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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

A estação de caça aos pobres

Por Alipio Freire, no jornal Brasil de Fato:

Domingo, 22 de janeiro de 2012: a Comunidade do Moinho recebe desde cedo centenas de visitantes que se juntam aos moradores locais. Situada na avenida Rio Branco (centro de São Paulo), entre duas linhas férreas, a comunidade reúne cerca de 700 famílias.
Os que chegam são militantes de grupos culturais de bairros populares e da periferia, de diversas organizações de defesa dos direitos humanos e de outros temas pertinentes a problemas do dia-a-dia dos mais pobres.

Trata-se de um ato de solidariedade e protesto: há exato um mês (22.12.2011), um incêndio destruiu 300 barracos – metade das habitações que ali existiam. O incêndio do Moinho abriu a temporada das violências que se abateram sobre as populações pobres do município e do estado de São Paulo. Especialmente aquelas estabelecidas em áreas (urbanas ou rurais) altamente valorizadas.

O incêndio criminoso (ver http://youtu.be/y8UEM2nrwGM e outros cinco vídeos na sequência) abriu a temporada de crimes-de-verão do prefeito Gilberto Kassab e do governador Geraldo Alckmin, contra os pobres e os miseráveis paulistas. As tropas do senhor Alckmin, na madrugada do mesmo domingo 22 de janeiro, desobedecendo à decisão da Justiça Federal e a serviço do mais que “manjado” frequentador de notícias policiais, o senhor Naji Nahas, invadiu e expulsou os moradores da Comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos.

Entre um e outro crime (Moinho e Pinheirinho), o superespetáculo contra a chamada Cracolândia: a dor e o sofrimento como pedagogia. Enfim, é necessário entregar rapidamente à Odebrecht aquela área. Em ano eleitoral, não cumprir compromissos com as empreiteiras afeta os caixas- dois das campanhas.

No Brasil, o verão – anunciado pelo consumo natalino e concretizado com as férias e viagens que desmobilizam as instituições do Estado, e todo tipo de organizações e movimentos de defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo – é tradicional e historicamente a estação de caça aos pobres e aos seus direitos.

Lembram do Ato Institucional Número Cinco, decretado na noite de 13 de dezembro de 1968?


Inimigos do povo



Denunciada à OEA  e à ONU, a ação para a desocupação da área na região de São José dos Campos, chamada Pinheirinho, deverá produzir grande prejuízo de imagem aos tucanos.

Não se pode dizer que o incidente traduza apenas um episódio de má sorte do partido, mas o resultado esperado de uma espécie de incúria que vítima com frequência aqueles que tem a boca torta pelo pito.

No controle do poder em São Paulo há trinta anos, vinte em continuidade, tucanos não conseguem evitar um certo sentimento de que são donos do pedaço.

Lembro-me do dia em que ao reclamar com novos vizinhos dos latidos do cachorro, deixei escapar um tanto insolente e sem querer a afirmação de que morava alí havia vinte anos. Do mesmo modo apresenta-se impossível a qualquer tucano escapar à demonstração de que quem manda no estado mais poderoso da federação é ele e mais ninguém.

Um sentimento que possui bases materiais bem fundadas. As relações com o judiciário é uma delas. Não há verba objeto de pleito de juízes que o executivo estadual não contemple na elaboração do orçamento daquele poder, ainda que em sacrifício de professores, médicos ou outras carreiras de estado.

O resultado é uma cumplicidade a toda prova, de sorte a permitir ao chefe da magistratura chamar para si a responsabilidade da desastrada reintegração de posse em Pinheirinho, dizendo que era ele próprio quem se encontava no comando da tropas policiais no momento da operação.

Faz pensar de onde vem tanta presunção de poder. O cimento nesse amálgama que dá substância à realpolitik tucana é o azedume ideolólogico de um establishment conservador composto por empresários, intelectuais e artistas.

Um eleite que tem horror a pobre e que vê em tudo que não tenha design de shopping e exclusividade de classe, uma ameaça ao status social conseguido em décadas de segregação social nos bairros, nos espaços de lazer e  centros de consumo.

O que faz a classe média mais conservadora sentir-se ameaçada, diga-se, é a diminuiçao das diferenças sociais. Por isso não aceitam que as estradas estejam abarrotadas de carros, os aeroportos repletos de passageiros e as prateleiras de supermercados frequentadas por gente antes confinada a mercadinhos de periferia.

Lastimam-se que os populares nãos os sigam nas avaliações de um governo a serviço de corruptos, como gostam de dizer, e culpam a ignorância e o atraso pela incompreensão da verdade de que se julgam portadores.

Faz água, no entanto, por causa da falta de adesão daqueles que estão em acensão, o pacto elitista-conservador em São Paulo.

Quase uma década de governos populares em plano federal e o êxito de políticas redistributivistas que levaram 30 milhões à condição de classe média, permitiram que se criasse uma base social de apoio nova ao exercício de um tipo de poder mais flexível, mais humano e mais solidário dirigido aos desfavorecidos pelas relações de produção excludentes do capitalismo contemporâneo.

Essa base social, que se expande a cada momento, lança dúvidas sobre a eficácia do discurso polar do tipo ordeiro - desordeiro para legitimar, perante um eleitorado agora desgarrado, os esforços para a conservação do staus quo.

Daí o recurso à força das armas como tentativa de controlar os impulsos de mudança já não passíveis de serem contidos pela interlocução política, já que os atores sociais a quem deveriam os conservadores dirigirem-se lhes são agora de todo desconhecidos.

Porém, mais insitem na violência mais se isolam eleitoralmente dos que deveriam dar voz. Do que resulta apenas a imagem burlesca, também sujeita a exploração eleitoral, de um sobrinho de conde balançando o topete contra urros de revoltosos.
*Brasilquevai

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