Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, fevereiro 14, 2012

Kassab tem “relação estreita” com setor imobiliário

image_previewO arquiteto e urbanista Kazuo Nakano não tem dúvidas da origem da relação nutrida entre o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e os empresários do setor da construção. “Esse capital imobiliário faz políticos, posiciona seus representantes na máquina, na estrutura, para viabilizar seus interesses na cidade”, resume.
Em entrevista, Nakano, do Instituto Pólis, faz um balanço negativo da gestão que se encerra este ano quanto à promoção do direito à habitação, que continuou relegado à condição de mercadoria. O arquiteto vê na origem da atuação de Kassab, o mercado imobiliário, a explicação de seu desempenho político voltado à abertura de avenidas e à promoção de operações urbanas que, via de regra, têm significado a criação de novas áreas para a exploração empresarial. 
Na última semana, reportagem da Rede Brasil Atual revelou que as construtoras que mais doaram ao prefeito durante a campanha eleitoral de 2008 tiveram acesso, até agora, a mais de R$ 2 bilhões em contratos. Para Nakano, o resultado são obras que não atendem às necessidades da cidade, mas às demandas de grupos empresariais, e a criação de estruturas institucionais que atendem a esses interesses. Os principais exemplos são a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e a São Paulo Urbanismo, criadas em 2009.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
RBA – As empreiteiras doaram quantias para Kassab e agora têm contratos com a prefeitura. O que isso representa em termos de gestão da cidade?
Essa imbricação entre doadores de campanha, setores da construção civil, do setor imobiliário e os candidatos a prefeito, a vereador, e isso se vê também nos níveis nacional e estaduais. Isso cria um atrelamento do grupo que acaba assumindo o mandato às demandas que essas empresas doadoras de campanha apresentam para esses governantes em detrimento de um processo de planejamento, de regulação das terras, do uso e da ocupação do solo, e principalmente da realização de obras de infraestrutura, obras viárias. Essas obras acabam sendo definidas em função dessas demandas do setor empresarial, e não em função de uma lógica de planejamento das prioridades da cidade. 
Em quais situações na cidade de São Paulo está mais evidente essa lógica?
Por exemplo, na ampliação da Marginal Tietê. A gente tem um plano diretor de 2002 que nunca previu a ampliação. Pelo contrário, a gente tem sempre defendido uma reversão da impermeabilização de várzeas, prioridade ao transporte coletivo e, no entanto, quase R$ 2 bilhões foram gastos na ampliação da Marginal Tietê. Essa obra não se justifica em termos de planejamento urbano, tanto que se a gente vê hoje os frutos dessa ampliação, eles são pífios com relação à redução do congestionamento na cidade.
Tem vários exemplos de túneis que acabam sendo pensados sem uma lógica de planejamento urbano. Há uma questão séria na realização de obras viárias porque essas aberturas de avenidas acabam servindo como vetor de valorização imobiliária, de abertura de frentes de investimento imobiliário. Um exemplo é a Faria Lima, a Águas Espraiadas, a Berrini. Toda frente imobiliária é impulsionada por uma obra viária dentro da cidade. 
A administração Kassab teve alguma diferença nesse sentido em relação às anteriores?
Kassab já tem uma origem no mercado imobiliário. Tem uma imbricação muito mais estreita, anterior à eleição. É do interesse profissional e econômico dele. Tenho impressão que a atuação política dele nasce dessa relação com o mercado imobiliário. Esse capital imobiliário faz políticos, posiciona seus representantes na máquina, na estrutura, para viabilizar seus interesses na cidade. Isso é do jogo, é parte da máquina de crescimento imobiliário que setores privados capturem a máquina estatal em função de interesses próprios. 
Como está a correlação de forças entre representações populares de habitação e  os interesses do capital imobiliário?
O governo municipal tem maioria, e essa maioria é composta tanto pelo setor empresarial quanto pelo setor popular. O governo, inclusive para viabilizar essa abertura de oportunidades de negócio imobiliário, coopta setores populares pra apoiar. No caso do Conselho Municipal de Habitação, essa consequência é mais limitada, porque o Conselho, da forma como ele tem sido conduzido por esse governo aqui do município de São Paulo, tem sido de pouco alcance, as discussões ali têm sido muito  pontuais, não se discute  política habitacional. Nos dois últimos anos, o percentual do orçamento da Sehab (Secretaria de Habitação), que foi destinado para o Fundo Municipal de Habitação, que é o dinheiro que o Conselho discute e decide, corresponde a 10% do orçamento da secretaria. 
Uma instância de participação da sociedade civil instituída no município de São Paulo e que teria uma efetividade maior é a Comissão de Legislação Urbana, que é totalmente dominada pelo setor empresarial, principalmente do setor imobiliário. Porque lá se discute a legislação que interessa ao mercado imobiliário. Eles investem muito, eles têm maioria, e o governo também tem presença forte lá e não tem transparência nenhuma. A sociedade civil é minoritária ali. 
Nesse sentido da política urbana, nos últimos anos foram criadas algumas secretarias abordando isso e até autarquias, como a São Paulo Urbanismo.
Isso mostra como a estrutura institucional do poder público hoje se adaptou a essa lógica de reapropriação de espaços da cidade por negócios imobiliários. Do ponto de vista do mercado imobiliário e desse grupo que está governando a cidade hoje, há interesse em reintroduzir partes da cidade no circuito do mercado, dos negócios e do capital imobiliário, que no caso de São Paulo não é um capital imobiliário local só, é nacional e transnacional. Há articulações entre o mercado financeiro e o mercado imobiliário bastante fortes na cidade de São Paulo. O projeto Nova Luz é um exemplo, as Operações Urbanas são um exemplo, as áreas que estão recebendo investimentos em função da Copa são outro exemplo. Quer dizer, são áreas de grandes projetos urbanos em espaços consolidados que já têm atividade, ocupação, têm investimento, têm infraestrutura, estão. Há interesse em reconverter esses espaços, limpar aquilo que atrapalha o negócio imobiliário, sejam edificações degradadas, sejam grupos sociais pobres, tirar isso da frente, valorizar e atrair investidores. 
Qual o balanço da relação entre habitação e os direitos sociais e humanos da população de São Paulo durante esses sete anos de gestão Kassab?
É um balanço negativo. O que a gente vê nas nossas cidades, primeiro é que a gente não conseguiu fazer com que o atendimento das necessidades habitacionais, principalmente das famílias de baixa renda, fosse objeto de uma política nacional e que levasse a grandes resultados. As nossas políticas urbanas, a nossa política de desenvolvimento urbano ainda não conseguiu incidir em uma coisa central das nossas cidades que é a terra urbana, a gente ainda não conseguiu abrir canais de acesso a essas terras urbanas adequadas, bem localizadas na cidade,que propiciem acesso às oportunidades da cidade, para as famílias de baixa renda. Os acessos às terras urbanas ainda são determinados pelo mercado, seja pelo mercado formal, seja pelo mercado informal, ou seja, o que determina é o tamanho do bolso da família.
*OCarcará

Nenhum comentário:

Postar um comentário