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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, abril 29, 2012

A OTAN invade Chicago...


29/4/2012, Ross Ruthenberg, Global Research
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Que fim levou a “Responsabilidade de Proteger - R2P - os cidadãos, na cidade-zona-de-guerra?

A cidade de Chicago será invadida por uma conferência da OTAN, mês que vem, operação que custará mais de 100 milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos. Esse é o custo de dar condições de infraestrutura e segurança a 50 delegações estrangeiras, incluídas cerca de 100 autoridades de Estado além de milhares de assessores.
Mas, em vez de assistir à instalação de um anel de ferro “seguro” para os burocratas da OTAN, o que os super flagelados cidadãos de Chicago muito apreciariam seria um show de aplicação da doutrina da “Responsabilidade de Proteger” (R2P), que as potências da OTAN tanto se orgulham de impingir a outras partes do mundo, tão devastadas pela violência quanto Chicago.
Nos últimos tempos, a violência em Chicago já ultrapassou todos os recordes passados. A cidade vive hoje uma epidemia de tiroteios com vítimas fatais. No ano passado, houve cerca de 2.300 tiroteios nas ruas da “Cidade dos Ventos”, que resultaram em 441 homicídios nos quais morreram homens, mulheres e crianças. Só nos primeiros três meses de 2012, já foram 656 tiroteios, com 145 homicídios. Nesse ritmo, até o final do ano, serão cerca de 2.600 vítimas de tiros na cidade e 580 homicídios.
A população de Chicago, claro, não se sente segura na própria cidade, e as autoridades estaduais e federais são visivelmente incapazes de cumprir o dever de proteger os cidadãos.
Faz portanto perfeito sentido que a população de Chicago ou alguns grupos de cidadãos preocupados estejam invocando o princípio da “Responsabilidade de Proteger” – R2P, tentando obter para a cidade os mesmos benefícios que as potências da OTAN oferecem, sempre lépidas, em intervenções militares pelo mundo, sempre, como dizem, para “proteger direitos humanos”.
Afinal de contas, a “Responsabilidade de Proteger” ensina que “a soberania não é direito: é privilégio” e, se os estados não conseguem proteger o direito dos próprios cidadãos, perdem o direito à soberania, o que daria à ONU ou a OTAN autoridade legítima para invadir e garantir a segurança de cidadãos cuja vida esteja ameaçada.
É exatamente o caso, como se pode argumentar, de exigir que a OTAN invada e intervenha em Chicago, com seus “zeladores da paz” armados até os dentes, falando línguas que ninguém por aqui entenda, cercando vastas áreas da cidade com tanques, impondo por aqui também zonas aéreas de exclusão, com os céus engarrafados de drones que vomitam mísseis sobre qualquer grupo de pessoas das quais alguém desconfie que possam perpetrar violências contra cidadãos que deveriam ser, mas não são, protegidos pelas pressupostas autoridades pressupostas competentes.
Analisemos as mortes por arma de fogo, por ano, em Chicago, num contexto sírio. Mantida a proporção entre as respectivas populações (a Síria com 20,5 milhões de habitantes; Chicago com 2,8 milhões), os números proporcionais de mortos alcançariam 18.815 civis mortos em Chicago, contra 4.160 na Síria. Morre proporcionalmente mais gente em Chicago que os números sempre crescentes, jamais conferidos e com certeza muito exagerados que a ONU divulga de vítimas sírias, desde o início dos conflitos naquele país, há 13 meses.
Se os duvidosos números de vítimas sírias causaram tal preocupação nos governos ocidentais, na grande imprensa-empresa e no Conselho de Segurança da ONU, por que ninguém dá qualquer atenção à matança de civis em Chicago? Como se diz pelas ruas pobres de Chicago: “O que somos nós? Fígado moído?”
Não há qualquer exagero em dizer que há áreas de Chicago que, para a população desassistida, equivalem a zonas de guerra. As crianças têm de ser escoltadas pela polícia, sempre que a classe sai da escola para visitar uma biblioteca em outro bairro. As minorias étnicas vivem sob risco ainda maior, ameaçadas de morte violenta apenas por andar por algumas ruas da cidade.
Não há dúvidas de que Chicago é caso que está a exigir intervenção da ONU ou análise por alguma corte internacional de justiça que julgue as autoridades municipais por não cumprimento do dever de proteger os próprios cidadãos em Chicago.
A ONU ou a OTAN devem portanto ser autorizadas a intervir para garantir segurança aos cidadãos de Chicago (assumindo-se, evidentemente, que o princípio e a prática da “Responsabilidade de Proteger” signifiquem alguma coisa a sério e sejam legítimos, legitimamente construídos).
Outro fator que torna plenamente justificável a aplicação da “Responsabilidade de Proteger” à cidade de Chicago é o nível de violência sistêmica gerada pela atividade de gangs armadas e mercenários assassinos. Muitos dos tiroteios na cidade são atribuídos a gangs pesadamente armadas ou a milícias privadas que trabalham no negócio das drogas que, em Chicago, alcança proporções industriais. E, tanto quanto se sabe, esses exércitos privados são comandados e pagos por estrangeiros – mexicanos e colombianos.
Nas próximas semanas, durante a Conferência da OTAN em Chicago, todos ouviremos governos ocidentais e os grandes veículos da imprensa-empresa, dedicados a muito elogiar a intervenção da ONU e da OTAN na Síria, onde o governo de Bashar Al Assad não estaria protegendo os cidadãos sírios contra a ação de gangs armadas (embora as tais gangs armadas estejam sendo armadas e pagas pelos mesmos governos ocidentais e respectivas imprensa-empresas suas aliadas que se reunirão em Chicago).
Por tudo isso, aplicando-se os mesmos – cínicos – critérios, pode-se exigir que a OTAN seja mandada “libertar Chicago”. É mais que hora, também, de a OTAN promover, urgentemente, uma “mudança de regime” por aqui.
*redecastorphoto

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