensa brasileira”. Mesmo assim, confessa ter dúvidas a respeito da nossa posição a favor de Lula e de Dilma Rousseff. Será que exageramos? Neste mesmo espaço, inúmeras vezes, e em outros da revista, fomos severos críticos do governo e não pretendo agora voltar a este assunto.

Temos, porém, a convicção de que Lula é um divisor de águas na história do País. Em primeiro lugar, porque um ex-metalúrgico chegou ao poder em lugar dos costumeiros engravatados e a maioria dos brasileiros achou-se muito bem representada. Tal seria, de alguma forma, um mérito involuntário, embora determinante de uma identificação que garante de saída a popularidade. -Há -outros, contudo, e são do seu governo.

Dois, sobretudo, na visão de CartaCapital. Nestes últimos oito anos, a preocupação social inspirou diversas ações governistas, de maneira muito mais clara e firme do que em governos anteriores. Além disso, deu-se com Lula uma alteração profunda na política exterior, altamente benéfica a nosso ver. Colham as provas na satisfação reinante nas classes menos favorecidas e no prestígio de que gozam mundo afora o País e seu presidente.

Muito há por fazer em termos de política econômica. A industrialização clama por políticas destinadas a apressar a transformação de um país exportador de commodities e sair dos impasses criados por uma taxa de juros recordista mundial. CartaCapital acredita que Dilma Rousseff não significa somente a continuidade, mas também condições de avançar em relação aos efeitos positivos da atuação de quem a precedeu.

O que mais tenho procurado, e aqui falo na primeira pessoa, é defender a minha honra, meu único capital. O estudante acredita que eu já tenha praticado o jornalismo dos donos do poder por ter sido o primeiro diretor de redação de Veja. Permito-me um passeio pelo passado. Desde quando saí da Veja, tenho de inventar meus empregos, porque não há lugar para mim na chamada grande (grande?) imprensa. Os interesses deles não coincidem com os meus. Só um dos patrões do pretenso quarto poder me ofereceu espaço no seu jornal, Otavio Frias de Oliveira e, a despeito das diferenças entre nós, não o esquecerei até o fim da minha vida.

Ah, sim, me demiti da direção da Veja para não ser despedido, ao contrário do que afirma em seu Notícias do Planalto Mario Sergio Conti. Não me surpreendeu que depois de me entrevistar longamente, ele tenha preferido publicar a versão do patrão Civita. Passo a expor a verdade factual, e desafio até quem me difama obsessivamente a provar o contrário.

Veja sofria censura feroz, enquanto a Editora Abril pretendia um empréstimo de 50 milhões de dólares (estamos em meados dos anos 70) para consolidar no Brasil dívidas contraídas no exterior. O próprio ditador Geisel, pela boca de Armando Falcão, ministro da Justiça (Justiça?), decretou seu niet, a não ser que se livrassem do acima assinado. Quem tiver dúvidas a respeito, leia o livro Fragmentos de Memória, de Karlos Rischbieter (Travessa dos Editores, 2007), que presidia então a Caixa Econômica Federal, à qual a Editora Abril recorrera.

Tirei o meu modesto time de campo antes da expulsão. Pela elementar razão de que me recusava a negociar minha saída. Quem sabe levasse um bom dinheiro, espécie de comissão sobre o empréstimo da Caixa a ser concedido juntamente com o fim da censura. Ocorre que não queria um único, escasso centavo saído dos bolsos de Victor e Roberto Civita. Vici e Arci: assim hão de ser pronunciadas suas iniciais.

É enredo miúdo, em comparação de tantos outros de vítimas da ditadura. De todo modo, o que me surpreende é um certo desconhecimento dos fatos por parte de um estudante de jornalismo. Está bem se ignora o meu passado, que não conheça a verdadeira história da censura é desolador. Tanto mais por não ser culpa dele. As responsabilidades são óbvias. O pouco caso com a memória antes de mais nada, traço característico da sociedade nativa. E logo após a escola incompetente, talvez inútil.

Mino Carta

Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redação@cartacapital.com.br

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