Trabalho escravo na Avenida Paulista
Foi registrado nesta quinta-feira (16) um flagrante de trabalho escravo em plena Avenida Paulista, região central de São Paulo (SP). Onze pessoas que atuavam como pedreiros e serventes para a construtora Racional Engenharia, na ampliação do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, foram encontradas em condições análogas às de escravidão pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A denúncia foi feita por um trabalhador que teve seu salário retido por dois meses.
Os
representantes da Racional alegam que os trabalhadores respondiam a uma
terceirizada, a Genecy, e que a direção desconhecia as irregularidades
encontradas. No entanto, as investigações comprovaram a relação
trabalhista entre eles e a Racional.
Uma boa
parte dos trabalhadores são do Maranhão, Estado com o segundo pior
Índice de Desenvolvimento Humano do país. Por conta da mecanização do
corte da cana-de-açúcar, há uma tendência de migrantes que atuavam nesse
setor passarem a trabalhar na construção civil.
Os
operários tiveram a liberdade restringida, de acordo com Luís Alexandre
Faria, coordenador do Grupo de Combate ao Trabalho Escravo Urbano da
Superintendência do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP), devido à
retenção de salários e às dívidas contraídas com o empreiteiro da obra.
Sem dinheiro, eles não conseguiam voltar aos seus municípios maranhenses
de origem, em Santa Quitéria e Tutóia.
Dos onze,
quatro foram aliciados no Maranhão e já chegaram a São Paulo
endividados. Os demais trabalhavam em outra obra na capital. Eles foram
encaminhados para um alojamento em Itaquera, na Zona Leste de São Paulo,
onde, sem dinheiro, passaram a viver em condições precárias. Os
operários utilizavam espumas de colchão como papel higiênico e não
tinham dinheiro sequer para comprar cartões telefônicos para contatar
familiares ou mesmo para se locomover dentro da cidade, segundo os
auditores.
Os trabalhadores dormiam em camas
improvisadas: por conta da falta de espaço, elas eram empilhadas
formando beliches “totalmente inseguros”, de acordo com Luís Alexandre
Faria, coordenador do Grupo de Combate ao Trabalho Escravo Urbano da
Superintendência do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP).
Dentro
do alojamento, havia ainda instalações elétricas irregulares e um
botijão de gás. O grupo dividia dois copos para beber água e os 11
trabalhadores se revezavam para utilizar o único banheiro do local. Além
disso, o empregador não disponibilizou papel higiênico, roupas de cama
ou mesmo itens como sabonete e pasta de dente.
A
operação foi finalizada em 10 de fevereiro, quando a empresa recebeu os
28 autos de infração pelas irregularidades encontradas. Os trabalhadores
retornaram ao Maranhão em 23 de janeiro, após receberem as verbas
rescisórias.
A obra de ampliação do Hospital
Oswaldo Cruz conta com cerca de 280 trabalhadores. No local, ocorreu um
acidente fatal em novembro do ano passado. Um operário morreu ao cair de
um andaime quando estava no oitavo andar. A Racional Engenharia é uma
das maiores empresas do ramo no Brasil e, em São Paulo, foi responsável
pela construção de shoppings como o Morumbi e o Pátio Higienópolis, de
fábricas, hotéis e empresas, entre outras obras de grande porte.
A
fiscalização durou de 6 de dezembro até dia 10 de fevereiro. Foram
feitas cinco inspeções no alojamento e na obra. Em 11 de janeiro, a
Racional foi comunicada pelo MTE sobre as irregularidades encontradas no
local em que os trabalhadores estavam abrigados. A empresa limitou-se a
rescindir o contrato com a empreiteira Genecy.
A Racional nega que tenha abandonado os trabalhadores após rescindir o contrato. “A
Genecy quebrou o contrato ao não cumprir as suas obrigações, inclusive a
de não declarar a existência de alojamento. Ao tomar conhecimento do
fato, a Racional atuou para garantir que a Genecy garantisse os direitos
das pessoas envolvidas, o que efetivamente ocorreu”, disse a empresa em nota.
Trabalho
análogo ao de escravo é crime, previsto no artigo 149 do Código Penal, e
já foi encontrado em fiscalizações do governo federal em obras do
Programa de Aceleração do Crescimento PAC, na construção de moradias do
“Minha Casa, Minha Vida”, na ampliação do Programa “Luz para Todos” (que
leva energia para famílias e comunidades que não têm acesso à rede
elétrica, como foi em Guajará-Mirim, Rondônia) e em obras da Companhia
de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), do governo estadual
paulista. Os resgates de trabalhadores nesse setor são recentes, não
porque o trabalho escravo surgiu apenas agora na construção civil, mas
porque o poder público passou a dar mais atenção à fiscalização nessa
área. Os números têm crescido e já é possível encontrar empreiteiras no
cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra escrava.
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