O código de um grupo contra toda sociedade
Via CartaMaior
Saul Leblon
Com
justificável desalento, após a aprovação do Código Florestal na Câmara,
nesta 4ª feira, membros do Greenpeace classificaram o agronegócio
brasileiro como o maior partido do país. O desabafo é compreensível
quando 274 votantes, de um total de 458, sonegam à sociedade
salvaguardas ambientais minimamente contempladas na versão do projeto
egressa do Senado. A identificação entre aritmética e hegemonia porém é
equivocada. Ser um grande partido requer justamente o oposto do que
caracterizou o espetáculo de ganância obtusa propiciado pelo Legislativo
federal.
O corporativismo pequeno
personificado no relator da Câmara, deputado Piau (PMDB-MG),
distingue-se da liderança política, entre outras coisas, pela
incapacidade de dar a seus interesses uma grandeza que incorpore parcela
expressiva dos anseios da sociedade de uma época.
Desguarnecer
a proteção dos grandes rios brasileiros; desdenhar da mesma proteção no
caso de vertedouros urbanos; sancionar a devastação com anistia a
grandes desmatadores e tornar dúbia a fiscalização coercitiva numa
transferência de responsabilidade a esferas da federação desprovidas de
meios para exercê-las, configura mais um golpe de um grupo contra a
sociedade do que um projeto capaz de pavimentar o seu futuro.
O
futuro é a maior vítima da lógica corporativa que se contradiz nos seus
próprios termos. Abala-se frequentemente o agronegócio brasileiro a
ostentar sua proficiência produtiva. Não raro, utiliza-a como argumento
para descredenciar a pertinência da reforma agrária que no século XXI já
não se ampara exclusivamente no relevante objetivo produtivista,
assumindo também dimensões de política populacional e instrumento de
ocupação sustentável do território.
O Brasil de fato notabiliza-se pela indiscutível competência agrícola.
Subsídios
estatais de fomento e pesquisa foram generosamente investido com esse
fim. A Embrapa, um órgão estatal de pesquisa, é o maior centro de
conhecimento em agricultura tropical do planeta. Nos últimos 20 anos a
oferta agrícola cresceu 155%; a expansão da área plantada no país foi de
apenas 22%. A demanda mundial de alimentos deve saltar 20% nesta
década; as projeções internacionais indicam que 40% da oferta
correspondente virá do plantio brasileiro. Se a eficiência é
indiscutível, seu custo social nem sempre é reconhecido: um processo
acelerado de expulsão da terra impulsionado durante a ditadura militar
gerou no país a urbanização caótica que hoje penaliza a sociedade em
diversas frentes.
O Brasil favelado equivale a
um Portugal inteiro: 11,5 milhões de pessoas vivendo em 6.300 núcleos
precários. A abundância da colheita não se fez acompanhar do equilíbrio
na distribuição: coube ao governo Lula criar um programa de combate à
miséria, amplificado pela Presidenta Dilma, que hoje atende mais de 12
milhões de famílias. De outra forma, 50 milhões de brasileiros não
teriam o que comer, apesar das supersafras no campo.
Antes
de sancionar, como querem seus porta-vozes, a competência produtiva
desautoriza a ganância inscrita no projeto de Código Florestal. Cálculos
do próprio agronegócio indicam que o Brasil tem 96 milhões de hectares
de pastagens agricultáveis, área superior a tudo o que é cultivado hoje
--cerca de 70 milhões de hectares. Basta elevar a eficiência da pecuária
extensiva para liberar espaços subutilizados em benefício da oferta
adicional de alimentos. Qual o sentido então de se ocupar encostas com
gado, como prevê o Código aprovado esta semana? Ou acanhar a exigência
de reserva legal em regiões da Amazônia?
A
capacidade de organizar um futuro crível e inclusivo distingue uma força
social portadora de liderança histórica de um mero ajuntamento guiado
por lógica autoreferente. O capital financeiro hoje domina a vida
econômica do planeta em crise; caracteriza-se mais como uma ameaça à
sociedade do que um lastro de ordenação do seu bem-estar e
desenvolvimento.
A irresponsabilidade ambiental
que o ruralismo pretende impor ao país evidencia identico paradoxo.
Trata-se de um poder econômico que deixado à própria sorte transforma-se
em força anti-social. Deve ser objeto do mesmo enquadramento e veto
estatal preconizado contra a desregulação financeira; um direito da
democracia contra as imposições de um grupo sobre os interesses de toda a
sociedade.
Postado por Saul Leblon às 18:57
*GilsonSampaio
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