Kassab tem “relação estreita” com setor imobiliário
O
arquiteto e urbanista Kazuo Nakano não tem dúvidas da origem da relação
nutrida entre o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e os
empresários do setor da construção. “Esse capital imobiliário faz
políticos, posiciona seus representantes na máquina, na estrutura, para
viabilizar seus interesses na cidade”, resume.
Em
entrevista, Nakano, do Instituto Pólis, faz um balanço negativo da
gestão que se encerra este ano quanto à promoção do direito à habitação,
que continuou relegado à condição de mercadoria. O arquiteto vê na
origem da atuação de Kassab, o mercado imobiliário, a explicação de seu
desempenho político voltado à abertura de avenidas e à promoção de
operações urbanas que, via de regra, têm significado a criação de novas
áreas para a exploração empresarial.
Na última
semana, reportagem da Rede Brasil Atual revelou que as construtoras que
mais doaram ao prefeito durante a campanha eleitoral de 2008 tiveram
acesso, até agora, a mais de R$ 2 bilhões em contratos. Para Nakano, o
resultado são obras que não atendem às necessidades da cidade, mas às
demandas de grupos empresariais, e a criação de estruturas
institucionais que atendem a esses interesses. Os principais exemplos
são a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e a São Paulo Urbanismo,
criadas em 2009.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
RBA
– As empreiteiras doaram quantias para Kassab e agora têm contratos com
a prefeitura. O que isso representa em termos de gestão da cidade?
Essa
imbricação entre doadores de campanha, setores da construção civil, do
setor imobiliário e os candidatos a prefeito, a vereador, e isso se vê
também nos níveis nacional e estaduais. Isso cria um atrelamento do
grupo que acaba assumindo o mandato às demandas que essas empresas
doadoras de campanha apresentam para esses governantes em detrimento de
um processo de planejamento, de regulação das terras, do uso e da
ocupação do solo, e principalmente da realização de obras de
infraestrutura, obras viárias. Essas obras acabam sendo definidas em
função dessas demandas do setor empresarial, e não em função de uma
lógica de planejamento das prioridades da cidade.
Em quais situações na cidade de São Paulo está mais evidente essa lógica?
Por
exemplo, na ampliação da Marginal Tietê. A gente tem um plano diretor
de 2002 que nunca previu a ampliação. Pelo contrário, a gente tem sempre
defendido uma reversão da impermeabilização de várzeas, prioridade ao
transporte coletivo e, no entanto, quase R$ 2 bilhões foram gastos na
ampliação da Marginal Tietê. Essa obra não se justifica em termos de
planejamento urbano, tanto que se a gente vê hoje os frutos dessa
ampliação, eles são pífios com relação à redução do congestionamento na
cidade.
Tem vários exemplos de túneis que acabam
sendo pensados sem uma lógica de planejamento urbano. Há uma questão
séria na realização de obras viárias porque essas aberturas de avenidas
acabam servindo como vetor de valorização imobiliária, de abertura de
frentes de investimento imobiliário. Um exemplo é a Faria Lima, a Águas
Espraiadas, a Berrini. Toda frente imobiliária é impulsionada por uma
obra viária dentro da cidade.
A administração Kassab teve alguma diferença nesse sentido em relação às anteriores?
Kassab
já tem uma origem no mercado imobiliário. Tem uma imbricação muito mais
estreita, anterior à eleição. É do interesse profissional e econômico
dele. Tenho impressão que a atuação política dele nasce dessa relação
com o mercado imobiliário. Esse capital imobiliário faz políticos,
posiciona seus representantes na máquina, na estrutura, para viabilizar
seus interesses na cidade. Isso é do jogo, é parte da máquina de
crescimento imobiliário que setores privados capturem a máquina estatal
em função de interesses próprios.
Como está a correlação de forças entre representações populares de habitação e os interesses do capital imobiliário?
O
governo municipal tem maioria, e essa maioria é composta tanto pelo
setor empresarial quanto pelo setor popular. O governo, inclusive para
viabilizar essa abertura de oportunidades de negócio imobiliário, coopta
setores populares pra apoiar. No caso do Conselho Municipal de
Habitação, essa consequência é mais limitada, porque o Conselho, da
forma como ele tem sido conduzido por esse governo aqui do município de
São Paulo, tem sido de pouco alcance, as discussões ali têm sido muito
pontuais, não se discute política habitacional. Nos dois últimos anos, o
percentual do orçamento da Sehab (Secretaria de Habitação),
que foi destinado para o Fundo Municipal de Habitação, que é o dinheiro
que o Conselho discute e decide, corresponde a 10% do orçamento da
secretaria.
Uma instância de participação da
sociedade civil instituída no município de São Paulo e que teria uma
efetividade maior é a Comissão de Legislação Urbana, que é totalmente
dominada pelo setor empresarial, principalmente do setor imobiliário.
Porque lá se discute a legislação que interessa ao mercado imobiliário.
Eles investem muito, eles têm maioria, e o governo também tem presença
forte lá e não tem transparência nenhuma. A sociedade civil é
minoritária ali.
Nesse sentido da
política urbana, nos últimos anos foram criadas algumas secretarias
abordando isso e até autarquias, como a São Paulo Urbanismo.
Isso
mostra como a estrutura institucional do poder público hoje se adaptou a
essa lógica de reapropriação de espaços da cidade por negócios
imobiliários. Do ponto de vista do mercado imobiliário e desse grupo que
está governando a cidade hoje, há interesse em reintroduzir partes da
cidade no circuito do mercado, dos negócios e do capital imobiliário,
que no caso de São Paulo não é um capital imobiliário local só, é
nacional e transnacional. Há articulações entre o mercado financeiro e o
mercado imobiliário bastante fortes na cidade de São Paulo. O projeto
Nova Luz é um exemplo, as Operações Urbanas são um exemplo, as áreas que
estão recebendo investimentos em função da Copa são outro exemplo. Quer
dizer, são áreas de grandes projetos urbanos em espaços consolidados
que já têm atividade, ocupação, têm investimento, têm infraestrutura,
estão. Há interesse em reconverter esses espaços, limpar aquilo que
atrapalha o negócio imobiliário, sejam edificações degradadas, sejam
grupos sociais pobres, tirar isso da frente, valorizar e atrair
investidores.
Qual o balanço da relação
entre habitação e os direitos sociais e humanos da população de São
Paulo durante esses sete anos de gestão Kassab?
É
um balanço negativo. O que a gente vê nas nossas cidades, primeiro é
que a gente não conseguiu fazer com que o atendimento das necessidades
habitacionais, principalmente das famílias de baixa renda, fosse objeto
de uma política nacional e que levasse a grandes resultados. As nossas
políticas urbanas, a nossa política de desenvolvimento urbano ainda não
conseguiu incidir em uma coisa central das nossas cidades que é a terra
urbana, a gente ainda não conseguiu abrir canais de acesso a essas
terras urbanas adequadas, bem localizadas na cidade,que propiciem acesso
às oportunidades da cidade, para as famílias de baixa renda. Os acessos
às terras urbanas ainda são determinados pelo mercado, seja pelo
mercado formal, seja pelo mercado informal, ou seja, o que determina é o
tamanho do bolso da família.
*OCarcará
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