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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 27, 2012

A campanha dos bancos para saquear as poupanças


Desde o último dia 18, quando a taxa nominal de juros básicos caiu para 9%, espalharam-se por atacado os artigos, reportagens ou shows de televisão, etc., sobre a tremenda urgência de rebaixar os rendimentos das cadernetas de poupança. Caso contrário, dizem, não será possível baixar mais os juros – apesar dos juros básicos reais, isto é, descontada a inflação, ainda estarem em +3,4%, enquanto a média internacional está em -0,6%.

O rendimento da poupança (taxa referencial de juros + 0,5% ao mês) é um contrato. Mas, quando é para pilhar os mais pobres, nenhum desses filantropos se importa em quebrar contratos.
Segundo eles, com a queda dos juros básicos, a poupança ficou (ou estaria ficando) mais “atrativa” que os fundos de renda fixa, cuja base é constituída por aplicações em títulos do governo. Assim, os especuladores estariam retirando (ou iriam retirar) dinheiro da renda fixa, abrir cadernetas de poupança, e o governo não poderia refinanciar (“rolar”) sua dívida, por falta de aplicadores em títulos públicos.
Tudo isso é falso, como disse, no dia 23, o coordenador de Operações da Dívida Pública do Tesouro, Fernando Garrido. Mas isso não impediu os porta-vozes dos bancos de continuarem a sua campanha.
Logo, arrumaram um “estudo” de uma entidade chamada Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade) para provar a inevitabilidade da fuga para a poupança, se o rendimento desta não for reduzido.
Anefac é o nome de fantasia da National Association Accounting (NAA), braço doInstitute of Management Accountants (IMA), sediado em New Jersey, EUA. O atual presidente da Anefac atende pelo nome de Andrew Frank Storfer.
No “paper” da Anefac, para chegar à conclusão de que a queda dos juros básicos fez com que a poupança tenha rendimento maior que a “renda fixa”, além do imposto de renda, subtraiu-se do rendimento da última a taxa de administração que os bancos cobram dos aplicadores.
Naturalmente, os especuladores estrangeiros (segundo as contas do BC, há U$ 124,49 bilhões de dinheiro externo na “renda fixa” dentro do país, o que, ao câmbio da última quarta-feira, significa 45,5% do total) não querem pagar impostos. Mas, se o sr. Mantega não inventar mais uma isenção, terão de pagá-los. Até porque o imposto de renda, que é tanto mais baixo quanto maior o prazo dos títulos, não impede as cornucópias de ganhos na renda fixa.
Quanto às “taxas de administração”, realmente, os especuladores maiores, isto é, os bancos que “administram” os fundos de renda fixa, escalpelam com elas os especuladores menores. Aliás, há taxas para tudo, com alíquotas que dependem apenas da ganância dos bancos: “taxas de administração”, “taxas de performance” (se o resultado for bom, o “administrador” cobra mais), “taxas de entrada” (para permitir a entrada do “investidor” no fundo) e “taxas de saída” (se o sujeito quiser sair dele).
No entanto, os bancos, que são os principais “investidores” da renda fixa, cobram as taxas, eles não as pagam. São eles os “administradores” que estabelecem as taxas - e as auferem. No momento, a “taxa de administração” pode ir até 5% do dinheiro aplicado pelo pato, digo, investidor. São taxas tão inúteis que há fundos que não cobram qualquer taxa, assim como existem os que cobram 1% ou 2%.
Portanto, calcular o rendimento da “renda fixa” subtraindo essas taxas para diminuí-los, é uma falácia, porque os “investidores” mais pesados não as pagam. Pelo contrário, são eles que cobram essas taxas, como “administradores” dos fundos. Se o pequeno ou médio especulador quer se submeter a essa escorcha, não há nada a fazer. Quem é burro pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue. A poupança e seus aplicadores é que não têm nada a ver com isso.
No entanto, como em simulações tudo é possível, no “paper”, a Anefac não somente as subtraiu em geral do rendimento da “renda fixa” - como se todos os “investidores” as pagassem -, como usou as taxas de administração que convinha para provar, irretorquivelmente, que a poupança tem de ser furtada...
Evidentemente, rebaixar o rendimento da poupança significa aumentar o ganho dos “agentes repassadores”, isto é, dos bancos. Além do que, com o dinheiro dos depositantes, estão soltos para jogar nos cassinos especulativos ao redor do mundo.
Os aplicadores na “renda fixa” são cerca de 50 mil, com R$ 1 milhão ou mais aplicados – menos que isso é insignificante, do ponto de vista do total. Os aplicadores em caderneta de poupança são 98 milhões.
A “renda fixa” imobiliza hoje, em completa esterilidade especulativa, R$ 513,90 bilhões (cf. Anbima, “Indicadores do mercado de renda fixa”, 24/04/2012). A poupança tem um total de depósitos de R$ 428,90 bilhões (cf. BC, Relatório de Poupança, abril/2012).
Em síntese, o total imobilizado na “renda fixa” supera a poupança em R$ 85 bilhões, apesar do número de aplicadores desta última serem 1960 vezes os daquela, e apesar da primeira ser uma aplicação estéril, enquanto a segunda financia a construção civil (poupança SBPE) e a agricultura (poupança rural).
Portanto, seria muito divertido ver os especuladores retirarem mais de meio trilhão de reais da “renda fixa” para enfiá-los em cadernetas de poupança.
Mas, diria algum espiroqueta, isso não seria “responsável”. Responsável é aumentar o ganho dos bancos e manter bilhões esterilizados na especulação, isto é, desviados da produção (a Anbima, que reúne as “entidades” do mercado financeiro e de capitais, informa que há R$ 2,1trilhões imobilizados nas várias operações dos “fundos de investimento”).

O rendimento real da poupança ao mês está em 0,61%. O da renda fixa (médio, pois depende do prazo) está em 0,62% a.m. A “renda fixa” tem um rendimento superior ao da poupança. Perguntaria o leitor: e se houvesse uma inversão? Se fosse o inverso, os especuladores continuariam a ganhar uma fábula com a “renda fixa”. Mas, continuaria o leitor, e a fuga para as cadernetas de poupança? Um consultor financeiro – ao contrário da mídia, os consultores que querem sobreviver não podem desencaminhar os seus clientes – definiu: “para quem tem mais de R$ 1 milhão, a poupança é mau negócio, diante de outras aplicações que rendem muito mais”. Se houvesse alguma fuga, não seria para a poupança. Ao silenciar sobre isso, os porta-vozes dos bancos revelam que estão se lixando para evitar uma fuga da renda fixa, e que se danem as contas do governo. Querem, única e exclusivamente, saquear a poupança dos pobres para aumentar o ganho dos seus patrões.

CARLOS LOPES
Fonte: Hora do Povo
*SoaBrasil

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